ig- Segundo especialistas, simbologias religiosas simples ajudam os pequenos a assimilar valores como respeito e amor ao próximo
Embora João Victor tivesse recebido alguns princípios
religiosos dos pais, não cresceu em um ambiente que se poderia dizer
estimulador da religião. Foi batizado quando bebê por conta da tradição.
Mas, em casa, quase não se falava sobre a Bíblia. Mesmo assim, com sete
anos, resolveu por conta própria frequentar a igreja.
“Ele saía sozinho, não perdia uma missa”, conta a mãe, Tânia Santos,
que não se considera nem um pouco religiosa. “Para dizer a verdade, eu e
o pai dele somos do tipo que vamos apenas a batizados e casamentos”.
Como não fazia nada aos finais de semana, João achou uma boa ideia se
enturmar com o grupo da catequese, aumentando seus conhecimentos
religiosos. Aos 11 começou a participar das aulas de caratê promovidas
pela ordem dos Arautos do Evangelho e se destacou: foi um dos escolhidos
para frequentar a associação. Cerca de um ano depois, com apenas 12
anos, passou a viver ao lado dos padres, fazendo votos de silêncio e se
desligando aos poucos da família.
A busca de João Victor não foi à toa: a religião pode ser
fundamental, ao menos na primeira infância. Há uma função para ela tanto
do ponto de vista social como psíquico. “É o fundamento da construção
moral e ética da criança, a base sem a qual tudo pode ficar solto, a
criança pode ficar perdida”, afirma a psicóloga Sonia Lyra, doutora em
Ciências da Religião. “Impossível não falar de Deus, porque Deus neste
caso é um conceito que pode ter muitos nomes, mas cujo valor máximo é o
amor”.
Por outro lado, a neutralidade dos pais diante das escolhas de João Victor não é incomum. “Muitas famílias têm optado por não criar suas crianças em um ambiente religioso, deixando que aflore naturalmente - ou não - um desejo de pertencer a uma igreja”, explica a antropóloga e professora da Universidade Federal da Paraíba Flávia Pires. O que ninguém esperava, entretanto, é que João Victor de fato optasse por seguir à risca uma carreira religiosa. Muito menos que, três anos mais tarde, trocasse o terço, a túnica e as longas botas por uma bateria e pelo rock.
Por outro lado, a neutralidade dos pais diante das escolhas de João Victor não é incomum. “Muitas famílias têm optado por não criar suas crianças em um ambiente religioso, deixando que aflore naturalmente - ou não - um desejo de pertencer a uma igreja”, explica a antropóloga e professora da Universidade Federal da Paraíba Flávia Pires. O que ninguém esperava, entretanto, é que João Victor de fato optasse por seguir à risca uma carreira religiosa. Muito menos que, três anos mais tarde, trocasse o terço, a túnica e as longas botas por uma bateria e pelo rock.
João Victor, hoje baterista e estudante universitário, abraça a mãe, que segura seu antigo uniforme da ordem religiosa
“Não tínhamos dinheiro para manter o João ali. Antes ele tinha
bolsa, mas houve corte e ele teve que sair. Ficou arrasado”, relata
Tânia. Hoje com 19 anos, João Victor trabalha e faz faculdade de
Ciências Contábeis. Vestindo a camiseta do Ramones, ninguém desconfia
que um dia ele tenha vivido longas horas de silêncio absoluto e orações.
“Antes disso, não gostava de música. Depois precisava suprir o que me
faltava, e escolhi o rock – algo bem diferente da religião, mesmo. Hoje,
já não me considero religioso”, afirma ele.
Falando sobre Deus
Falando sobre Deus
A psicóloga Cibele Aparecida Pejam, mestre em Ciências da Religião,
concorda que a religiosidade é importante na medida em que transmite
conceitos éticos e morais. “Ela apoia a personalidade, junto com a
família e a escola, e faz com que nos sintamos pertencentes a um lugar”,
explica. “Em última instância, a função de toda religião é fazer a
ligação do ser humano com o sagrado – não importa se o sagrado é chamado
de Buda, forças cósmicas, Jesus”.
Arina Ribeiro, personal trainer, tem 28 anos e nunca foi batizada.
“Meus pais queriam que eu tivesse livre-arbítrio para escolher minha
própria religião, e não batizei meu filho, que hoje tem 12 anos, pelo
mesmo motivo”. Ela não segue nenhuma religião, embora simpatize com
várias e acredite em Deus de sua maneira. “Não acho necessário ter
religião para ter fé”, ressalta.
Arina considera os valores importantes para a formação da criança. “Meu filho sempre simpatizou com a religião católica, chegou a estudar em escola católica e é fascinado pelas histórias da Bíblia, sendo que eu nunca tinha aberto nenhuma”, brinca. “Ele agregou os bons valores que ensinaram para ele, mas percebe que fanatismo, seja ele qual for, é bobeira”.
Além das barbas brancas
Arina considera os valores importantes para a formação da criança. “Meu filho sempre simpatizou com a religião católica, chegou a estudar em escola católica e é fascinado pelas histórias da Bíblia, sendo que eu nunca tinha aberto nenhuma”, brinca. “Ele agregou os bons valores que ensinaram para ele, mas percebe que fanatismo, seja ele qual for, é bobeira”.
Além das barbas brancas
Mas será que uma criança pequena consegue realmente entender o
significado de Deus além da visão clássica do “Papai do Céu”, um
personagem que vive no espaço com suas longas barbas? Ao que tudo
indica, não. “Comecei a ter uma ideia abstrata de Deus depois de um ano e
meio nos Arautos, porque nos aprofundamos em teologia”, comenta João
Victor.
Sem capacidade de raciocínios abstratos, crianças têm na ideia do "Papai do Céu" uma ilustração sobre a importância de dividir
“Muitos adultos têm uma visão material também, vendo Deus como um
homem barbudo”, ressalta Cibele. “Mas a partir dos sete anos a criança
começa a ter uma noção maior de abstração”. Como as crianças ainda não
têm condições de refletir a respeito de longos debates filosóficos, o
modelo passado pela religião – um bom homem, uma estrela-guia – é capaz
de ensinar aos pequenos, de forma concisa, o respeito pelos outros, a
necessidade de dividir as coisas e outros valores importantes para a
vida em sociedade.
Se na primeira infância a religiosidade fica a cargo dos pais, é
natural que na adolescência os filhos passem a buscar outras respostas e
mesmo a questionar o que foi passado em casa. Mas a permanência de
valores éticos e morais pode fazer com que o jovem seja menos vulnerável
a comportamentos de risco, porque ele será mais estruturado
emocionalmente. “A religião não precisa ser uma instituição nos moldes
católicos, ela está no respeito consigo próprio e com os outros, com a
família e o mundo à sua volta”, completa Sonia Lyra.

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