24/09/2012
ihu - Dos mais de 2.500 padres conciliares que há meio século se sentavam lado a lado nos bancos da sala conciliar preparada na Basílica de São Pedro para o Vaticano II, não restaram muitos. Na Itália, contam-se nos dedos de uma mão. Eram jovens bispos, alguns com nem 40 anos, quando João XXIII, surpreendendo a todos, fez o anúncio do Concílio Vaticano II.
A reportagem é de Giorgio Boatti, publicada no caderno Il Venerdì, do jornal La Repubblica, 14-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O objetivo do Concílio deveria ser simples: "Especificar e distinguir", explicara o papa, "entre o que é princípio sagrado e Evangelho eterno, e o que é mudança dos tempos". E, portanto, ir ao encontro com confiança aos tempos novos que se abriam.
Assim pensava Roncalli, que, a pouco meses da crise dos mísseis soviéticos instalados em Cuba, havia se dirigido com a encíclica Pacem in terris não só aos fiéis, mas a todas as pessoas de boa vontade. A convicção do papa era que havia chegado o tempo de desfazer trevas e temores. Começando por aqueles que pressionavam sobretudo a Cúria romana, mais do que nunca encastelada, hostil a toda abertura, suspeita com relação a qualquer um, até mesmo em seu interior, para que indultasse ao diálogo ou, pior ainda, que praticasse "a medicina da misericórdia" com relação a quem percorria caminhos equivocados.
O papa havia medido o porte das resistências, internas à Igreja, com relação à convocação do Concílio. No discurso de inauguração, no dia 11 de outubro de 1962, ele havia admitido ter sido ferido por "insinuações de almas, embora ardentes de zelo, mas não fornecidas de sentido superabundantes de discrição e de medidas". Havia personagens, disse, que haviam como "profetas da desgraça que anunciam eventos sempre infaustos, quase como se incumbisse o fim do mundo".
A reportagem é de Giorgio Boatti, publicada no caderno Il Venerdì, do jornal La Repubblica, 14-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O objetivo do Concílio deveria ser simples: "Especificar e distinguir", explicara o papa, "entre o que é princípio sagrado e Evangelho eterno, e o que é mudança dos tempos". E, portanto, ir ao encontro com confiança aos tempos novos que se abriam.
Assim pensava Roncalli, que, a pouco meses da crise dos mísseis soviéticos instalados em Cuba, havia se dirigido com a encíclica Pacem in terris não só aos fiéis, mas a todas as pessoas de boa vontade. A convicção do papa era que havia chegado o tempo de desfazer trevas e temores. Começando por aqueles que pressionavam sobretudo a Cúria romana, mais do que nunca encastelada, hostil a toda abertura, suspeita com relação a qualquer um, até mesmo em seu interior, para que indultasse ao diálogo ou, pior ainda, que praticasse "a medicina da misericórdia" com relação a quem percorria caminhos equivocados.
O papa havia medido o porte das resistências, internas à Igreja, com relação à convocação do Concílio. No discurso de inauguração, no dia 11 de outubro de 1962, ele havia admitido ter sido ferido por "insinuações de almas, embora ardentes de zelo, mas não fornecidas de sentido superabundantes de discrição e de medidas". Havia personagens, disse, que haviam como "profetas da desgraça que anunciam eventos sempre infaustos, quase como se incumbisse o fim do mundo".
Na mesma noite daquele dia do início do Concílio, naquele que ficou conhecido como o “discurso da Lua”, o papa João foi além: expressou com palavras que lhe vinham do coração, falando de improviso, a alegria que deriva do ato de se confiar com confiança ao futuro: "A minha voz é uma voz sozinha, mas resume a voz do muno inteiro; aqui, de fato, todo o mundo está representado. Dir-se-ia até que a lua se apressou esta noite. Observem-na no alto, olhando este espetáculo... Glória a Deus e paz aos homens de boa vontade. É preciso repetir muitas vezes esse augúrio...".
No dia 3 de junho de 1963, quando João XXIII morreu,
muitos temiam pela continuidade do Concílio, enquanto a ala curial
desejava, embora não abertamente, o seu adiamento, senão até o seu
dissolvimento. Ao invés, o arcebispo de Milão, Giovanni Battista Montini, que se tornou papa com o nome de Paulo VI, confirmou, para o outono europeu, a retomada dos trabalhos.
Conhecido pelas corajosas batalhas pelos últimos e por amar mais a franqueza evangélica do que as cautelas curiais, Dom Luigi Bettazzi,
88 anos vividos vigorosamente, é um daqueles que – tendo participado
daquela cúpula – a pode reevocar por experiência pessoal. Pedimos-lhe
nos dias do falecimento de Carlo Maria Martini que, na sua última conversa-entrevista,
no início de agosto, expressasse uma opinião capaz de reabrir todas as
discussões sobre o valor do Concílio: "A Igreja está 200 anos atrás...".
Bettazzi lembra muito bem daqueles momentos há 50 anos: "Eu tomei a palavra, perante a assembleia dos bispos reunidos em São Pedro,
na manhã da sexta-feira, 11 de outubro de 1963. Eu falei sobre o tema,
delicadíssimo e decisivo principalmente naquele contexto, da
colegialidade, que muitos de inclinação conservadora temiam que
delimitasse o papel do pontífice. Justamente sobre o papel da
colegialidade, ou seja, da participação dos bispos na missão do papa, o
atual Papa Bento XVI, que durante o Concílio era um jovem teólogo, preparou a intervenção pronunciada pelo arcebispo de Colônia, Josef Frings.
