20/03/2012
IHU - A visita de Bento XVI a Cuba, do dia 26 a 28 de março, irá ocorrer em um contexto bastante diferente daquele em que ocorreu a visita de João Paulo II em 1998.
A reportagem é de Mauro Castagnaro, publicada na revista Popoli, dos jesuítas italianos, 15-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Além da mudança dos principais protagonistas (os dois pontífices, Fidel e Raúl Castro), as diferenças referem-se, acima de tudo, às relações entre a Igreja local e o governo, que melhoraram nesses últimos 14 anos, até culminar na inédita mediação feita pelo cardeal Jaime Ortega y Alamino, arcebispo de Havana, e pelo presidente da Conferência dos Bispos de Cuba (COCC), Dom Dionísio Garcia, bispo de Santiago de Cuba, para a libertação de 126 prisioneiros, incluindo todos os considerados "prisioneiros de opinião" pela Anistia Internacional. A eles, se juntaram os quase 3 mil destinatários do indulto, decidido pelo governo a pedido das Igrejas Católica e Protestante, também em vista da chegada do papa.
A reportagem é de Mauro Castagnaro, publicada na revista Popoli, dos jesuítas italianos, 15-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Além da mudança dos principais protagonistas (os dois pontífices, Fidel e Raúl Castro), as diferenças referem-se, acima de tudo, às relações entre a Igreja local e o governo, que melhoraram nesses últimos 14 anos, até culminar na inédita mediação feita pelo cardeal Jaime Ortega y Alamino, arcebispo de Havana, e pelo presidente da Conferência dos Bispos de Cuba (COCC), Dom Dionísio Garcia, bispo de Santiago de Cuba, para a libertação de 126 prisioneiros, incluindo todos os considerados "prisioneiros de opinião" pela Anistia Internacional. A eles, se juntaram os quase 3 mil destinatários do indulto, decidido pelo governo a pedido das Igrejas Católica e Protestante, também em vista da chegada do papa.
O cardeal e Raúl
Esse
resultado é atribuído pelos observadores, em grande parte, à estratégia
de relações com as autoridades assim sintetizada pelo primaz cubano: "O
caminho é o diálogo. Com pressão, não se chaga a lugar algum". No dia
30 de dezembro, no fim da peregrinação pelo 400º aniversário da
descoberta da estátua da Virgen de la Caridad del Cobre, padroeira de Cuba (um
evento sem precedentes desde a vitória da revolução em 1959), que em um
ano e meio percorreu toda a ilha, envolvendo dezenas de milhares de
pessoas, o mesmo purpurado resumiu as principais consequências pastorais
dessa distensão: "Vivemos uma primavera da fé: agora, o Natal também é
festa civil, foi mais facilitada a entrada de missionários, houve uma
autêntica renovação da vida das comunidades cristãs, e os padres
aumentaram de cerca de 200 para 360", sem contar "um acesso, embora não
sistemático, da Igreja aos meios de comunicação", a multiplicação das
procissões religiosas nas ruas e a abertura das prisões para a
assistência espiritual.
A esse clima também contribuiu as trocas ocorridas no episcopado, onde os prelados mais críticos do governo – começando por Dom Pedro Meurice Estíu, arcebispo de Santiago de Cuba, protagonista em 1998 de uma dura acusação contra o regime durante a missa celebrada pelo Papa João Paulo II na
segunda cidade da ilha, que faleceu este ano – foram substituídos por
bispos alinhados com as posições dialogantes do cardeal.
Por outro lado, pareceu evidente o esforço da cúpula do Estado, principalmente depois da ascensão em 2008 de Raúl à
liderança do país, para melhorar as relações com as diversas
comunidades religiosas, na convicção de que, para evitar uma mudança de
regime semelhante à que ocorreu nos países europeus do "socialismo
real", é necessário enfatizar o caráter "independentista" da revolução e
criar em torno dela uma unidade da nação.
