15/09/2012
ihu - Se for através de nós que Cristo pode
falar e agir, hoje, isso quer dizer que a sua presença não pode ficar
fechada em um dogma, uma regra, uma Igreja ou um templo. A sua presença é
sempre nova; ela não pode ficar fixada em uma definição.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da arquidiocese de Quebec, Canadá, publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 24° Domingo do Tempo Comum (16 de setembro de 2012). A tradução é de Susana Rocca.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da arquidiocese de Quebec, Canadá, publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 24° Domingo do Tempo Comum (16 de setembro de 2012). A tradução é de Susana Rocca.
Eis o texto.
1ª leitura: Isaías 50,5-9
2ª leitura: Tg 2,14-18
Evangelho: Mc 8,27-35
No evangelho de Marcos, a
pergunta que Cristo coloca, e que também é retomada depois no evangelho
de Marcos e de Lucas, é uma questão primordial ainda hoje: trata-se
daquela que pergunta se nós queremos nos definir como crentes, como
discípulos de Cristo. Quem é Jesus para nós? Certamente, existem os não
crentes que sabem que Jesus de Nazaré existiu. Para eles, Jesus foi um
homem excepcional que revolucionou a sociedade e a religião do seu
tempo, mas só isso. Para as pessoas que acreditam, mas que não são
cristãs, Jesus foi um profeta como Maomé, Buda, Moisés, Elias e tantos
outros. Mas para nós, cristãos, quem é ele exatamente? À luz do
evangelho de Marcos, a grandes traços podemos reconhecer o Jesus de
Nazaré que se tornou Cristo e Senhor na Páscoa. Para nós, cristãos, que
rostos lhe damos nas nossas vidas de fé e na nossa Igreja? O que falamos
dele?
1. Jesus, um homem. Nunca teremos falado
suficiente... Jesus de Nazaré foi um homem como nós, um verdadeiro homem
que viveu numa época determinada, num contexto específico. Como homem,
ele se destacou, sem dúvida, dentre os outros homens, porque nós falamos
dele há 2000 anos. No entanto, ele assumiu a sua humanidade até o fim,
até a morte na cruz. Todos os evangelhos são histórias de fé, isto é,
narrativas construídas após a Páscoa, na fé dos primeiros cristãos, que
nos falam de um Jesus já transformado pela Ressurreição. Por outro lado,
todas as narrativas fazem alusão a sua humanidade que ele teve que
assumir até o fim: “Em seguida, Jesus começou a ensinar os
discípulos, dizendo: ‘O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado
pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser
morto, e ressuscitar depois de três dias’” (Mc 8,31).
Mas,
atenção! Não são só os docetas que não reconhecem a humanidade de
Cristo. Se Marcos faz que Pedro diga três vezes que Jesus vai ser
rejeitado pelos seus, que ele deve sofrer e morrer, é porque ainda há
alguns discípulos que não reconheciam a humanidade daquele que se tornou
o Cristo e Senhor da Páscoa: “Jesus dizia isso abertamente. Então Pedro levou Jesus para um lado e começou a repreendê-lo” (Mc
8,32). No fundo, temos tanta dificuldade para viver a nossa humanidade
em toda a sua fragilidade que desumanizamos Cristo, e gostaríamos de nos
desumanizar a nós mesmos, para não sofrer a rejeição, o sofrimento e a
morte. Por outra parte, não é assim que funciona: “Jesus virou-se,
olhou para os discípulos e repreendeu a Pedro, dizendo: ‘Fique longe de
mim, satanás! Você não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos
homens“ (Mc 8,33). Pedro representa aqui todos os discípulos do Cristo da comunidade de Marcos...
2. Jesus, um messias, o Cristo.
Após a morte de Jesus de Nazaré na cruz, na Sexta-feira Santa, as
mulheres e os homens que o tinham seguido tomaram consciência, aos
poucos, que esse homem, esse profeta, esse revolucionário, ainda estava
vivo. Eles o reencontraram no caminho e o reconheceram. Para eles, Jesus
não era somente a lembrança de um amigo que eles tinham encontrado e
amado; ele era o Messias, o Cristo, o Senhor, presente e agindo através
deles. Ainda sendo Jesus mesmo, para alguns deles era outra pessoa: “Eles responderam: ‘Alguns dizem que tu és João Batista; outros, que és Elias; outros, ainda, que és um dos profetas" (Mc 8,28), mas para seus próximos, ele era mais do que isso: “’E vocês, quem dizem que eu sou?’ Pedro respondeu: ‘Tu és o Messias (Cristo)'” (Mc 8,29).