Naquela sexta-feira, eu falei por dez minutos ao tudo, o tempo
reservado a cada orador. Eu havia me tornado bispo justo uma semana
antes: ordenado no dia 4 de outubro, festa de São Petrônio, padroeiro da Bolonha, pelo cardeal Lercaro, de quem eu era colaborador naquela época e do qual me tornei bispo auxiliar...".
Bettazzi, portanto, era o bispo de nomeação mais recente do Concílio, "mas o fato de ser auxiliar de Lercaro –
um dos quatro moderadores aos quais havia sido confiada a coordenação
dos trabalhos – e o fato de que o imenso trabalho de secretaria havia
sido confiada ao Pe. Giuseppe Dossetti, seu secretário, me colocava em um ponto de observação excepcional...".
Dossetti, antes de vestir a batina, havia sido um expoente de primeiro plano da Democracia Cristã e principalmente um dos protagonistas absolutos da Assembleia Constituinte da República Italiana.
Uma experiência que se revelaria preciosa na dificilíssima navegação –
feita também de procedimentos a serem elaborados, dinâmicas de
assembleia, cruzamentos de saberes canônicos e jurisprudenciais – entre
os variados componentes do Concílio.
O bispo Bettazzi escreveu
isso em várias obras (em cerca de 20 livros que ele publicou, uma meia
dúzia são sobre o Concílio, assim como o que ele acaba de concluir) e
não tem escrúpulos em falar de “maioria” e de “minoria”, ativas desde os
primeiros passos da assembleia conciliar: "Eu penso que é legítimo
falar de “maioria” e de “minoria”, visto que, por exemplo, a
constituição do grupo Coetus Internationalis, promovido então por Dom Lefebvre e
outros, estava diante dos olhos de todos. Ele visava a orientar, também
através de pontos fixos indicados por teólogos tradicionalistas, os
bispos mais conservadores. Aos seus encontros, aderiam de 400 a 500
bispos, cerca de um quinto da cúpula. É mérito de Paulo VI o
fato de ter gerido a continuação do Concílio, tendo em conta essa
realidade, trabalhando pacientemente para fazer confluir sobre os
documentos um consenso bastante unânime. E reduzindo assim a algumas
dezenas os votos de oposição. Eliminando, portanto, a eventualidade de
contestações sucessivas...".
Como aquelas, pensamos, que estão
emergindo até por parte daqueles que ultimamente não só gostariam que o
Concílio fosse interpretado segundo as vozes dessa minoria, mas
pretendem até reescrever a história geral do Vaticano II.
Indo contra a robusta reconstrução que a historiografia católica dele
fez, começando pela imponente reconstrução da escola bolonhesa, a de Alberigo e Melloni.
Com a nomeação a auxiliar, Bettazzi passava em Roma, durante as sessões do Concílio, a primeira metade de cada semana. Depois, às sexta-feira, voltava a Bolonha para
acompanhar os assuntos da diocese: "Enquanto eu estive em Bolonha, eu
realmente não havia compreendido o porte do Concílio. Foi preciso uma
imersão romana, naquela multidão de bispos de todo o mundo, expressão de
uma infinidade de culturas e de sensibilidades, para entender o que
estava em jogo. Viver o Concílio mudou a todos nós, abriu os olhos para
horizontes inimagináveis".
Lá aconteceu também o seu encontro com Dom Hélder Câmara, o bispo das favelas. E o conhecimento do grupo dos bispos que se encontrava nas catacumbas de Domitila e aderiu ao Esquema 14,
a resolução – depois não posta em votação – com a qual eles se
comprometiam a viver mais pobremente e a dar mais espaço aos leigos.
A temporada do Concílio foi, para todos os que a viveram de perto, uma temporada inesquecível, e Dom Bettazzi, convalescente em Albiano de Ivrea (Turim)
depois de uma operação na perna, mas já pronto para retomar a sua
agenda cheia de compromissos por toda a Itália, se ilumina ao
reevocá-la. Mas não é uma questão de memórias ou de nostalgia. Muito
menos de estender escorregadias avaliações como gostariam aqueles que,
em nome de uma "continuidade radical" com o passado, gostariam de
liquidar as novidades trazidas pelo Concílio: "Eles defendem que, pela
sua qualificação de pastoral, ele tenha esgotado a sua tarefa: e então o
que se faz? Volta-se atrás? Quando nos perguntam se o Vaticano II foi
implementado, eu respondo: 'Sim e ainda não'. Com relação a antes do
Concílio, muita coisa mudou na familiaridade com a Palavra de Deus, na
participação na Liturgia (antes, se assistia à missa; agora se
participa), nas estruturas que se tornaram mais comunitárias e nas
sensibilidades para com os últimos. Em suma, a inegável permanência dos
princípios da fé se entrelaça com uma descontinuidade pastoral que foi
um dom".
Talvez alguns, na hierarquia, não sejam dessa opinião, mas, mesmo que, ao redor da serra de Ivrea,
sopre o vento de temporal do fim de verão, não é mais o tempo de raios
que incineram. Ao contrário, no telhado do castelo episcopal de Albiano,
há um para-raios. O bispo o indica para mim. Eu o observo. "Estou
errado ou ele tem a forma de um báculo, com a alça curvada, içado lá em
cima contra o céu que fica escuro?". O bispo Bettazzi fica sério: "É um legado dos meus antecessores... quando os bispos de Ivrea batalhavam com os feudatários de Masino". Os olhos muito azuis sorriem. Parecem os de uma criança.
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