sábado, 17 de março de 2012

Surpresa de Deus

17/03/2012

IHU - Muito raramente, Deus prepara surpresas "históricas". Em minha vida, registrei somente duas: o Papa João XXIII e Dom Oscar Romero.

A opinião é de Giampietro Baresi, missionário comboniano no Brasil, em artigo para a revista Nigrizia, de março de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.
Nobel dei poveri (E. Monzani e M. Marelli), Uno sparo sull’altare: L’arcivescovo deve morire (E. Masina), Fedele alla Parola (J. R. Brockman), Un vescovo centroamericano tra guerra fredda e rivoluzione (R. Morozzo Della Rocca), Martire come il suo popolo (G. Massone), Pastore di agnelli e di lupi (A. Vitali), Ho udito il grido del mio popolo (A. Palini)... Esses são os títulos de alguns dos muitos livros italianos sobre Dom Oscar Romero, arcebispo de San Salvador: "um bispo feito povo", segundo a bela definição de David Maria Turoldo.

Nesta breve conversa – com a qual eu pretendo recordar o aniversário do martírio de Dom Romero (24 de março de 1980) – me esforcei muito para conter o tumulto de sentimentos e de ideias que haviam se acumulado na minha cabeça com a leitura de vários artigos sobre ele, principalmente do seu volumoso Diário. No fim, eu fiz as pazes com o título Surpresa de Deus.

Gostaria de explicar o que quero dizer com "surpresa", servindo-me de uma comparação: se um jardineiro enterra uma semente de rosas brancas e depois vê nascer rosas vermelhas, a sua surpresa é grande. Saiamos da comparação. Quem está encarregado de gerenciar a nomeação de pessoas destinadas a ocupar postos importantes nos quadros eclesiásticos, usa todos os meios para realizar o programa estabelecido, sem o risco de surpresas desagradáveis. Na maioria das vezes, isso funciona.

Às vezes, ocorrem pequenas surpresas, mas que não criam sérios problemas. Às vezes, ao contrário, as surpresas são notáveis, mas, se estão alinhadas com o programa, são bem acolhidas, porque ajudam a alcançar mais rapidamente os objetivos prefixados. Muito, muito raramente, há surpresas "históricas", isto é, que despistam totalmente os programadores. No nada breve período da minha vida, registrei somente duas: o Papa João XXIII e Dom Oscar Romero.

O primeiro foi eleito ao sólio pontifício para esconjurar possíveis mudanças na Igreja, e ele teve o prazer de anunciar, surpreendentemente, o Concílio Vaticano II, com o objetivo de "atualizar" a Igreja e a doutrina cristã. O segundo foi escolhido como bispo de San Salvador porque era um padre que tinha uma visão clássica da Igreja, tridentina, e não alimentava nenhum interesse pela política e pelas questões sociais. O "programador", portanto, pretendia agradar os prelados e os políticos de El Salvador, aliados na defesa dos "valores cristãos" e dos privilégios de uma oligarquia apoiada pelo Exército.

Oscar Romero, nascido no dia 15 agosto de 1917, foi ordenado sacerdote em Roma em abril de 1942, depois de estudar teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana. Em 1943, voltou à sua terra natal e, por mais de 20 anos, desempenhou o ministério pastoral como pároco da diocese de San Miguel. Mais tarde, foi chamado para dirigir o seminário interdiocesano de El Salvador. Em 1966, foi secretário da conferência episcopal nacional. Em 1970, foi auxiliar do arcebispo de San Salvador, Dom Luis Chávez y González, um dos protagonistas da segunda Conferência do Episcopado Latino-Americano em Medellín (1968).

Ao contrário do Luis Chávez, no entanto, Romero representa o lado conservador da Igreja sul-americana: fiel à tradição romana, não aderiu à teologia da libertação e aos movimentos eclesiais de base. No dia 22 de fevereiro de 1977, quando foi nomeado titular da arquidiocese, os militares no poder e os tradicionalistas da Igreja não esconderam a sua satisfação.

A surpresa de Deus tem uma data: 12 de março de 1977, 20 dias após a medida do "programador". Naquele dia, o jesuíta Rutilio Grande, inspirador de Dom Romero, foi assassinado. Diante do cadáver do amigo, os olhos, o coração, a mente e a boca do bispo se abrem. "Se o mataram pelo que ele fazia, agora cabe a mim andar pelo mesmo caminho".

Ele já não tem mais dúvidas: a sua fidelidade à Igreja significa fidelidade ao mandato de Cristo, que veio ao mundo para trazer a Boa Notícia aos pobres de El Salvador, oprimidos por um punhado de ricos apoiados pelos Estados Unidos.

Durante três anos, Romero viveu pregado na cruz da fidelidade aos seus dois amores: o povo e a Igreja. Incompreendido em Roma e no seu país, encontrou-se na mais completa solidão. Solidão que encorajou o plano de morte dos seus inimigos. No dia 24 de março de 1980, uma bala atravessou-lhe o coração enquanto celebrava a missa.

No dia anterior, o quinto domingo da Quaresma, na homilia, ele apelou à consciência dos militares com palavras que fizeram precipitaram a sentença de morte: "Diante de uma ordem de matar dada por um homem, deve prevalecer sobre a lei de Deus que diz 'Não matar'".

O jardineiro não sabia que, na semente, Deus havia escondido a surpresa de uma rosa vermelho sangue. O povo logo entendeu e começou a venerar São Romero da América Latina.

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