14 de abril de 2012
Por Dom Odilo P. Scherer - Cardeal-Arcebispo de São Paulo
Os cristãos acabaram de celebrar a sua Páscoa, proclamando mais uma vez: Jesus Cristo, Filho de Deus, que viveu humanamente e historicamente na Terra, depois de ser condenado à morte na cruz e sepultado, ressuscitou dentre os mortos e vive na glória divina.
Faz sentido que, no contexto da Páscoa, o Santo Sudário, guardado e
venerado em Turim, na Itália, tenha sido objeto de notícia. Só para
lembrar: na cripta da Catedral da Sé está exposta e acessível à
visitação uma cópia do Santo Sudário.
O estudioso inglês Thomas de Wesselow publicou um estudo recente que
reabre a discussão sobre a originalidade e a autenticidade do Santo
Sudário. No tempo de Jesus, o sudário era um pano, como se fosse um
lençol, com o qual se cobria, ou envolvia, o corpo do falecido,
depositado no sepulcro. Foi o que fizeram com Jesus, depois de sua morte
na cruz: "Depositaram seu corpo, envolto num lençol, num túmulo
escavado na rocha" (cf. Mt 27,59-60).
Ao lençol mortuário de Jesus faz referência novamente o relato do
túmulo vazio. Pedro entrou no túmulo e constatou que estava vazio, "viu
apenas os lençóis" (Lc 24,12). São João relata que Pedro viu no chão,
dentro do túmulo, "as faixas de linho" que haviam coberto o corpo de
Jesus (cf. Jo 20,6). Seria o mesmo lençol mortuário. E fala ainda de um
outro pano, que havia coberto a cabeça de Jesus e se achava enrolado,
num lugar à parte.
No Santo Sudário de Turim, venerado como se fosse aquele mesmo lençol
mortuário de Jesus, aparecem impressas, como em negativo fotográfico,
os traços do rosto e do corpo de um homem morto, com marcas de torturas e
violência muito semelhantes, se não idênticas, àquelas impostas a
Jesus, conforme descritas nos relatos da Paixão nos Evangelhos. A Igreja
Católica, embora tenha grande respeito pela suposta relíquia do sudário
de Jesus, nunca empenhou sua autoridade na afirmação da autenticidade
do Santo Sudário de Turim.
A origem e a identidade desse sudário foram e continuam a ser objeto
de estudos e pesquisas científicas, cujas conclusões ora afirmam que a
peça é uma falsificação muito habilidosa de época medieval, ora
desmentem esses argumentos, reabrindo a discussão e a hipótese de que
possa mesmo ser o sudário original, o que envolveu o corpo de Jesus
morto. A discussão científica e histórica é interessante. No entanto,
exagera o estudioso inglês, como outros já o fizeram, ao afirmar que o
Santo Sudário seria a prova mais cabal da ressurreição de Jesus, à
disposição dos apóstolos e dos primeiros cristãos; e seria até mesmo o
trunfo mais importante para explicar a extraordinária difusão da fé
cristã dos primeiros tempos do cristianismo.
Há aí algumas suposições, que não condizem com os fatos. No início do
cristianismo, fora do contexto da ressurreição de Jesus, ninguém mais
se refere ao lençol mortuário que cobriu o seu corpo; ao longo de muitos
séculos, não há referência a algum suposto lugar onde o sudário estaria
guardado, ou seria venerado pelos fiéis. Esse silêncio eloquente ainda
não permite concluir pela falsidade do sudário de Turim, mas permite
concluir que, por mais preciosa relíquia que fosse, ele não serviu como
prova da ressurreição de Jesus, nem teve papel importante na propagação
da fé cristã.
O que foi determinante mesmo para a afirmação da ressurreição de
Jesus dentre os mortos foram os encontros do próprio Jesus, vivo, com os
discípulos, após a sua morte. Diversos desses encontros aparecem
relatados no Novo Testamento e foram tão surpreendentes que mudaram de
maneira radical a vida desses homens: antes, medrosos e inconstantes na
sua adesão a Jesus Cristo e suas palavras; depois, corajosos e
determinados a afirmar o que tinham visto e ouvido. E diziam, sem
titubeios: Jesus está vivo e veio ao nosso encontro; nós o vimos e
estivemos com ele após a sua morte!
No racionalismo moderno, autores famosos afirmaram que os apóstolos
eram pessoas ingênuas e influenciáveis, que tiveram alucinações
coletivas e imaginavam ver Jesus diante deles; os relatos sobre a
ressurreição de Jesus nada mais seriam do que construções literárias,
até bem feitas, para transmitir determinados ensinamentos. Mas tudo não
passaria de fantasia... Essas teorias são recicladas constantemente,
ainda hoje. Há uma tendência, até compreensível, a nos considerarmos
mais inteligentes e espertos que nossos antepassados...
No entanto, é só ler com atenção os Evangelhos e os demais textos do
Novo Testamento para concluir que, desde o início, a afirmação da
ressurreição de Jesus não foi nada tranquila. Os próprios apóstolos, aos
quais Jesus se manifestou vivo após a sua morte, não quiseram crer no
que viam e tinham diante de si; céticos e incrédulos, resistiram a
aceitar, sendo, por isso, censurados por Jesus, pela dureza de seus
corações, "porque não tinham acreditado naqueles que o tinham visto
ressuscitado" (cf. Mc 16,14). Tomé é o exemplo desse ceticismo: só vendo
e tocando pessoalmente em Jesus ele se dispunha a crer. Tudo menos
homens crédulos e ingênuos...
Mas, uma vez convencidos da ressurreição de Jesus, eles a proclamaram
com firmeza; não temeram afirmar que Jesus está vivo, até mesmo diante
das próprias autoridades que haviam tramado a sua morte (cf. At 4,10).
Nem as ameaças de prisão, tortura e até de martírio os fizeram calar
essa verdade, para eles, inegável: "Não podemos deixar de falar sobre o
que vimos e ouvimos" (At 4,20).
É preciso dizer, no entanto: a ressurreição de Jesus não é questão de
ciência, no sentido corrente. É questão de fé, resultante do firme
testemunho dos apóstolos, que a Igreja proclama há 2 mil anos, sem
interrupção. Isso, sim, pode ser constatado cientificamente. E significa
muito!
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