30/04/2012
IHU - Nesta terceira parte de seu artigo (veja abaixo, em Leia mais, as demais partes), Enzo Bianchi relata
como viveu a missa nos anos anteriores à reforma litúrgica, aquela
forma litúrgica que foi o alimento espiritual imprescindível na primeira
parte da sua vida.
“Todos, ajoelhados, olhavam para o padre que, no altar, inclinado sobre a hóstia e sobre o cálice, pronunciava em voz baixíssima as palavras da consagração. Aquele era o 'santíssimo' da missa. Ver a hóstia e o cálice, para muitos, era o elemento decisivo da missa, a máxima comunhão possível com o Senhor, porque quase ninguém, depois, acedia à comunhão do corpo do Senhor. A comunhão sacramental, de fato, era praticada por pouquíssimos”, comenta Bianchi.
Publicamos aqui a terceira parte da análise do monge italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose. O artigo foi publicado na Revista do Clero Italiano, n°. 3, de março de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
“Todos, ajoelhados, olhavam para o padre que, no altar, inclinado sobre a hóstia e sobre o cálice, pronunciava em voz baixíssima as palavras da consagração. Aquele era o 'santíssimo' da missa. Ver a hóstia e o cálice, para muitos, era o elemento decisivo da missa, a máxima comunhão possível com o Senhor, porque quase ninguém, depois, acedia à comunhão do corpo do Senhor. A comunhão sacramental, de fato, era praticada por pouquíssimos”, comenta Bianchi.
Publicamos aqui a terceira parte da análise do monge italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose. O artigo foi publicado na Revista do Clero Italiano, n°. 3, de março de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A missa tridentina - Consagração e comunhão
Naqueles anos, estava presente um movimento litúrgico muito reconhecido pelo meu pároco. Principalmente depois que Pio XII, na encíclica Mediator Dei
(1947), falara das crianças como ministrantes, coroinhas, estas haviam
se tornado uma presença e um serviço ao qual se prestava muita atenção.
Todas
as semanas, havia duas horas de ensino litúrgico e de provas para
aprender a como servir a missa e as outras liturgias: o pároco era muito
exigente, e devia-se aprender a postura, o modo de caminhar, de manter
as mãos, de fazer a genuflexão, de se inclinar...
Esse
ensinamento e o exercício cotidiano me davam uma consciência profunda e
uma forte convicção do serviço ao altar, quase como se a missa fosse
coisa do padre e minha: nós dois éramos os protagonistas, porque, como
coroinha, eu era, de fato, um concelebrante. Ainda mais que o que podia
ser cantado pelas pessoas era irrelevante para a validade da missa: só o
padre era celebrante, e o que importava era que ele e o coroinha
seguissem o rito segundo as rubricas e validamente (riteet valide). Os cantos ou as eventuais respostas do povo eram decorativos, mas não necessários.
O
coroinha de então tinha que ser um rubricista especialista, um atento
conhecedor das regras e das normas litúrgicas, um rapaz consciente e
valoroso do seu serviço ao altar. A sua presença e as suas respostas ao
padre eram essenciais para a celebração: era uma espécie de clérigo
virtual.
Também não devemos esquecer que esse serviço estava
consentido apenas aos homens, enquanto as mulheres absolutamente não
podiam entrar no presbitério, muito menos colaborar com o
desenvolvimento da celebração. O coroinha era, portanto, educado no
espírito litúrgico e à execução ordenada, elegante, séria das funções
litúrgicas das quais era investido.
Quando o padre subia ao altar, ele o beijava e, depois, invocava a piedade do Senhor: "Kyrie eleison",
dizia ele, e eu respondia. Cruzavam-se assim, entre mim e ele, as
invocações de piedade. Depois, havia a oração da coleta do dia, sempre
em latim, seguida pela leitura da epístola. Todas as manhãs, sendo a
missa "de morto", a leitura da epístola era a mesma, 1Ts 4, 13-18, que
iniciava com as palavras: "Fratres, nolumus vosignorare de dormientibus…", assim como a leitura posterior retirada do evangelho segundo João (Jo 11, 21-27).
Eu
estudei e aprendi muito cedo o latim, ainda aos oito anos, graças a
quem me educou de modo tão refinado, especialmente depois da morte da
minha mãe, e assim pude seguir todas as palavras sussurradas pelo padre.
Eu também ouvia, porém, por trás das costas, o burburinho das pessoas
que recitavam o rosário. De vez em quando, o padre se virava para as
pessoas dizendo: "Dominus vobiscum", mas eu só eu que respondia: "Et cum spiritu tuo".
No entanto, em um certo ponto, quando, depois do prefácio às vezes cantado, eu proclamava o Sanctus
e tocava três toques de sineta, eis que o burburinho da oração das
pessoas cessava, e todos, ajoelhados, olhavam para o padre que, no
altar, inclinado sobre a hóstia e sobre o cálice, pronunciava em voz
baixíssima as palavras da consagração. Todos sabiam, em uma total
obediência à "disciplina do arcano", que aquele era o momento culminante
da missa, um momento que infundia temor: era o "santíssimo" da missa,
em que absolutamente era preciso calar e prestar atenção. Era o fascinosum et tremendum, que se impunha também para o povo rude do interior!
Todos
os olhares estavam fixos na coluna inclinada do padre, à espera de que
aparecessem, por cima da sua cabeça, elevados ao alto pelas suas mãos, a
hóstia e depois o cálice. Aqui também a sineta ritmava os movimentos do
padre que se ajoelhava depois das elevações. Um toque contínuo da
sineta que eu fazia girar com arte indicava o fim da consagração, do
momento mais alto, do ápice da missa.
Ver a hóstia e o cálice,
para muitos, era o elemento decisivo da missa, a máxima comunhão
possível com o Senhor, porque quase ninguém, depois, acedia à comunhão
do corpo do Senhor. A comunhão sacramental, de fato, era praticada por
pouquíssimos. Era necessário comungar ao menos uma vez por ano –
recitava o preceito da Igreja –, e ninguém, à parte das freiras e eu,
sentiam a necessidade de comungar cotidianamente.
Também devemos
dizer que a comunhão não era feita durante a missa: no momento da
comunhão, só o padre comungava, depois a missa acabava. Depois de entrar
novamente na sacristia e de ter deposto a casula, o padre, em alva e
estola, voltava ao sacrário do altar, o abria, e nós comungávamos,
ajoelhados no parapeito. Depois, fechava-se o tabernáculo sussurrando: "O sacrumconvivium…".
Essa
era a missa dos dias de semana e cotidiana, que durava entre 20 e 25
minutos, no centro da qual havia "o silêncio canônico", o santíssimo
momento da consagração e da elevação, um tempo em que o celebrante se
imergia, mais ou menos de acordo com a sua devoção, em uma ação
temorosa, adorante, mistérica. E com ele eu também, que, de perto,
apenas três degraus mais abaixo, escutava e, assim, podia acompanhar as
suas palavras sussurradas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário