[bibliacatolica]
18 janeiro 2012
Ora, dessa
excessiva separação entre estudo e oração, seguem-se muitos defeitos: os
sacrifícios e as dificuldades que não raro se encontram nos estudos,
não são mais considerados como uma penitência salutar, nem são
adequadamente ordenados a Deus; assim, por vezes sobrevêm fadigas e
fastio, sem que delas se tire nenhum fruto religioso.
Por outro
lado, por vezes se encontra no estudo o deleitamento natural, que
poderia ser ordenado a Deus, em espírito de fé viva, mas que não raro
permanece puramente natural, sem qualquer fruto para a alma religiosa.
Santo Tomás fala desses dois desvios na IIa IIae, q. 166, onde trata da virtude da estudiosidade ou
da aplicação aos estudos, que deve ser governada pela caridade, contra a
curiosidade desordenada e contra a preguiça, a fim de que se estude o que convém, como convém, quando e onde convém e, sobretudo, para que se estude com o espírito e o fim mais apropriado para melhor conhecer o próprio Deus e para a salvação das almas.
Mas, para evitar os defeitos acima, opostos um ao outro, é bom lembrar-se de como nosso estudo intelectual pode ser santificado,
considerando, em primeiro lugar, o que recebe a vida anterior do estudo
retamente ordenado; em seguida, e por outro lado, o que o estudo da
Sagrada Teologia pode cada vez mais receber da vida interior. Na união
destas duas atividades de nossa vida, verifica-se o princípio: “Causae ad invicem sunt causae, sed in diverso genere“; há entre elas uma relação de mútua causalidade e de prioridade verdadeiramente admirável.
O que a vida interior deve ao estudo
A vida interior, pelo estudo da teologia, é preservada sobretudo de dois graves defeitos: subjetivismo, na piedade, e particularismo.
O
subjetivismo, no que toca a piedade, hoje comumente chamado de
“sentimentalismo”, é uma certa afetação de amor, desprovida do
verdadeiro e profundo amor de Deus e das almas. Este defeito provém do
fato de prevalecer na oração a inclinação natural da nossa
sensibilidade, conforme a índole de cada um. Prevalece alguma emoção da
sensibilidade que, por vezes, é expressa com algum lirismo, mas que
carece do sólido fundamento da verdade. Hoje, muitos psicólogos
incrédulos, como Bergson, na França, acreditam ainda que o misticismo
católico provenha da prevalência de alguma nobre emoção que nasceria no
subconsciente e que, em seguida, se exprimiria nas idéias e nos juízos
dos místicos. Mas permaneceria sempre a dúvida sobre a verdade real
destes juízos que nasceram sob a pressão do subconsciente e do
sentimento.
Ao contrário, nossa vida interior deve estar fundada na verdade divina.
Isto, de certo, já ocorre pela própria fé infusa, fundada na autoridade
de Deus que a revela. Mas o estudo bem ordenado em muito ajuda à bem
conhecer em que propriamente consistem as verdades da fé,
independentemente de nossas disposição subjetivas. O estudo ajuda
sobretudo a formar uma reta noção sobre as perfeições de Deus, sobre Sua
bondade, misericórdia, amor, justiça e ainda sobre as virtudes infusas,
sobre a verdadeira humildade, religião e caridade, não permitindo a
mistura de emoções não fundadas na verdade. Por essa razão, Santa
Teresa, como a própria afirma em seuLivro da Vida, capítulo 13,
muito recebeu das conferências dos bons teólogos, para que não se
desviasse da senda da verdade nas enormes dificuldades.
Nosso estudo bem orientado liberta nossa vida interior, não apenas do subjetivismo, mas também do particularismo,
que provém do influxo excessivo de certas idéias, particulares de algum
tempo ou região, que após uns trinta anos já se mostrarão obsoletas. Em
tempos passados, prevaleceram certas idéias ou filosofias que hoje já
não agradam; assim ocorre a cada geração; surgem sucessivas opiniões e
admirações que passam com a figura do mundo, enquanto permanece a
palavra de Deus, da qual o justo deve viver.
Assim, o estudo bem ordenado verdadeiramente conserva, na vida interior, a devida objetividade,sobre todos os desvios da sensibilidade e a universalidade, fundada naquilo que sempre e por toda a parte a Igreja ensinou. E assim, cada vez mais percebemos que as verdades mais altas, mais profundas e mais vitais nada mais são que as verdades elementares do
Catolicismo, desde que profundamente examinadas e tornadas objeto de
quotidiana meditação e contemplação. Assim são as verdades enunciadas no
Pai Nosso, assim as da primeira linha do catecismo: “Para que fostes
criado? Para conhecer Deus, amar a Deus, servir a Deus e assim obter a
vida eterna”. Assim, igualmente, cada vez mais se mostra a verdade
fundamental de todo Cristianismo: Deus tanto amou o mundo que deu seu Filho unigênito.
