juliosevero
22 Mar 2012
Alexander Maistrovoy
O
califado árabe não é mais ficção: divisões dos regimes do Oriente Médio
em breve formarão um grupo de ilhas chamado Arquipélago Islâmico.
Califado: “o
estado político-religioso composto pela comunidade muçulmana, assim
como as terras e os povos sob seu domínio nos séculos que seguiram à
morte (632 d.C.) do profeta Maomé. Governado por um califa (em árabe, khalīfah,
“sucessor"), que mantinha autoridade secular e às vezes espiritual em
certo grau, o império do califado cresceu rapidamente por meio de
conquistas durante seus dois primeiros séculos, assimilando o sul da
Ásia, norte da África e Espanha. Disputas entre dinastias vieram a
causar o declínio do califado, que deixou de existir com a destruição de
Bagdá pelos mongóis em 1258".
“Um espectro ronda a Europa: o espectro do comunismo". Essas foram as primeiras palavras do Manifesto Comunista, de Karl Marx. Mais de um século depois, um espectro diferente apareceu às portas do Velho Mundo: o Espectro do Califado.
Um ano atrás, Muhammad Badie, guia geral da Irmandade Islâmica egípcia, afirmou:
“As
mudanças e melhorias buscadas pela nação muçulmana só podem ser
alcançadas por meio da jihad [guerra santa] e do sacrifício, por meio do
aumento da geração jihadista que busca a morte, da mesma forma que os
inimigos buscam a vida”.
De
acordo com Badie, o propósito máximo dos árabes é restaurar a
verdadeira face do mundo muçulmano, que é o Estado do califado sob as
leis da Sharia, a forma mais elevada e mais sagrada de civilização
humana.
Um
membro veterano da Irmandade Islâmica egípcia, o xeique Ahmad Gad,
chamou “o ilustre Al-Azhar para que reúna as correntes islâmicas com o
objetivo de unir o mundo islâmico e trabalhar para a restauração do
califado... ‘Oh, Alá, guia-nos, abra nossos corações para a fé e
restaura essa nação à sua antiga forma: uma nação unida para adorar a ti
e somente ti’".
“O islamismo dominará o mundo”. |
Foi assim que outro acadêmico islâmico do Egito, Ibrahim Al-Khouli, formulou o conceito da Irmandade Islâmica.:
“Esqueça Bin Laden e a Al-Qaeda. Não é disso que estou falando. Estou falando da Jihad liderada por acadêmicos islâmicos... estou falando da Jihad da nação inteira. Devemos conduzir a jihad contra o Ocidente, lugar de agressores da Terra do Islã”.
Pode-se
falar de democratização do mundo árabe, de “Primavera Árabe” e de
liberalização da sociedade árabe. Mas essa observação é apenas externa,
de outro tempo e outro mundo: o ocidente do século XXI. A perspectiva
interna é completamente diferente. Ela deriva de muitos séculos e se
reflete no léxico de Badie e Gad, de Al-Helbawy e Al-Khouli, do xeique
Yousef Qaradawi (‘Constantinopla foi conquistada em 1453 por um otomano
de 23 anos de idade chamado Muhammad ibn Murad, que chamamos de
Muhammad, o Conquistador. Agora o que nos resta é conquistar Coma) e do Grande Mufti de Jerusalém, Muhammad Ahmad Hussein, que disse:
“A
Hora [da Ressureição] não virá até que vocês enfrentem os judeus....
Nossa guerra contra os descendentes dos macacos e dos porcos (isto é,
dos judeus) é uma guerra de religião e fé”.
E
finalmente, o Emir de Qatar, xeique Hamad bin Khalifa al-Thani,
declarou que não medirá esforços para espalhar o islamismo wahhabista
pelo mundo, encorajando a jihad ao mesmo tempo em que investe 50 bilhões
de euros na restauração da Sharia nos subúrbios da França, onde residem centenas de milhares de muçulmanos imigrantes.
Al-Thani
é considerado um líder moderado e pró-ocidente. Há um ano atrás, esse
tipo de discurso seria considerado impensável. Hoje em dia, essas
palavras não são apenas pronunciadas, mas são também validadas por
financiadores e por ajuda financeira. Alguém pode perguntar por que.
Será por que al-Thani quer estar no “lado certo da história”?
Chegou
a hora. Todos os obstáculos ao sonho tão esperado, como os regimes
autoritários corruptos, foram espalhados como dunas de areia ao sopro
dos ventos.
Assim
como os judeus desejam voltar a Jerusalém e os cristãos esperam o
retorno de Cristo, os árabes anseiam há séculos pela restauração do
califado. Esse Estado teocrático foi o primeiro e único Estado autêntico
na história árabe, considerado a materialização da vontade divina.
