Pe. Mauro Gagliardi |
Rubrica de Teologia litúrgica aos cuidados do Pe. Mauro Gagliardi
Uwe Michael Lang*
ROMA, quarta-feira, 27 de junho de 2012 (ZENIT.org) - Com o artigo de hoje, conclui-se o quarto ano da rubrica “Espírito da Liturgia", que neste ano dedicamos ao ensinamento litúrgico do Catecismo da Igreja Católica, em preparação para o Ano da Fé. Ao despedir-nos dos nossos leitores, esperamos reencontrar-los no próximo mês de outubro (Pe. Mauro Gagliardi).
***
Na sua existência, o homem é identificado por duas coordenadas
fundamentais: o espaço e o tempo, duas realidades que não se constroem,
mas que lhe são dadas. O homem está ligado ao espaço e ao tempo, e
também a sua oração a Deus está. Enquanto a oração como simples ato
religioso pode ser feita em todos os lugares, a liturgia, no entanto,
como um ato de culto público e ordenado, requer um lugar, geralmente um
edifício, onde possa ser realizada como rito sagrado.
O edifício de culto cristão não é o equivalente do templo pagão, onde
a câmara com a imagem da divindade também era considerada, de alguma
forma, a casa dela. Como diz São Paulo aos atenienses: "Deus não habita
em templos construídos pelo homem" (Atos dos Apóstolos 17,24).
Em vez disso, há um relacionamento mais próximo com a Tenda do
Encontro, erguida no deserto de acordo com as instruções do próprio
Deus, onde a glória do Senhor (shekinah) se manifestava (Êxodos
25,22; 40,34). No entanto, Salomão, depois de ter construído o Templo
de Jerusalém, o prédio que toma o lugar da Tenda da reunião, exclama:
"Mas será que é verdade que Deus habita na terra? Eis os céus, e os céus
dos céus não podem te conter, muito menos esta casa que eu edifiquei!" (1 Reis
8,27). Na história do povo de Israel há uma espiritualização, que leva à
famosa passagem do profeta Isaías: "Toda a terra está cheia de sua
glória" (Isaías 6,3; cf. Jeremias 23,24; Salmos 139,1-8; Sabedoria 1,7), texto passado depois para o Sanctus da Liturgia Eucarística. "Toda a terra é santa e confiada aos filhos dos homens" (Catecismo da Igreja Católica, n. 1179).
Uma nova etapa está presente no Evangelho segundo João, quando Cristo
declara, durante o seu encontro com a mulher Samaritana, que "chegou a
hora, e agora é quando os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em
espírito e verdade" (João 4,23). Isso não significa que, à luz
do Evangelho, não se deveria ter algum culto público ou edifício
sagrado. O Senhor não disse que não deveriam ter lugares de culto na
Nova Aliança; ao mesmo tempo, na profecia sobre a destruição do Templo,
Ele não afirma que nunca mais deva existir edifícios construídos em
honra de Deus, mas sim que não deve existir somente um lugar exclusivo.
O próprio Cristo, seu corpo vivo, ressuscitado e glorificado, é o
novo templo onde Deus habita e onde acontece o seu culto universal "em
espírito e verdade" (cf. J. Ratzinger, Introduzione allo spirito della liturgia,
San Paolo, Cinisello Balsamo 2001, pgs. 39-40). Como São Paulo escreve:
"É em Cristo que habita corporalmente toda a plenitude da divindade e
vocês têm nele parte da sua plenitude” (Colossenses 2, 9-10). Por participação, por força do Batismo, também o corpo do cristão se torna templo de Deus (1 Coríntios 3, 16-17; 6,19; Efésios 2, 22). Usando uma frase muito querida por Santo Agostinho, Christus Totus,
o Cristo inteiro é o verdadeiro lugar de culto cristão, isto é, Cristo
como Cabeça e os cristãos como membros do seu Corpo Místico. Os fiéis
que se reunem num mesmo lugar para o culto divino são as "pedras vivas",
colocadas juntas “para a construção de um edifício espiritual” (1 Pedro 2,4-5). De fato, é significativo que a palabra que antes indicava a ação do reunir-se dos cristãos, ou seja ekklesia – Igreja –, tenha passado a indicar o mesmo lugar onde acontece a reunião. O Catecismo da Igreja Católica
insiste no fato de que as igrejas (como edifícios) "não são simples
lugares de reunião, mas significam e manifestam a Igreja que vive
naquele lugar, lar de Deus com os homens reconciliados e unidos em
Cristo” (n. 1180).
Em época paleocristiana, forma típica do edifício igreja foi a
basílica com grande nave central retangular, que termina num ábside
semicircular. Tal tipo de edifício correspondia às exigência da liturgia
cristã e, ao mesmo tempo, deixava grande liberdade aos contrutores,
para a escolha dos elementos arquitetônicos e artísticos. A basílica
exprime também uma orientação axial, que abre a assembléia para as
dimensões transcendente e escatológica da ação litúrgica. Na tradição
latina, a disposição do espaço litúrgico com a orientação axial
permaneceu como norma e se acha que também hoje seja a melhor forma,
porque exprime o dinamismo de uma comunidade a caminho do Senhor.
Como afirma Bento XVI, "a natureza do templo cristão define-se pela mesma ação litúrgica” (Sacramentum Caritatis,
n. 41). Por esta razão, também o projeto das alfaias sacras (altar,
tabernáculo, sede, ambão, batistério, lugar da penitência) não pode
apenas seguir critérios funcionais. A arquitetura e a arte não são
elementos extrínsecos à liturgia e nem sequer têm uma função meramente
decorativa. Por isso, o compromisso de construir ou adequar as igrejas
deve estar permeado do Espírito e das normas da liturgia da Igreja, ou
seja daquela lex orandi que exprime a lex credendi, e disso nasce a grande responsabilidade seja dos que projetam seja dos que encomendam.
* Padre Uwe Michael Lang, C.O., é um Oficial da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e Consultor do Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice.
Quem quiser enviar perguntas ou expressar opiniões sobre os temas
tocados pela rubrica organizada pelo Padre Mauro Gagliardi pode
escrever para: liturgia.zenit@zenit.org
Nenhum comentário:
Postar um comentário