veritatis
Alguns questionam a literalidade do fogo do inferno. Dizem que se trata de um símbolo da ausência de Deus na danação eterna, e que a corporeidade do fogo infernal é uma interpretação fundamentalista de corte protestante ou uma crença fruto de idéias infantis a respeito da religião.
Ora, esse entendimento é completamente equivocado.
Primeiro porque confunde a pena de dano (estar longe de Deus) com a pena de sentidos. O fogo está justamente nesta última.
Vejamos o que os bons teólogos católicos ensinam, com base no Magistério da Igreja:
“Com relação ao inferno deve-se crer com fé divina:1º - Que existe o inferno constituído pelos demônios e pelos que morreram em pecado mortal, mesmo que fosse um só.2º - Que no inferno os condenados são atormentados por dupla pena: a de dano e a pena de sentidos, sendo esta principalmente de fogo.3º - Que as penas que os condenados do inferno cumprem são eternas, e jamais terão fim, nem serão atenuadas.4º - Que não são as mesmas penas para todos, mas diversas, conforme o número e a gravidade dos pecados, que mereceram a condenação eterna.É teologicamente certo, se bem que não de fé, que o fogo, com o qual os condenados do inferno são atormentados é um fogo real ou corpóreo, não metafórico.” (Cardeal Gaspani. Cathecismus Catholicus, aprovado pela Santa Sé)
Atentemos: a doutrina da realidade do
fogo no inferno é católica, não protestante. Querer negá-la, em vez de
defesa da verdadeira fé católica, é tese modernista.
Alguns objetarão como as almas, que não são materiais, mas espirituais, poderão queimar num fogo real?
Fiquemos com o mesmo Cardeal Gaspani, eminente teólogo e comentador tomista:
"É disputado ainda livremente entre
os teólogos de que maneira o fogo real pode atormentar os espíritos
puros, como o dos demônios, e as almas dos condenados antes da
ressurreição dos corpos; qual a natureza do fogo do inferno; onde se
encontra o inferno, se acima, ou abaixo da terra, se é um lugar, se é
um estado..."
A ação do fogo sobre as almas é,
segundo a doutrina mais comum, com o fim de aprisionamento, e não de
cremação. Isto porque as almas não são materiais e, portanto, não podem
se queimar.
Lembremos, ademais, que, após a
ressurreição da carne, os condenados terão, sim, corpos e, portanto,
"matéria para queimar" no fogo do inferno. Santo Tomás lembra mesmo que
os corpos dos condenados terão duas propriedades: incorruptibilidade e
passibilidade, pois para que o fogo do inferno os atormente sem
consumi-los é necessário que sejam incorruptíveis, e para que sofram o
dano eterno é necessário que sejam passíveis.
"Capítulo CLXXVI
OS CORPOS DOS CONDENADOS SERÃO PASSÍVEIS E SEM DOTES, MAS ÍNTEGROS
Como nos santos a beatitude da alma
extender-se-á, de certo modo, pelo corpo, conforme nos referimos
acima, assim também a miséria da alma refletir-se-á no corpo. Como o
bem natural não será retirado da alma, não o será, outrossim, o do
corpo. Os corpos dos condenados ficarão íntegros na sua natureza, sem,
contudo, possuírem as condições pertencentes à glória dos beatificados.
Esses corpos, portanto, não serão sutis nem impassíveis, mas
unir-se-ão à sua natureza pesada e passível, que lhes será, ainda,
agravada: não serão ágeis, mas somente empurrados pela alma; não serão
claros, mas obscuros, para que as trevas da alma mostrem-se nos corpos,
conforme se lê em Isaís: "os seus rostos serão de faces queimadas" (Is
13,8).
Capítulo CLXXVII
OS CORPOS DOS CONDENADOS SERÃO PASSÍVEIS, MAS INCORRUPTÍVEIS
Deve-se saber que, apesar de os
corpos dos condenados serem passíveis, contudo não se corromperão, bem
que isso pareça ser contrário ao que agora experimentamos, pois a
paixão, quanto mais veemente, tanto mais é prejudicada a substância.
Haverão, então, dois motivos para justificarem porque a paixão, apesar de perpetuamente continuada, não prejudicará os corpos.
(...)
Desse modo, aqueles corpos sofrerão para sempre, sem se corromperam, porém.
Capítulo CLXXVIII
A PENA DOS CONDENADOS EXISTIRÁ JÁ ANTES DA RESSURREIÇÃO
Se é evidente, pelo que se acabou
de dizer, que tanto a felicidade quanto a miséria futuras realizam-se
principalmente na alma, secundariamente, porém, e por certa derivação,
no corpo, a felicidade ou a miséria da alma não dependem da felicidade
ou da miséria do corpo, mas mais dela mesma. Como, após a morte e antes
da ressurreição dos corpos, umas almas apresentam-se com a merecida
bem-aventurança, outras, com a merecida miséria, isso evidencia que, já
antes da reassunção dos corpos, algumas almas gozarão da felicidade,
conforme atesta a Segunda Carta aos Coríntios: "Todos nós sabemos que,
quando destruída essa tenda em que vivemos na terra, teremos no céu uma
casa feita por Deus, uma habitação eterna, não feita por mãos
humanas"; e: "Cheios de confiança desejamos sair deste corpo para
habitar com o Senhor." (II Co 5,1.8)
Outras almas, porém, viverão na
miséria, conforme se lê no Evangelho de São Lucas: "O rico morreu, e
foi seupultado. Achando-se em tormentos no inferno..." (Lc 16,22--23)
Capítulo CLXXIX
A PENA DOS CONDENADOS CONSISTE EM MALES ESPIRITUAIS E CORPORAIS
(...)
