21/06/2012
Natividade de Sao João Batista - Neste momento da história, em que nós temos necessidade de profetas, me parece que a figura do Batista pode nos ajudar a abrir caminhos novos para que haja mais justiça, igualdade, dignidade na nossa sociedade contemporânea.
A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 12º Domingo do Tempo Comum (24 de junho de 2012). A tradução é de Susana Rocca.
Eis o texto.
Para nós quebequenses, o nosso santo é de uma importância tão grande
que, quando a sua festa cai em domingo, nós o celebramos. Isso é bem
raro! Mas o que ele tem de tão importante? A partir dos textos bíblicos
que nos são propostos, vou tentar apresentá-lo a vocês.
1. Da antiga à nova Aliança: Podemos verdadeiramente
dizer, hoje, que João Batista é o último profeta da antiga Aliança e o
primeiro da nova Aliança. Ele marca a transição entre os dois... Da
tradição e da religião judaicas, João Batista criticou abertamente a
religião do seu tempo: “E João percorria toda a região do rio Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados” (Lc 3,3). E as multidões que lhe perguntavam o que ia fazer? "Ele respondia: 'Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem. E quem tiver comida, faça a mesma coisa’” (Lc 3,11). Aos arrecadadores de impostos que vinham para que ele os batizasse, ele lhes dizia: “Não maltratem ninguém; não façam acusações falsas, e fiquem contentes com o salário de vocês” (Lc 3,14).
No fundo, João Batista denunciou a religião esclerosada do seu tempo e
a corrupção generalizada pelos líderes. Foi um grande profeta como
Isaias, Amós, Jeremias, e tantos outros. Os primeiros cristãos
interpretaram o profeta Isaias, que temos na primeira leitura de hoje,
como se fosse João Batista: “Ele fez da minha língua uma espada
afiada e me escondeu com a sombra de sua mão; ele me transformou numa
seta pontiaguda e me guardou na sua caixa de flechas” (Is 49,2).
Por outro lado, o que fez de João Batista o primeiro profeta da nova
Aliança é que ele anuncia a vinda do Messias. Como lembra São Paulo, na
sinagoga da Antioquia de Picídea, como lemos na segunda leitura de hoje
dos Atos dos Apóstolos: “Conforme havia prometido, Deus fez surgir
da descendência de Davi umSalvador para Israel, que é Jesus. E João, o
precursor, havia preparado a chegada de Jesus, pregando a todo opovo de
Israel um batismo de arrependimento” (At 13,23-24). E para não confundir o Batista com o Cristo, o autor do livro dos Apóstolos escreve: “Não
sou aquele que vocês pensam que eu seja! Vejam: depois de mim é que vem
aquele do qual não mereço nem se quer desamarrar as sandálias!”
(At 13,25). Não é ao azar que a Igreja celebre o nascimento de João
Batista no dia 24 de junho, no momento onde o sol começa a descer no
horizonte, enquanto o nascimento de Cristo se celebra no dia 25 de
dezembro, quando o sol começa a subir no horizonte, no hemisfério norte,
obviamente, pois estas festas começaram no império romano.
2. Continuidade e ruptura: Entre João Batista e
Jesus de Nazaré há uma espécie de parentela espiritual, de modo que São
Lucas os apresenta como primos. Enquanto Maria, a nova Aliança visita
Isabel, a antiga Aliança, São Lucas diz que elas são parentas (Lc 1,36).
São Lucas quer nos mostrar que há uma continuidade entre a pregação de
João Batista e o agir de Jesus de Nazaré: “Eu batizo vocês com água.
Mas vai chegar alguém mais forte do que eu. E eu não sou digno nem
sequer de desamarrar a correia das sandálias dele. Ele é quem batizará
vocês com o Espírito Santo e com fogo” (Lc 3,16). Mas há também uma ruptura, pois João Batista acrescenta: “Ele
terá na mão uma pá; vai limpar sua eira, e recolher o trigo no seu
celeiro; mas a palha ele vai queimar no fogo que não se apaga” (Lc 3,17). Não tendo Jesus exercido assim a sua missão, João Batista enviou dois discípulos para perguntar a Jesus: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (Lc 7,20). E a resposta de Jesus se inspira no profeta Isaias: “Voltem,
e contem a João o que vocês viram e ouviram: os cegos recuperam a
vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos
ouvem, os mortos ressuscitam, e a Boa Notícia é anunciada aos pobres” (Lc 7,22).
Por outra parte, quando Jesus fala de João Batista, ele reconhece a qualidade de homem e de profeta que ele foi: “Então, o que é que vocês foram ver? Um profeta? Eu lhes garanto que sim: alguém que é mais do que um profeta” (Lc 7,26). E ele acrescenta: “Eu
digo a vocês: entre os nascidos de mulher ninguém é maior do que João.
No entanto, o menor no Reino de Deus é maior do que ele” (Lc 7,28). Mas tanto se trate de João Batista como de Jesus, os dois são criticados e rejeitados pelos fariseus e os doutores: “Pois
veio João Batista, que não comia nem bebia, e vocês disseram: ‘Ele tem
um demônio!’ Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e vocês dizem: ‘Ele
é um comilão e beberrão, amigo dos cobradores de impostos e dos
pecadores!’” (Lc 7,33-34).
3. Um verdadeiro padroeiro: João Batista é o
padroeiro dos canadenses franceses, mas em especial dos quebequenses que
celebram a sua festa nacional no dia 24 de junho. Neste momento da
história, em que nós temos necessidade de profetas, me parece que a
figura de João Batista pode nos ajudar a abrir caminhos novos para que
haja mais justiça, igualdade, dignidade na nossa sociedade
contemporânea. Em Quebec, onde a crise social pune duramente os jovens,
os indignados de todas as idades, nos fazem falta outros profetas como
João Batista para lembrar aos nossos governos que eles estão num beco
sem saída. Esses profetas devem sair do comum, como João Batista, que na
hora do seu nascimento pensavam que ele estaria em consonância com seu
pai Zacarias. Porém, sua mãe Isabel foi contra todos os cálculos: “O nome dele é João”
(Lc 1,60). É evidente que os profetas de hoje como aqueles de antes são
rejeitados, julgados e até condenados pelos dirigentes e pelos
entendidos, mas isso não deve impedir que as mulheres, os homens, os
jovens, denunciem as injustiças e lhes exijam uma transformação profunda
na nossa sociedade.
Esses profetas devem ter a audácia de empreender novos caminhos que
talvez não sejam mesmo bem-entendidos e eles devam demonstrar a sua
humildade, isto é, saber retirar-se para deixar o lugar àquele ou àquela
que possa mudar as coisas. Como João Batista, o precursor de Cristo: “É preciso que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30).
A todas e a todos que acreditam na justiça e que ela é sempre
possível de fazer o mundo melhor, desejo-lhes uma feliz festa Nacional,
um bom dia de São Batista!
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