reporterdecristo - Eduardo subiu primeiro ao altar. Paullo o alcançou depois de um atraso programado, buquê de flores nas mãos. Cantava “Uma Vez Mais”, tema da abertura da novela Alma Gêmea, da TV Globo. “Quando eu te vi, o sonho aconteceu”, entoou, lágrimas nos olhos. Eduardo Silva, de 27 anos, é ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. Paullo Oliveira, de 31, é filho de um famoso pastor da Assembléia de Deus. Casaram-se há duas semanas pelas bênçãos da Igreja Contemporânea, uma denominação evangélica pentecostal criada há um ano no Rio de Janeiro para abrigar um rebanho sem lugar na maioria das denominações religiosas: os gays.
Quem celebrou a união foi o pastor Marcos Gladstone, fundador da
Igreja Contemporânea. Ele também se prepara para casar-se em breve com
um ministro do templo. Alguns convidados suspiram. “É inspirador. Espero
que chegue logo a minha hora”, diz Leandro Machado, ex-obreiro da
Universal que planeja o casamento com o namorado, Vanderson,
ex-testemunha-de-jeová. A hora do beijo, a mais esperada, foi comemorada
como um gol da Seleção Brasileira – quase uma surpresa, como se nunca
fosse acontecer.
Pastor e fundador da igreja contemporânea
“Melhor ser dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho.
Porque, se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que
estiver só; pois, caindo, não haverá outro que o levante. Também, se
dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só, como se aquentará?”
Essa passagem do Eclesiastes, na Bíblia, é usada pelo pastor Gladstone
como “prova de que não existem diferenças de gênero perante Deus quando
duas pessoas se amam”. Foi lida por ele pouco antes da troca de alianças
entre Eduardo e Paullo nos dedos de unhas esmaltadas de branco.
No Brasil, os gays evangélicos que desejam um casamento religioso
podem escolher entre pelo menos três igrejas: a Igreja Contemporânea, a
Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), denominação americana que tem
filiais em sete Estados brasileiros, e a Comunidade Cristã Nova
Esperança, de São Paulo. O fundador da Contemporânea, Marcos Gladstone,
chegou a abrir uma filial da ICM, mas percebeu que no mercado religioso
brasileiro havia espaço para uma igreja que acolhesse os gays, mas que
não fosse militante. “A ICM é quase um movimento polí-tico em defesa da
causa gay. Mas no Brasil os fiéis não gostam de misturar religião e
militância”, diz Gladstone. “A Contemporânea não é uma igreja gay, mas
que aceita gays. Os homossexuais estavam em busca de um lugar para
professar a sua fé.”
Desde que mudou o nome – e as regras – de sua igreja, o número de
adeptos saltou de 20 para cem. “Percebi que as pessoas queriam mais
rigidez”, diz o fundador. Ele criou, então, regras severas como
principal trunfo na disputa pela religiosidade do público homossexual: é
proibido consumir álcool e cigarros e não é permitido fazer sexo fora
do namoro ou casamento. O dízimo de 10% da renda familiar é obrigatório.
Na ICM, a principal “concorrente”, o fiel segue suas próprias regras
morais. “Eu jamais direi o que o fiel deve ou não fazer. Os valores de
cada um é que vão dirigir suas atitudes. Se fosse importante para Jesus
definir regras de conduta sexual, ele teria dito isso”, diz o pastor
Gelson Piber, do templo da ICM em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro. O
templo existe há dois anos, conta com 40 fiéis e tem 12 casa-mentos
gays no currículo. “Acho que os gays querem se casar mais que os
héteros.”
Em algumas pentecostais, a homossexualidade é uma manifestação do
demônio. Na Igreja Contemporânea também há sessões de exorcismo, mas os
belzebus supostamente arrancados dos fiéis não são responsabilizados
pela opção sexual do fiel. Eduardo, um dos noivos, comandava um templo
da Igreja Universal em Barra Mansa, no Rio. “Fiquei lá até um fiel me
procurar confessando que era gay e precisava ser curado”, afirma. “Disse
que era impossível, porque eu também sentia as mesmas coisas que ele.”
Depois do episódio, ele abandonou o templo. Ao voltar para o Rio, foi
expulso. Hoje, trabalha como garçom.
Paullo é professor universitário de Português. Sofreu muito com o
preconceito do pai, que foi um dos mais conhecidos pastores da
Assembléia de Deus de Madureira, no Rio. “Quando contei aos meus pais,
disseram que era coisa do diabo querendo tomar conta da minha vida”, diz
Paullo. “Cheguei a ficar noivo de uma mulher por um ano para manter as
aparências.”
No Brasil, Eduardo e Paullo só serão casados em sua fé. A lei
brasileira ainda não permite o casamento no Civil. O Projeto de Lei no
1.151, de 1995, da então deputada federal Marta Suplicy, contempla o
casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas está há mais de dez anos
tramitando no Congresso sem previsão de votação. Desde 2001, casais
brasileiros têm conquistado na Justiça o reconhecimento da relação como
“união estável” – figura jurídica que garante direitos como pensão e
bens adquiridos em conjunto. No mundo, países como Dinamarca, Holanda e
Canadá já aprovaram a união civil entre gays. Na América Latina,
capitais como Buenos Aires e Cidade do México criaram leis que permitem a
união civil de homossexuais.
Na terça-feira (18), os gays marcaram um ponto histórico no Cone Sul.
O Uruguai tornou-se o primeiro país da América Latina a reconhecer
legalmente a união civil de pessoas do mesmo sexo. Aprovada pelo Senado
por unanimidade, a lei precisa agora ser sancionada pelo presidente
Tabaré Vázquez.
Eduardo e Paullo planejam tentar o reconhecimento civil mais tarde.
Eles se conheceram no Orkut, há um ano, e procuraram a Igreja
Contemporânea pela vontade de se casar. O pastor afirma só ter aceitado
realizar a cerimônia depois de “ter certeza da convicção dos dois”. Os
pais dos noivos não viveram o suficiente para testemunhar o casamento.
As mães preferiram não dar o ar da graça para não criar polêmica em suas
próprias igrejas. Perderam a cena dos filhos chorando tanto ao
pronunciar os votos de amor eterno que Eduardo foi obrigado a tirar as
lentes azuis compradas para a ocasião. Casou-se de olhos castanhos.
Fonte: TV Canal 13
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