As leis da Sharia determinam a estrutura interna desse Estado, sendo a Jihad
sua política externa. Recentemente, apenas professores deslumbrados,
encantados pelas práticas espirituais sufistas, estão falando da Jihad
como um autoaperfeiçoamento. Mas a Jihad não é elevação espiritual, e
sim a realização da vontade divina, e o que quer que não seja parte da
“Terra do Islã” (Dar al-Islam) na verdade fará parte da “Terra de
Guerra” (Dar al-Harb).
Não
houve discordância quanto à supremacia das leis da Sharia e ao destino
divino do califado. Dividir o islã em “moderado" e “radical” é fruto da
imaginação de intelectuais ocidentais que enganam, antes de tudo, a si
mesmos. O islã (como as duas outras religiões abraâmicas) é
fundamentalista; ou seja, interpreta as escrituras sagradas de forma
literal.
Nos séculos XVII e XVIII, o Cristianismo (influenciado pelo Iluminismo)
tendeu para o liberalismo e começou a tratar a Bíblia de maneira
alegórica. Mas Deus não é uma substância impessoal dos deístas nem a
divindade harmoniosa dos neoplatonistas. Ele estabelece leis e determina
o seu cumprimento.
O
ponto de vista dos teólogos muçulmanos tem sua própria lógica. Por que
os árabes adotariam sistemas sociais alheios a si mesmos e impostos há
menos de um século atrás, sejam eles democracia, economia de mercado ou
socialismo? Além do mais, eles estão familiarizados com as consequências
dos experimentos políticos do passado recente.
Democracia
liberal? Qual é o significado prático disso? A ausência de base, forma e
conteúdo divino? A profanação de Deus e de Sua ordem? A recusa dos
valores como supremos? A rejeição das raízes como um princípio sagrado?
Solidão desesperada: “Somos deixados sozinhos, sem desculpa" [Jean-Paul
Sartre]? O triunfo do "vazio substancial"? [Ulrich Beck] Permissividade
sexual e perversões como exemplos a serem seguidos?
Para
que possamos entender alguém, devemos ver o mundo por meio dos seus
olhos. Os direitos do liberalismo são uma bênção para o ocidente e uma
zombaria da vontade do Criador para os muçulmanos. A vitória dos
islâmicos nas últimas eleições egípcias não foi resultado de lavagem
cerebral, mas de uma profunda convicção interna.
O
mundo árabe está pronto para o Estado do Califado. Ele irá se parecer
com as teocracias da Arábia Saudita e do Irã: as duras leis atribuídas
aos “dhimmi” para os não muçulmanos (que sobreviverem ao massacre), a
submissão das mulheres, o apedrejamento por adultério, a proibição da
usura e do homossexualismo.
A
criação do califado, obviamente, levará tempo. Primeiramente, é
necessário neutralizar a resistência da junta militar no Egito, eliminar
a anarquia da Líbia, abolir o regime sírio, esmagar a monarquia
hachemita e derrubar a corrompida liderança palestina, suprimir os
tumultos étnicos e parar o avanço dos xiitas no Iraque e no Líbano.
Segundo, é essencial que se fortaleça os princípios da Lei da Sharia nas
mentes das pessoas, uma vez que ela ainda existe nas consciências
coletivas como uma ideia vaga. E apenas então, finalmente, as ilhas
espalhadas se unirão em um único reino religioso e cultural com um
objetivo em comum: o começo da Jihad.
A Irmandade Islâmica e os salafistas não estão com pressa. O xeique Ahmad Gad afirmou:
“Não
há esperança de uma reforma sem o retorno da lei divina, que o Criador
escolheu para o homem... Não há outra maneira a não ser uma ação gradual que prepare as almas e sirva de exemplo, para que a fé entre em seus corações...”
Diferente
dos europeus, os árabes sabem esperar, mas eles também sabem como
mobilizar suas forças. “Seja paciente se você for uma bigorna. Seja
rápido se for um martelo” — diz a sabedoria árabe. Levou duas décadas
para que o profeta Maomé criasse o califado islâmico na Península
Arábica, e levou menos de uma década para que seus seguidores
conquistassem a Pérsia e o Egito e cercassem o poderoso Império
Bizantino.
“Não há nada mais poderoso do que uma ideia cujo momento chegou” — escreveu Victor Hugo.
Se
você quer democracia liberal para os árabes, trará o Estado do califado
para a sua própria casa. “Um espectro ronda o Oriente Médio... o
espectro do califado...”.
Alexander Maistrovoy é jornalista no Novosty Nedely, jornal israelense de língua russa.
Traduzido por Luis Gustavo Gentil do artigo do Crossroad: “The United States of Islam”
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