Assim, concluindo o relatório central para o VI Congresso do Partido Comunista de Cuba, realizado em abril de 2011, Castro sublinhou
a necessidade de "eliminar qualquer preconceito que impeça irmanar na
virtude e na defesa da nossa Revolução todas as cubanas e todos os
cubanos, crentes ou não crentes, aqueles que fazem parte das Igrejas
cristãs, incluindo a católica, as ortodoxas russa e grega, as
evangélicas e protestantes, assim como as religiões cubanas de origem
africana, as comunidades espíritas, judaicas, muçulmana, budista".
E, com tons incomuns, Castro se
referiu justamente à libertação de "prisioneiros
contrarrevolucionários", ocorrida "no quadro de um diálogo de respeito
recíproco, lealdade e transparência com a alta hierarquia da Igreja
Católica, que contribuiu com a sua própria iniciativa humanitária para
que tal operação se concluísse harmoniosamente e cujos méritos, em todo
caso, cabem a essa instituição religiosa. Os representantes dessa Igreja
expressaram seus pontos de vista, nem sempre coincidentes com os
nossos, mas construtivos".
Palavras ponderadas que indicam as
características de uma dialética aceitável para as autoridades em vista
de um modelo político mais aberto e inclusivo. Por outro lado, a Igreja
defende há muito tempo a necessidade de uma "reconciliação nacional"
entre todos os cubanos, que permita uma mudança do modelo sociopolítico e
econômico, com reformas que, segundo Dom Emilio Aranguren, bispo de Holguin, levem a uma democracia "com características cubanas".
Uma presença mais articulada
Nesse sentido, através das suas cerca de 50 publicações – dentre as quais se destacam Palabra Nueva, revista da arquidiocese da capital, e Espacio Laical, do Conselho dos Leigos da mesma arquidiocese –, os lugares de formação e de discussão (como a Sala Fray Bartolomé de Las Casas, dos dominicanos, o Centro Fe y Cultura, dos jesuítas, ou o recém-nascido Centro Cultural Felix Varela) e as Semanas Sociais,
a Igreja promoveu momentos de debate pluralista, dos quais já
participam habitualmente figuras de destaque do sistema: em primeiro
lugar, Aurelio Alonso, "ponte" entre governo e autoridades eclesiásticas, prestigiosos intelectuais cubano-americanos como a economista Carmelo Mesa-Lago, e, em uma ocasião recente, até mesmo um conhecido dissidente, Oscar Espinosa Chepe.
A abertura desses espaços de discussão civil começa a provocar uma maior articulação também na intelligentzia católica
da ilha, com posições intermediárias entre uma maioria situada na
oposição (hoje identificáveis, no político explicitamente político, no Movimento Cristão de Libertação de Oswaldo Payá; no plano cívico-cultural na revista online Convivencia, dirigida por Dagoberto Valdés; ou em religiosos como José Conrado Rodríguez, pároco em Santiago de Cuba), e uma exígua minoria de posições pró-governo (representada pelo Grupo de Reflexão e Solidariedade Oscar Arnulfo Romero, liderado por Gabriel Coderch).
Na verdade, foram surgindo figuras independentes ou pelo menos não tão inclinadas: por exemplo, Enrique Lopez Oliva, professor emérito de história das religiões da Universidade de Havana, ou Felix Sautié Mederos, autor do livro Socialismo y reconciliación en Cuba, e, principalmente, a redação da já referida Espacio Laical, cujos membros Roberto Leiva, Lenier Gonzalez e Alexis Pestano, falando em 2010 na X Semana Social Católica,
elogiaram a "jovem esquerda democrática" presente "nos âmbitos estatais
e das instituições relacionadas" como "um dos polos mais organizados e
interessantes da nação".
Recentemente, González colocou
"partes importantes" da hierarquia, do clero e do laicato católico
naquele "setor moderado-reformista" considerado "muito amplo em Cuba",
que "aspira a uma transição para um sistema político que garanta uma
pátria independente, prosperidade econômica e uma democratização gradual
do país, sem desmantelar violentamente as atuais instituições, nem o
capital simbólico da Revolução, que se alimenta do nacionalismo
fortemente enraizado no povo".
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