14/05/2012
IHU - De Boston a Seattle, de Los Angeles a Washington, em frente às catedrais de dezenas de cidades norte-americanas, começaram na noite da última terça-feira vigílias de oração e manifestações que durarão até o fim do mês. "Queremos mostrar o amplo apoio de que as religiosas gozam nos EUA e convidar o Vaticano a revogar a declaração crítica contra elas", explica Jim Fitsgerald, do Nun Justice Project, uma rede de associações católicas criada para apoiar a Leadership Conference of Women Religious (LCWR).
A reportagem é de Céline Hoyeau, publicada no jornal La Croix, 10-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há um mês, a Congregação para a Doutrina da Fé pediu, com a aprovação de Bento XVI,
uma reforma completa desse órgão, que representa 80% das 57 mil
religiosas norte-americanas, considerando que os seus posicionamentos
doutrinais são "um assunto de preocupação séria e grave", e referindo-se
a um feminismo radical.
Essa decisão provocou a cólera de
milhares de católicos que não compreendem como é possível criticar essas
religiosas, comprometidas em todos os níveis da saúde, da educação, da
ajuda aos mais fracos... Circulam muitos abaixo-assinados, sendo que o
do site Change.org já coletou mais de 40 mil assinaturas.
Nesse
debate virulento e muito polarizado, muitos não hesitam em opor sem
meios termos essas "pioneiras da justiça", essas "advogadas da paz" ao Vaticano e aos bispos norte-americanos, acusados de querer reduzi-las ao silêncio.
O artigo de Nicholas Kristof, famoso jornalista norte-americano, no jornal New York Times do
dia 28 de abril, resume esse clima: "Elas são as pessoas mais
corajosas, mais sólidas, mais admiráveis do mundo. Durante as minhas
viagens, vi religiosas heroicas desafiando os senhores da guerra, os
cafetões e os bandidos. Até mesmo quando os bispos foram a vergonha da
Igreja cobrindo os abusos de crianças, as religiosas a resgataram com o
seu humilde trabalho em favor dos mais necessitados".
A associação Share El Salvador,
que se beneficiou do apoio das irmãs nos anos 1980 para a acolhida dos
refugiados salvadorenhos, coordena uma campanha nacional para coletar
assinaturas: "Reafirmamos o nosso amor e a nossa gratidão – escrevem –
pelas milhares de religiosas que, nos Estados Unidos,
serviram os pobres, trataram os doentes, acolheram os sem-teto, educaram
os nossos filhos, buscaram a paz em vez da guerra (...). Rejeitamos a
reivindicação de alguns bispos de serem a autoridade máxima e os únicos
juízes da verdade".
Esse braço de ferro tem raízes muito profundas. Se a LCWR foi
fundada em 1956 para "facilitar a comunicação entre o Vaticano e as
religiosas", a partir de 1971, quando a organização reescreveu os seus
estatutos, ela pssou por uma evolução, tornando-se "uma organização
independente, profissional, com uma agenda própria", declara a
jornalista Ann Carey, que publicou em 1997 um estudo documentado sobre As irmãs na crise.
Segundo
ela, muitas foram mais longe do que o Concílio preconizava. A sua
"experiência vivida" em campo tornou-se para muitas "uma referência
teológica mais importantes do que as vozes oficiais do magistério da
Igreja".
Por exemplo, em 2006, as beneditinas de Madison (Wisconsin)
foram liberadas de seus votos para transformar seu mosteiro em um
centro ecumênico, onde vivem irmãs de diversas confissões. Ali, não se
celebra mais a missa, mas sim cultos, ao longo dos quais as pessoas são
convidadas a "partilhar o pão da vida ao redor da mesa comum"...
George Weigel, historiador da Igreja, escreve que, em muitos casos, "a sua vida espiritual é mais influenciada pelo Eneagrama e por Deepak Chopra [figura do desenvolvimento pessoal], do que por Teresa d'Ávila e Edith Stein.
As suas noções de ortodoxia são, em termos gentis, inovadoras, e a sua
relação com a autoridade da Igreja pode ser descrita como um desprezo
pouco disfarçado".
Em vários momentos, o Vaticano enviou advertências às religiosas norte-americanas. Em 1992, uma parte das irmãs deixou a LCWR e criou um grupo alternativo, o Conselho das Superioras Maiores das Religiosas (CMSW).
Uma nova advertência foi enviada pela Congregação para a Doutrina da Fé em 2001. Em particular, o Vaticano questionava os encontros anuais do LCWR,
aos quais eram convidados conferencistas cujas posições éticas
divergiam das do magistério da Igreja. "A Congregação para a Doutrina da
Fé pode ter recebido cartas individuais de religiosas contestadoras,
mas a LCWR, enquanto organização, jamais tomou posição oficialmente
contra o ensino da Igreja", declara o padre Thomas Reese, ex-editor-chefe da revista America.
"Algumas irmãs talvez foram um pouco longe demais, mas, para a grande
maioria, trata-se de pessoas boas que nada mais fazem do que tentar
aplicar o Evangelho na vida cotidiana e que permaneceram profundamente
ligadas à Igreja Católica. Mesmo com relação à reforma da saúde de Obama,
que inclui o financiamento do aborto e da contracepção, é verdade que
algumas religiosas se opuseram aos bispos, mas não pelos conteúdos, e
sim pela forma". Indo mais fundo, trata-se de um "conflito de poder",
segundo o jesuíta.
De fato, as religiosas norte-americanas hoje
estão cheias de diplomas e de graus acadêmicos, e dirigem universidades,
hospitais, serviços diocesanos, com o calibre de PDG (Presidentas
Diretoras Gerais) de grandes empresas. "São mulheres brilhantes, que há
décadas se especializaram nas questões sociais, educacionais etc. Os
bispos não devem dizer o que elas devem pensar", afirma o padre Reese.
Entrevistada recentemente pela National Public Radio, a Ir. Simone Campbell confirmava: "Pio XII ordenou
que as religiosas se formassem em teologia. Levamos isso a sério e o
fizemos. E agora, tentam nos modelar de acordo com o que eles pensam que
devemos ser, sem se darem conta de que fomos fiéis àquele apelo o tempo
todo".
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