14/02/2012
Segundo o sociólogo, "émuito provável que a mesma lógica empresarial que norteou a gestão da Rede Record se faça presente na condução do PRB. Assim, o partido dificilmente será um instrumento caudatário dos propósitos religiosos da Igreja Universal,
embora certamente não contrariará suas posições fundamentais. Noutros
termos, a mesma lógica de rentabilidade que vale para a emissora tende a
valer para o partido - não é a toa que os executivos são os mesmos".
Eis o artigo.
Em sua edição de ontem, o Valor trouxe uma interessantíssima matéria de Cristiane Agostine sobre as relações entre o Partido Republicano Brasileiro (PRB), a Rede Record e a Igreja Universal do Reino de Deus. Se já eram bem conhecidos do público os vínculos estreitos entre a Igreja Universal e a Rede Record,
foram desvelados os laços entre ambos e a jovem agremiação partidária
(disputou sua primeira eleição em 2006). A informação mais interessante é
a assunção de posições de direção no partido por profissionais da Record.
É
comum o trânsito de comunicadores para organizações políticas, já que
estes se mostram eficazes na obtenção de votos - dada sua popularidade e
facilidade para interagir com o eleitorado. Há os típicos comunicadores
populares, como o ex-deputado Celso Russomano, que têm
um pé em cada organização - a emissora de TV e o partido. Também
existem os típicos religiosos midiáticos, como o bispo Antônio Bulhões
- há alguns anos pregador televisivo, hoje deputado federal. Se fosse
apenas isto, não teríamos nada de muito novo ou chamativo. Contudo, o
que se nota no caso do PRB é algo distinto do padrão convencional, pois entre a empresa e o partido transitam também gestores organizacionais.
Além do presidente do partido, Marcos Pereira, ao menos quatro presidentes de diretórios ocuparam cargos de direção na Record.
Apesar de, dentre estes, um ser parlamentar (o deputado federal Vitor
Paulo), sua condição de dirigentes partidários parece beneficiar-se
menos de seu apelo popular do que de sua experiência como gestores
empresariais. Ou seja, foram indicados como dirigentes do partido porque
já haviam se mostrado bons dirigentes da empresa à qual o partido se
vincula, não porque eram bons de voto. Uma dúvida: de qual empresa
estamos falando? Da Igreja Universal ou da Record?
A pergunta não é imprópria, pois a forma empresarial de atuação do grupo liderado por Edir Macedo
não começou com a rede televisiva, mas com a organização religiosa. Foi
o sucesso da empreitada religiosa que permitiu a aquisição e posterior
revitalização da então combalida Rede Record. Não se
trata de juízo moral sobre o sucesso dos pastores na arrecadação de
fundos, como frequentemente se faz. O ponto é outro: o bem sucedido
modus operandi de gestão da igreja possibilitou, rapidamente, seu
crescimento - é hoje a maior denominação neopentecostal do Brasil, sendo
superada, dentre os pentecostais como um todo, apenas pelas bem mais
antigas Assembleia de Deus e Congregação Cristã do Brasil.
Tal crescimento representou não só o arrebanhamento de um grande número
de fiéis, mas de um volume de recursos que capitalizou depois outras
empreitadas, como a Record.
O tino empresarial
rapidamente se fez sentir na condução da TV. Poder-se-ia talvez esperar
um estilo similar ao seguido pelas emissoras abertas católicas, como a Rede Vida,
por exemplo. Esta se dedica quase que integralmente à pregação
religiosa, deixando muito pouco espaço na programação para qualquer
coisa não diretamente vinculada ao proselitismo eclesiástico; também
transmite alguns jogos da segunda divisão do campeonato paulista, mas
isto é, sob todos os aspectos, secundário. Mais do que ser um negócio
que vise rentabilidade, a emissora católica é um instrumento
privilegiado da atuação religiosa. Não é o que sucede na Record.
Embora com certeza o espaço dedicado à pregação seja substancial, o
grosso da programação não tem tal finalidade. E mais: na medida em que a
emissora fortaleceu-se na disputa pela audiência, diminuiu o peso
relativo da programação especificamente religiosa, que deu lugar àquilo
que desse retorno comercial.
Seria impensável a Rede Vida, ou a Canção Nova, transmitindo um reality show como "A Fazenda",
com suas mulheres semidesnudas e o apelo erótico que caracteriza tais
atrações. Isto, certamente, não está ali porque ajuda a glorificar a
deus, mas porque dá audiência, que atrai anunciantes, que dá lucro.
Noutras palavras, é de negócios que se trata e a sua gestão deve primar
pela eficiência. A abertura de espaços na programação para atrações
religiosas se dá na medida em que esses também têm seu público e o
acesso à mídia reforça o proselitismo da igreja - onde tudo começou -,
reforçando-a.
Essa lógica da eficácia empresarial chega agora ao
partido. Isto não é exatamente novidade na vida dos partidos, tanto que
sociólogos políticos do início do século passado, como Max Weber e Robert Michels,
já descreviam os partidos como empresas, que buscavam a maior
eficiência possível na busca por votos e poder. A relativa novidade aqui
está, em parte, para a Igreja Universal - que em vez
de apenas lançar candidatos por diversos partidos, cria o seu próprio.
E, no caso do Brasil, a novidade está em ser um partido com fortíssimos
vínculos orgânicos com uma denominação religiosa particular, ao ponto de
ser (embora não admitidamente) sua agremiação oficial. Entre nós, isto
foi fenômeno raro. Talvez apenas o antigo Partido Democrata Cristão,
de antes da ditadura militar, pudesse reclamar papel similar. E, mesmo
no caso dele, era difícil imaginar exclusividade como agremiação da
Igreja Católica no Brasil.
É muito provável que a mesma lógica empresarial que norteou a gestão da Rede Record se faça presente na condução do PRB. Assim, o partido dificilmente será um instrumento caudatário dos propósitos religiosos da Igreja Universal,
embora certamente não contrariará suas posições fundamentais. Noutros
termos, a mesma lógica de rentabilidade que vale para a emissora tende a
valer para o partido - não é a toa que os executivos são os mesmos.
Assim como sempre haverá um espaço para a Igreja na programação da TV,
haverá um espaço para suas demandas na atuação política do partido nos
parlamentos, governos e eleições. Contudo, há muito mais do que isto em
jogo, o que explica a posição firme da agremiação em favor da
candidatura de Dilma Rousseff em meio à guerra religiosa deflagrada pela oposição, que marcou a eleição passada.
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