É
coisa de máxima importância viver profundamente destas verdades, sem
nenhum desvio do subjetivismo, sentimentalismo ou particularismo de
qualquer tempo ou região. Nisso, também, nossa vida interior tem muito a
receber do bom estudo; e este é o ótimo fruto da penitência
que se encontra nas dificuldades do estudo, e fruto muito mais precioso
do que o deleitamento natural, que pode existir no labor intelectual não
suficientemente santificado ou ordenado a Deus. No estudo diligente,
governado pela caridade, verifica-se de modo notável esta proposição
comum: se são amargas as raízes da ciência, seus frutos são mais doces e
excelentes. Não se trata aqui da ciência que incha, mas daquela que, sob o influxo da caridade e da virtude da estudiosidade,verdadeiramente edifica.
A vida interior, portanto, é pelo estudo preservada de muitos desvios, para que permaneça objetiva,
e verdadeiramente fundada na doutrina que sempre e em toda parte se
transmitiu. Mas há, por outro lado, um influxo da vida interior no
estudo da Sacra Teologia.
O que o estudo da teologia deve à vida interior
Não raro este estudo fica sem vida, quer na parte positiva, quer na especulativa e abstrata. Muitas vezes falta nele o espírito alto e o influxo das virtudes teologais e dos dons da inteligência e da sabedoria. Por conseqüência, o saber teológico muitas vezes não é aquela “ciência saboreada” da qual fala Santo Tomás na primeira questão da Suma Teológica.
Não raro nossa mente estaciona nas próprias fórmulas dogmáticas, na sua análise conceitual, nas conclusões deduzidas, e não costuma, por essas fórmulas, penetrar no mistério da fé, para saboreá-lo espiritualmente e para dele viver.
Convém dizer isto porque muitos santos que não puderam fazer tantos estudos como nós,penetraram muito mais profundamente nestes mistérios da fé.
Assim, São Francisco de Assis, Santa Catarina de Sena, São Bento-José
Labré e muitos outros que certamente não fizeram de modo abstrato e
especulativo a análise conceitual dos dogmas da Encarnação, da Redenção,
da Eucaristia, nem deduziram as conclusões teológicas que conhecemos e
que, no entanto, mais profundamente e com santo realismo tiraram destes
mistérios vida abundante.
Pelas fórmulas, atingiram a própria
realidade divina vitalmente nas sombras da fé. Como diz Santo Tomás (IIa
IIae, q. 1, a. 2 ad 2m): “O Ato do que crê não se termina no enunciável, mas na coisa“, no mistério revelado.
Mesmo
sem a grande graça da contemplação, muitos ótimos cristãos, pela via da
humildade e da abnegação, penetram, à seu modo, na profundidade destes
mistérios.
E se isto se verifica nestes ótimos fiéis, por mais
forte razão deve se verificar nos religiosos e sacerdotes que
verdadeiramente compreenderam a grandeza de sua vocação. A cada dia, os
sacerdotes devem celebrar o santo sacrifício com fé mais firme,
esperança mais viva e caridade mais ardente, para que sua comunhão
eucarística seja, quase todo dia, mais substancialmente fervente, e para
que sua caridade não apenas se conserve, mas cresça cada vez mais.
Muito
a propósito, diz Santo Tomás no seu Comentário a Epístola aos Hebreus,
X, 25: “O movimento natural, quando mais se aproxima do fim, mais se
acelera. É o contrário do movimento violento (p. ex., uma pedra lançada
para o alto). Ora, a graça nos inclina como uma segunda natureza.
Portanto (assim como a velocidade da pedra que cai é crescente) aqueles que estão na graça, quanto mais se aproximam do fim, tanto mais devem crescer”,
pois quanto mais se aproximam de Deus, mais são por Ele movidos ou
atraídos, assim como a pedra que cai é atraída pelo centro da terra.
Assim,
se crescesse diariamente nossa vida interior, exerceria uma influência
muito fecunda em nosso estudo, que se tornaria mais vívido a cada dia.
O estudo e a vida de oração, pois, são causa um do outro em bela harmonia.
Qual é o fruto deste influxo mútuo?
Quando um sacerdote tem uma grande e sólida vida interior, sua teologia sempre se torna mais vívida.
E depois que este teólogo tiver descido da fé para estudar pontos
particulares da teologia, desejará retornar à fonte, ou seja, subir da
teologia, estudada em pontos particulares, para o alto cume da fé. O
teólogo é como o homem que nasceu em um monte (Monte Cassino, por
exemplo) e depois desceu para o vale para conhecer com exatidão suas
particularidades; por fim, este homem quis retornar para o seu alto
monte para contemplar do alto todo o vale com um só olhar.
Existem homens que amam mais as planícies, outros, com efeito, mais amam os montes; “mirabilis Deus in altis suis” [Sl 92, 2]
Deste
modo, deve o bom teólogo respirar diariamente o ar dos montes e nutrir a
si mesmo do Símbolo dos Apóstolos e, ao final das missas, do Prólogo do
Evangelho de S. João, que é como uma síntese de toda a revelação
cristã. Deve igualmente viver todo dia, de modo mais elevado, do Pai
Nosso, das beatitudes evangélicas e de todo o Sermão da Montanha, que é
como uma síntese de toda a ética cristã em sua admirável elevação.