Por
outro lado, o messias que Pedro achava que reconhecia era simplesmente o
messias dos homens, o chefe político e religioso de quem viria a
libertação de Israel da opressão romana. O teólogo francês Gérard Bessière
escreve: “Jesus não queria nem o poder nem o prestígio. Ele se dirigia
ao coração e à liberdade dos homens, ele oferecia amor e perdão. Sabia
que os poderosos não o suportavam mais e queriam eliminá-lo. Ele era o
messias pobre e perseguido, aquele que afrontava a morte até todas as
ressurreições. Todos os que querem conduzir a humanidade até o alto
passam, alguma vez, pela um caminho da cruz”. E é por isso que, se
quisermos nos tornar seus discípulos, não temos outra opção senão
assumir a nossa própria humanidade como ele assumiu a sua: “Então
Jesus chamou a multidão e os discípulos. E disse: ‘Se alguém quer me
seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga’” (Mc 8,34). Ser discípulo é, então, caminhar atrás de Cristo, e não na frente.
3. Jesus, nós. Para nós, hoje, esta parábola do evangelho deve nos interpelar. Em uma reflexão de Marthe Lamothe podemos
ler: “Para vocês, quem sou eu? A pergunta de Jesus é feita a nós hoje.
Segundo a nossa resposta, que relação com ele podemos perceber? Nós
caminhamos na frente, indicando-lhe o que deveria fazer por nós, para
mudar o mundo? Ou nós caminhamos atrás, deixando-o ser Deus à sua
maneira, e entrando com ele nesse caminho onde a cruz se perfila como
uma renúncia a todo poder sobre o outro, a toda vingança, a toda
violência?”. Quando ouvimos alguns discursos da Igreja atual, temos a
impressão que não se deixa que Cristo seja Cristo, nem que Deus seja
Deus. Somos nós que lhe dizemos o que deve dizer e como deve agir...
E crer em Jesus - homem, profeta, Filho de
Deus, Salvador, Messias, Cristo e Senhor - é primeiramente crer em nós,
na nossa humanidade já transformada por ele, porque habitada pelo seu
Espírito. No final do evangelho de hoje, Marcos escreve: “Pois, quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perde a sua vida por causa de mim e da Boa Notícia, vai salvá-la”
(Mc 8,35). Isso quer dizer que vivendo a nossa humanidade até o fim,
adotando os seus valores, deixando-o agir através de nós, é que podemos
esperar torná-lo vivo e agindo na nossa Igreja. Também não basta dizer
que temos fé; é preciso que se veja, e para fazê-lo, precisamos passar
da palavra à ação. Na segunda leitura de hoje, Tiago diz isso
explicitamente: “Assim também é a fé: sem as obras, ela está
completamente morta. Alguém poderia dizer ainda: ‘Você tem a fé, e eu
tenho as obras. Pois bem! Mostre-me a sua fé sem as obras, e eu, com as
minhas obras, lhe mostrarei a minha fé’” (Tg 2,17-18).
Para terminar, se é através de nós que Cristo pode falar e agir, hoje, isso quer dizer que a sua presença não pode ficar fechada em um dogma, uma regra, uma Igreja ou um templo. A sua presença é sempre nova; ela não pode ficar fixada em uma definição. O exegeta francês Jean Debruynne escreve: “Jesus é o caminho. Jesus caminha e é no caminho que Jesus pergunta pela sua identidade: Quem sou eu? A identidade de Jesus não é, então, uma definição, um atestado de nascimento ou um visto de residência. A identidade de Jesus é um caminho. É uma revelação e, justamente para as pessoas, as respostas dadas pelos discípulos à pergunta de Jesus são respostas que ficam fechadas: Eles identificam Jesus com modelos conhecidos: João Batista, Elias ou outro profeta... Para Pedro, Jesus é o Messias, mas o que quer dizer a palavra messias?”.
Hoje, somos nós que temos que responder à pergunta: a nossa resposta dirá a qualidade da nossa fé e da esperança que nos habita... Será possível que Cristo, hoje, sejamos nós?
Para terminar, se é através de nós que Cristo pode falar e agir, hoje, isso quer dizer que a sua presença não pode ficar fechada em um dogma, uma regra, uma Igreja ou um templo. A sua presença é sempre nova; ela não pode ficar fixada em uma definição. O exegeta francês Jean Debruynne escreve: “Jesus é o caminho. Jesus caminha e é no caminho que Jesus pergunta pela sua identidade: Quem sou eu? A identidade de Jesus não é, então, uma definição, um atestado de nascimento ou um visto de residência. A identidade de Jesus é um caminho. É uma revelação e, justamente para as pessoas, as respostas dadas pelos discípulos à pergunta de Jesus são respostas que ficam fechadas: Eles identificam Jesus com modelos conhecidos: João Batista, Elias ou outro profeta... Para Pedro, Jesus é o Messias, mas o que quer dizer a palavra messias?”.
Hoje, somos nós que temos que responder à pergunta: a nossa resposta dirá a qualidade da nossa fé e da esperança que nos habita... Será possível que Cristo, hoje, sejamos nós?

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