27 Nov 2012
Pe. Leonel Franca S. J.
Ao lado do aspecto jurídico e social, o divórcio apresenta
inquestionavelmente um aspecto religioso. Jurídica e socialmente, a
possibilidade de ruptura do matrimônio é um mal, um grande mal. É o
princípio de instabilidade e dissolução progressiva da família, que, de
dia para dia, se vai tornando menos idônea ao exercício de sua elevada
missão criadora e educadora da sociedade. A lei que sanciona a fixidez
definitiva da vida conjugal não faz senão declarar um dos artigos da
constituição natural da família e proteger contra a força corrosiva das
paixões, a integridade perfeita da célula social.
É o que parecem esquecer os divorcistas que reclamam a reforma do nosso
direito de família como corolário da separação entre a Igreja e o
Estado. Como se a indissolubilidade fosse uma simples prescrição de
direito positivo eclesiástico, sem nenhuma relação com as finalidades
imanentes, naturais da sociedade conjugal e com as exigências superiores
do bem comum! Cristo, proscrevendo o divórcio, não deu um preceito
novo; reintegrou a família na sua dignidade primitiva: ab initio non
fruit sic. É, portanto, a própria natureza das instituições conjugais,
são os interesses superiores da sociedade, a verdadeira e comum base
jurídica das leis que impõem a monogamia indissolúvel,
indiscriminadamente, a todos os cidadãos. Para os católicos,
respeitá-las é um duplo dever: de consciência religiosa e de consciência
civil. Os acatólicos não terão nas próprias idéias religiosas um
estímulo e uma força para os ajudar no desempenho deste dever social.
Mas, nem por isso, deixa o dever de subsistir. Também o furto, o
homicídio, o adultério, são, para a consciência cristã, proibições de
ordem religiosa. Seguir-se-á, porventura, que um Estado leigo não os
possa e deva interdizer, em nome do bem coletivo, a todos os cidadãos,
ainda aos que já não vêem no Decálogo a expressão dos mandamentos
divinos? Se ainda uma vez, aqui como lá, a doutrina e a moral católica
coincidem com os verdadeiros e mais elevados interesses da sociedade,
saudemos nesta coincidência mais um penhor de sua verdade
inexaurivelmente fecunda.
Foi sob este aspecto puramente jurídico e social que até aqui viemos
considerando o divórcio. Ao combatê-lo, não nos socorremos senão de
provas racionais, tiradas à moral, à psicologia, à sociologia e ao
direito. Para admiti-las não é mister crer, basta raciocinar; elas não
se dirigem ao cristão, falam a todo homem. Não lançamos mão, uma só vez,
de argumentos teológicos e exegéticos. A Escritura, a voz dos Padres da
Igreja, a autoridade dos concílios, muito de caso pensado, não os
invocamos no debate. Discutimos, sempre, em nome da razão e dos fatos, a
fim de que as nossas conclusões se impusessem à universalidade dos
leitores. Mas o divorcio apresenta outrossim um aspecto religioso. Para
toda a humanidade a constituição de um novo lar foi sempre um ato
sagrado. Para a grande maioria da cristandade constitui um sacramento. É
tão nobre a missão da família, são tão íntimos os deveres domésticos
que só na religião se podem atingir as energias profundas,
indispensáveis à fidelidade do seu desempenho.
A santidade da família, só a inteligências superficiais, poderá soar
como uma frase feita e vazia. As famílias na medida que se vão
laicizando vão cessando de ser famílias. Lar sem Deus é frágil
construção de que a primeira rajada de paixões violentas fará um montão
de ruínas.
Nos países católicos, mais ainda que nos outros, é funesta a legalização
do divórcio. Entre protestantes e cismáticos a deformação da moral foi
precedida por uma alteração da doutrina. A cisão do vínculo não
contrasta com a consciência religiosa do povo. Os divorciados poderão
ainda beneficiar dos auxílios espirituais que lhes pode subministrar um
cristianismo diluído pela heresia ou pela cisma. A família não será uma
vítima infeliz da irreligião.
O catolicismo conserva, em toda a sua integridade, o tesouro divino dos
ensinamentos morais do Evangelho. Com a sua consciência é incompatível o
divórcio.
Sancioná-lo por lei num país de maioria católica é introduzir um
antagonismo, denso de males incalculáveis, entre a consciência religiosa
e a consciência jurídica e civil da nação. Para os cidadãos fiéis ao
seu credo, a lei, que permite um ato imoral, é uma lei sem prestígio e a
desconsideração da lei é princípio de desorganização social. Para os
outros, de convicções religiosas menos esclarecidas ou de vida
espiritual remissa, a lei civil transforma-se num fermente ativo de
irreligião. O divórcio pedido e aceito por um filho da Igreja segrega-o
da participação aos sacramentos que nutrem a sua atividade religiosa e
moral. Casal de divorciados católicos é casal para o qual estancaram as
fontes de energias espirituais, indispensáveis à paz de consciência e à
prática do bem (Se um católico num momento de paixão (os católicos não
são impecáveis) dissolve a família para constituir outra, a lei
sancionaria a segunda união como legítima e lhe imporia todos os deveres
respectivos. Amanhã, serenados os estos apaixonados, a voz de Deus no
fundo d’alma entra a falar-lhe mais alto que os gritos do amor humano; a
consciência cristã acaba por triunfar no desejo sincero de voltar à paz
interior. Os deveres que, nesta emergência, se lhe impõem em nome da
religião estão em antagonismo com as obrigações civis. Ele não poderá
ser católico sem menosprezar as leis do seu país; não poderá ser fiel
aos empenhos civis sem sacrificar as exigências superiores de sua
consciência religiosa. Situação infinitamente angustiosa, fonte de
amarguras internas indescritíveis, que, num país católico, multiplicaria
uma lei insensata em contraste com a liberdade de consciência da
maioria dos cidadãos). Destarte a lei do divórcio, num país
tradicionalmente católico, tende a difundir a indiferença religiosa e a
subtrair à família estes fundamentos espirituais que, em todos os tempos
e entre todos os povos, condicionaram a sua estabilidade e conservação.
Com o mecanismo frio dos códigos, o Estado é incapaz de gerar as
grandes energias da vida moral, mas ai dele, se pela imprudência de leis
corruptoras, vai secar os mananciais misteriosos onde se alimenta o
espírito de sacrifício, dedicação, fidelidade e desinteresse, que
conservam a vitalidade do organismo social!
Eis porque, na realidade, o divórcio é um instrumento de propaganda
irreligiosa nas mãos da impiedade. A lei que dissolve os lares é um dos
pontos do programa do sectarismo anti-católico. Para combater a Igreja e
popularizar a irreligião, o anti-clericalismo atira-se à família.
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