Quando
a alma do sacerdote é, como convém, uma alma de oração, então ela é
inclinada, desde a sua vida interior, a procurar na teologia, ora
dogmática, ora moral, aquilo que é mais vívido e fecundo. Então, com efeito, sob o influxo dos dons da inteligência e da sabedoria, a fé se torna mais penetrante e saborosa.
Então, na doutrina cristã aparecem as belíssimas meia-luzes,
ou harmonias entre as luzes e as sombras, que, como o claro-escuro na
pintura, cativam o intelecto e são o objeto da contemplação dos santos.
Por exemplo, todas as grandes questões sobre a graça são, pouco a pouco, reduzidas a estes dois princípios: por um lado, “Deus não manda o impossível,
mas ao mandar, aconselha que faças o que podes e peças o que não
podes”, como diz S. Agostinho, citado pelo Concílio Tridentino (Denz.
804) contra os protestantes. Por outro lado, porém, contra os pelagianos
e semipelagianos, “Quem te distingue? E o que tens que não recebestes.” 1 Cor 4, 7, ou, como diz Santo Tomás: Dado que o amor de Deus é causa da bondade das coisas, nada seria melhor que nada, se não fosse mais amado por Deus (Ia. q. 20, a. 3).
Estes
dois princípios, considerados isoladamente, são claros e certíssimos,
mas sua conciliação íntima é sem dúvida muito obscura, pela elevada
obscuridade que provém da luz excessiva. Para enxergar esta íntima
conciliação, seria necessário ver como se conciliam intimamente, na
eminência da Divindade, a infinita Justiça, a infinita Misericórdia e a
suprema Liberdade.
Igualmente, para dar outro exemplo, com o
progresso da vida interior, torna-se cada vez mais evidente a
profundidade do tratado sobre a Encarnação redentora e, sobretudo, os motivos da Encarnação do Filho de Deus, “O qual, por amor de nós, os homens, e para nossa salvação, desceu dos Céus”.
Do
mesmo modo, sob o influxo da vida de oração, torna-se mais vívido o
tratado sobre a Eucaristia e, entre as várias opiniões acerca da
essência do sacrifício da Missa, cada vez mais se sobressai a doutrina
do Concílio de Trento (Denz. 940): “Uma única e a mesma é a vítima, e
o que agora se oferece por meio do ministério dos sacerdotes, é o mesmo
que então se ofereceu a si mesmo na cruz, sendo unicamente distinta a
maneira de oferecer-se“. Cristo mais e mais aparece como osacerdote principal, sempre pronto para interceder por nós,
especialmente na Missa, cujo valor, por isso, é infinito. Assim, pouco a
pouco se encontram, nos Concílios, as mais preciosas pedras adamantinas
e, igualmente, na Suma Teológica, progressivamente se manifestam os
princípios capitais ou artigos mais altos, que são como as montanhas
mais elevados pelos quais se conhecem toda a cadeia de montanhas.
Se,
verdadeiramente, em espírito de fé, oração e penitência, nossa mente se
dedicasse ao estudo da teologia, então a nós se aplicariam estas
palavras de Santo Tomás (IIa IIae 188, 6): “A doutrina e a pregação devem ser derivadas da plenitude da contemplação“, até certo ponto, como a pregação dos Apóstolos depois de Pentecostes.
A
Teologia, assim compreendida, é de grande importância para o ministério
das almas. Ela própria forma profundamente o espírito para julgar
sabiamente, conforme a mente de Cristo e da Igreja; para exortar as
almas à perfeição segundo princípios verdadeiros, p. ex., para mostrar
que, a par do preceito supremo: “Ama teu Deus de todo o teu coração…” todos cristãos devem tender à perfeição da caridade, cada qual conforme a medida de sua condição.
E
não podemos chegar a esta plena perfeição da vida cristã sem vivermos
profundamente dos mistérios Encarnação redentora e da Eucaristia, sem
penetrar neles e sem os saborear pela fé ilustrada pelos dons de
inteligência e sabedoria. Para isto, é de grande ajuda, com efeito, o
estudo da teologia, desde que retamente ordenada, não à nossa
satisfação, mas ao maior conhecimento de Deus e à salvação das almas.
Assim,
mais e mais poderão se verificar em nós aquelas belas palavras do
Concílio Vaticano (Denz. 1796), que encerram como que uma definição da
Sacra Teologia: “A razão ilustrada pela fé, quando busca cuidadosa,
pia e sobriamente, alcança, por dom de Deus, alguma inteligência, e
muito frutuosa, dos mistérios, ora por analogia do que naturalmente
conhece, ora pela conexão dos mistérios mesmos entre si e com o fim
último do homem… “.
O estudo da sagrada teologia, por vezes
difícil, árduo, mas frutuoso, a tal ponto dispõe nossas mentes à luz da
contemplação e da vida, que é como que uma introdução e um certo começo da vida eterna.
(Extr. de “De Deo Uno”, Desclée de Brouwer et Cie, Paris pp. 30-34. Tradução: PERMANÊNCIA)
Fonte: http://permanencia.org.br/drupal/node/413.

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