[paraclitus]
Provavelmente você já tenha ouvido a famosa expressão: “Os fins
justificam os meios”, claro que no contexto atual que vivemos, onde a
sociedade está mergulhada em um consumismo desenfreado e em um
superficialismo profundo em seu relacionamento com o próximo, demonstra
que isto jamais poderia ser aplicado de maneira correta ou de uma forma
generalizada como a expressão deixa interpretar a quem queira assim
enxergar. Nesta perspectiva, pretendo clarear o uso correto entre uma
coisa e outra, bem como sua distinção e a maneira certa a ser mencionada
e, com isso, também ajudar a melhorar nossa conduta perante as escolhas
que fazemos diariamente em prol de um bem maior como veremos a seguir.
Para isso, recorrer-se-á aos ensinamentos do gigante Santo Agostinho que
nos mostrará esta síntese.
Primeiramente vamos definir o conceito entre as palavras Fruir e Utilizar:
Fruir: Ter a posse, o gozo de algo que não se pode alienar ou destruir. Gozar, desfrutar.
Ex: O funcionário fruirá ferias em junho.
Utilizar: Fazer uso ou emprego de algo, usar, empregar. Tirar utilidade de algo, aproveitar, servir-se. Tirar proveito de algo.
Ex: Fulano soube utilizar bem a ferramenta nova.
Feito isso, entremos definitivamente no tema a ser discorrido.
Santo Agostinho inicialmente classifica as coisas em duas categorias: as que o homem pode e deve gozar (a serem fruídas) e que asseguram a felicidade; e as que deve usar bem (para serem utilizadas), como instrumentos para atingir a felicidade.
Vos explico:
As que são objeto de fruição fazem-nos
felizes. Por exemplo, as Virtudes, vamos supor que eu vá comprar algo
em uma mercearia e por descuido o vendedor ou vendedora acaba me dando o
troco a mais do que era realmente o correto, logo que percebo retorno e
explicando a situação devolvo o dinheiro a mais que recebi. Nisto eu
exerci a Virtude da Honestidade, que não pode ser usada para o mau, mas
somente para minha felicidade, ou seja, uma pessoa não poderia vir a me
dizer que eu havia me prejudicado sendo honesto em devolver o que não
era meu, neste caso, o dinheiro que recebi a mais.
As que são de utilização
ajudam-nos a tender a felicidade e servem de apoio para chegarmos as
que nos tornam felizes e nos permitem aderir melhor a elas. Aqui Santo
Agostinho coloca-nos uma diferença em relação a primeira (que não pode
ser usufruída de uma maneira maléfica ou errônea), já nesta segunda há
uma possibilidade de serem utilizadas de maneira errônea e por
conseqüência maleficamente. Por exemplo, as Potências da alma,
continuemos com o exemplo da mercearia, suponhamos então que após eu ter
tido o conhecimento do que havia acontecido eu utilizasse minha inteligência
para esconder tomar para mim a posse que era de outro, ou seja, aquele
dinheiro a mais que eu havia recebido. Porém o mesmo Santo Agostinho nos
diz de forma clara que as devemos usar para o bem, como foi o caso no
primeiro exemplo, ou seja, foi utilizado o conhecimento/inteligência
(que é uma das Potências da alma) que serviu de apoio para chegar a um
bem maior que foi o alcance da Honestidade e por conseqüência a
Felicidade.
Santo Agostinho coloca-nos entre as coisas que são para fruir e as que
são para utilizar, nos diz ainda que se nos apegarmos desordenadamente
as coisas que simplesmente são para serem utilizadas para um bem maior
corremos o grande risco de nos desviarmos do caminho, nos atrasando ou
nos alienando da posse das coisas feitas para fruirmos ao possuí-las.
Assim, foram citados os pressupostos necessários para agora entendermos o
que será explicado.
Fruir e utilizar
Para Santo Agostinho o Fruir é aderir a alguma coisa por amor a ela
própria. E o utilizar é orientar o objeto de que se faz uso para obter o
objeto ao qual se ama, caso tal objeto mereça ser amado. Ao uso ilícito
cabe, para ele, com maior propriedade, o nome de excesso o abuso. Para
explicar melhor a esta afirmativa ele usa o seguinte exemplo:
“Suponhamos
que somos peregrinos, que não podemos ser felizes a não ser em nossa
pátria. Sentido-nos miseráveis na peregrinação, suspiramos para que o
infortúnio termine e possamos enfim voltar a pátria. Para isso, seriam
necessários meios de condução, terrestre ou marítimo. Usando deles
poderíamos chegar a casa, lá onde haveríamos de gozar. Contudo, se a
amenidade do caminho, o passeio e a condução nos deleitam, a ponto de
nos entregarmos à fruição dessas coisas que deveríamos apenas utilizar,
acontecerá que não quereríamos apenas utilizar, acontecerá que não
quereríamos terminar a viagem. Envolvidos em enganosa suavidade,
estaríamos alienados da pátria, cuja doçura unicamente nos faria felizes
de verdade.” – Santo Agostinho, A DOUTRINA CRISTÃ, p.44
E conclui de forma esplêndida sua afirmação com uma maravilhosa analogia:
“É
desse modo que peregrinamos para Deus nesta vida mortal (2Cor 5,6). Se
queremos voltar à pátria, lá onde poderíamos ser felizes, havemos de
usar deste mundo, mas não fruirmos dele. Por meio das coisas criadas,
contemplemos as invisíveis de Deus (Rm 1,20), isto é, por meio dos bens
corporais e temporais, procuremos conseguir as realidades espirituais e
eternas.” – Santo Agostinho, A DOUTRINA CRISTÃ, p.45
Aqui
fica claro o alerta que Santo Agostinho nos faz a respeito da única e
verdadeira Esperança e Felicidade as quais o homem deve almejar e jamais
perder de foco. Ao se utilizar dos meios necessários (financeiro,
emprego, alimentação, vestimentas, estudos, amizades, família…) que nos
ligam e nos conduzem direta ou indiretamente aos bens terrenos e
temporais, que tenhamos o piedoso cuidado de não fazer destes meios o
fim de nossas vidas, ou seja, viver em prol de cada uma dessas coisas
que um dia passarão. Ao contrário disso, temos que através e juntamente
com esses meios caminhar rumo as realidades espirituais e eternas, ou
seja, o CÉU e a Nosso Senhor. Por isso devemos sempre ter em mente e
muito mais no coração os devidos valores a serem dados a tudo que está
ao nosso redor e àquilo que ainda está por vir, o uso e não o abuso, o
necessário e não o excesso, somos chamados a uma vida de exercício
diário ao desapego, não que isso signifique objetivar tudo, mas que
inerente esteja sempre o bem maior:
“[...] por meio dos bens corporais e temporais, procuremos conseguir as realidades espirituais e eternas.”

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