Por isso também os textos das
Sagradas Escrituras que prenunciam as penas corporais para as almas dos
condenados, isto é, que elas serão atormentadas pelo fogo.
Capítulo CLXX
PODE A ALMA SOFRER A AÇÃO DO FOGO CORPÓREO?
1 - Para que não se pense ser
absurdo sofrer a alma separada do corpo ação do fogo corpóreo, deve-se
considerar que não é contra a natureza da substância ser retida pelo
corpo. Isso realiza-se pela própria natureza, como se poder verificar
na união que há entre a alma e o corpo, e nas mágicas, em que o
espírito fica retido por imagens, por anéis, ou coisas semelhantes.
Entretanto, isso pode ser também feito por virtude divina, de modo que
as substân cias espirituais, sem embargo de por natureza estarem
elevadas acima de todos os corpos, sejam retidas por determinados
corpos; ou seja, pelo fogo do inferno, não como se a ele estivesse
unida, mas de certo modo a ele se submetendo. Esse fato, ao ser
verificado pela substância espiritual, é-lhe aflitivo, isto é, ver-se
ela submetida a uma criatura inferior. Esse conhecimento que é aflitivo
à substância espiritual, confirma o que se diz: a alma ao ver-se
queimada, queima-se. Não deixa também de ser razoável dizer-se que
aquele fogo é espiritual, porque o que a aflige é o fogo, conhecido
como retendo-a.
2 - Que tal fogo seja corpóreo,
comprova-se pela afirmação de São Gregório, que disse sofrer a alma a
ação do fogo não só enquanto o vê, mas também enquanto o experimenta."
(Comp. Th., CLXXVI-CLXX)
Será, então, que Santo Tomás tinha uma idéia infantil, e ensinava coisas contrárias à verdade da Igreja?
Que o inferno tenha um fogo é de fé,
i.e., está o católico obrigado a acreditar. Que o fogo seja corpóreo e
possa, apesar disso, causar sofrimento às almas espirituais, é sentença
teologicamente certa. Quanto à natureza do tal fogo, pode-se discutir.
Não se sabe se o fogo é o mesmo fogo da terra. A natureza do fogo (se é
o mesmo ou não) pode ser livremente discutida. Mas que há um fogo,
seja corpóreo, e possa causar sofrimento às almas, isso NÃO se pode
discutir, é teologicamente certo.
Ora, alguns poderiam redargüir que a
sentença teologicamente certa não é a mesma coisa que um dogma e, por
isso, pode-se não aderir àquela.
Que sejam distintas as verdades “de fé
divina e católica” (dogmáticas) e “teologicamente certa” não há dúvida.
Todavia, não se trata de graus diversos de adesão a uma ou outra
verdade, de modo que se possa aceitar menos ou deixar de aceitar o dado
certo teologicamente, mas que não é “de fé”. A distinção entre as duas
categorias de verdades está é no objeto. Enquanto a verdade de fé (o
dogma) se ocupa da Revelação, a verdade teologicamente certa é conexa
com as doutrinas formalmente reveladas, e, embora não esteja contida
formalmente na Revelação, está virtualmente presente dada sua ligação
estreita com as mesmas. Negar a verdade teologicamente certa equivale
a, indiretamente, negar a verdade de fé, portanto a recusar um dogma
solenemente definido.
Se o ensino do Doutor Angélico não foi
suficiente para provar a corporeidade do fogo do inferno e a ausência
de contradição entre esse seu caráter e a espiritualidade das almas dos
que lá estão, vamos ao Magistério da Igreja.
Diz o Credo Atanasiano (que se reza na
liturgia e é doutrina da Igreja, por ser testemunho da Tradição Oral...
ademais, está no Denzinger):
"Porém, é necessário para a eterna
salvação crer também fielmente na Encarnação de Nosso Senhor Jesus
Cristo. (...) À sua vinda, todos os homens irão ressuscitar com seus
corpos e dar contra de seus próprios atos; e os que fizeram o bem, irão
para a vida eterna; os que fizeram o mal, ao contrário, ao fogo
eterno. Esta é a fé católica: todo o que não a crer fiel e fielmente
não poderá salvar-se." (Denz., 76)
Por sua vez, o Sínodo de Arles, em 473, sob o pontificado do Papa Simplício, ensina, infalivelmente:
"Portanto, de acordo com os
recentes decretos do venerável Concílio, condeno juntamente conosco
aquela sentença (...) que diz que não há fogo nem inferno." (Denz.,
338)
O mesmo sínodo, mais adiante, continua a explicitar:
“Professo também que os fogos eternos e as chamas infernais estão prepararadas para as ações capitais (...)." (Denz., 342)
De outra sorte, o Sínodo de Toledo XVI,
em 693, por sua Confissão de Fé, sob o pontificado do Papa Sérgio I,
condena os hereges e os cismáticos que, por sua culpa, estão fora da
Igreja de Cristo, dizendo que serão "castigado[s] com condenação
eterna, e até o fim dos séculos será abrasado com o diabo e seus
companheiros em fogueiras ardentes.." (Denz., 575)
Vemos, portanto, que no inferno existe
fogo real, não metafórico (embora não se saiba sua natureza), e que
esse fogo tem ação de aprisionamento sobre as almas (até a ressurreição
da carne), e de cremação (após a ressurreição), ainda que, nesta
última, os corpos sofram, queimem, mas não se consumem.
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