segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Mitras femininas na Igreja da Inglaterra

21/11/2012

unisinos - A Igreja anglicana está num momento de estreias. No último dia 9 estreava o novo líder, Justin Welby, e pode se tornar a primeira grande religião cristã com mulheres bisposta (Nota da IHU On-Line: a ordenação episcopal de mulheres foi rejeitada, ontem, dia 20-11-2012). A eleição do 105º arcebispo da Cantuária juntou diferentes sensibilidades em torno da figura de um ex-alto executivo que abandonou o setor de petróleo por Deus, quando perdeu uma filha de sete meses num acidente de trânsito em Paris. Contrariamente, a concessão da mitra às mulheres pode erodir ainda mais a já fendida comunhão da Igreja da Inglaterra.

A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada no sítio Religión Digital, 18-11-2012. A tradução é do Cepat.
E isso porque se trata de um passo lógico dentro da dinâmica eclesiástica anglicana. Com efeito, as mulheres são sacerdotisas desde 1989, com o pleno reconhecimento de todos. Esse foi o momento determinante, pois uma vez abertas as portas do altar, como diaconisas e sacerdotisas, o normal é que as mulheres acabem subindo os outros escalões do sacramento da ordem e alcancem o episcopado.

Como em quase tudo na vida, também no sacramento da ordem há escalões. Uma coisa é o sacerdócio comum dos fiéis e outra o sacerdócio ministerial, que na Igreja católica é reservado aos homens, um monopólio já há tempo quebrado pelas mulheres anglicanas. Porém, dentro do sacerdócio ministerial, o episcopado assinala a plenitude do sacramento da ordem. E rumo a essa plenitude, vedada até agora para a outra metade do céu, aspiram, com tudo da lei, as mulheres no anglicanismo.

Um passo lógico, pois para isso os tempos parecem maduros no seio da comunhão anglicana. A maioria parece estar a favor da medida, embora o setor mais conservador ameace com novas rupturas e no engrossamento das filas dos que voltam para Roma.

Setor conservador
O ainda primaz anglicano Rowan Williams, do setor progressista, é um firme partidário da ordenação episcopal das mulheres. Seu sucessor, Justin Welby, que tomará posse no próximo mês de março, ao contrário, pertence ao setor conservador. Contudo, já declarou que votará em favor das mitras femininas.

Ao contrário, parece bem menos disposto em apoiar o direito dos sacerdotes homossexuais de coabitar com seus parceiros ou de acederem ao episcopado. O que tem claro é que a homofobia não é aceitável na Igreja anglicana: “Não podemos aceitar nenhum tipo de homofobia, em nenhum lugar da Igreja”.

Caso seja aprovada a promoção da mulher ao episcopado, será uma decisão histórica que, por um lado, deixará em evidência (ainda mais) a situação discriminatória da mulher na Igreja católica e, por outro, colocaria pressão em Roma a respeito deste assunto tão delicado. Diante deste assunto, ou Santa Sé fica focada em seu ‘não’ a ascensão da mulher ao altar, como está fazendo até agora, ou, em médio prazo, não terá outra solução a não ser seguir o mesmo caminho.

Nem o mesmíssimo Papado de Roma poderia se manter impávido diante da pressão social e religiosa sincronizada. Uma pressão que coloca a Igreja católica como a única instituição que continua discriminando abertamente a mulher em sua ascensão ao altar e aos ministérios ordenados.

Conviver com a crise

O episcopado da mulher poderia quebrar o anglicanismo? A Igreja anglicana é um junco. Parece a ponto de cair, mas nunca se curva totalmente, por mais crises que enfrente. Porque já está acostumada com as crises desde sua fundação, por Enrique VIII. Embora tenha sido a sua filha Isabel I a que separou radicalmente a nascente Igreja anglicana de Roma, se impôs como “governador supremo” da Igreja nacional (Church of England) e, sobretudo, converteu o dogma oficial numa terceira via que mistura um ritual quase totalmente católico com uma teologia quase protestante.

Desde então, a Igreja anglicana tem um pé no passado, e continua acorrentada aos velhos esquemas de um Estado que interfere em todo o religioso, e outro no futuro, em seu desejo de estar sempre na dianteira para tornar a fé e o Evangelho acessíveis, o que é sempre boa notícia ao homem de hoje. O resultado disso é uma crise permanente e a abertura de um contínuo debate teológico sobre o papel da Igreja na sociedade atual. Com uma adaptação de normas e formas aos tempos atuais, mas também com a revisão de alguns dogmas que, no parecer de muitos dirigentes anglicanos, carecem de credibilidade e, portanto, provocam a rejeição das pessoas.
A batalha revisionista começou pela virgindade de Maria que, na visão de alguns bispos anglicanos, é “um dogma que surge tardiamente na teologia cristã e não pode continuar sendo mantido, porque foi utilizado apenas para justificar as barreiras que separam as Igrejas das mulheres”. E não apenas isto. Os hierarcas anglicanos questionam a existência do inferno e, inclusive, colocam em dúvida a ressurreição de Cristo, ponto que diz repeito ao fundamento do cristianismo. E juntamente com a denúncia de “velhos mitos”, a hierarquia anglicana pretende aplicar para dentro os direitos humanos que prega para fora, e abrir as portas para dois coletivos secularmente rejeitados pelas Igrejas: as mulheres e os homossexuais.
As mulheres, desde 1989

Os anglicanos aprovaram, em 1989, a ascensão das mulheres ao altar. Desde então, foram ordenadas mais de mil sacerdotisas de Sua Majestade e, como disse o atual arcebispo da Cantuária, Rowan Williams, “em longo prazo, todas as igrejas acabarão vendo que a ordenação da mulher é um beneficio. Não existe Igreja alguma que possa se esquivar do desafio da ordenação da mulher”.

Um ano depois, aprovaram a ordenação de sacerdotes homossexuais, porque, como disse seu máximo líder, “Deus ama os homens e, portanto, também os homossexuais. Rejeitamos qualquer tipo de homofobia e não consideramos inconveniente admitir clérigos homossexuais”. De fato, o próprio escritório do arcebispo da Cantuária confessa que 24% dos sacerdotes anglicanos são homossexuais, deles 9,4% afirmam ser “ativo”.

Em 2002, as autoridades anglicanas permitiram aos divorciados voltar a contrair matrimônio religioso e, inclusive, aceitaram que um de seus sacerdotes mudasse de sexo e se tornasse mulher. Quando tinha cinco anos, Peter Stone sonhava em acordar pela manhã transformado numa menina. Aos seus 46 anos, depois de dois matrimônios e com uma filha adolescente, seu desejo virou realidade e o reverendo Stone se tornou o primeiro sacerdote da história, em atividade, submetido a uma mudança de sexo com a aprovação de seus bispos.

Uma “Igreja laboratório”
Todas estas mudanças tornam a Igreja anglicana uma espécie de Igreja laboratório, que segue à frente de sua “matriz” romana, ensaiando as mudanças, e abrindo caminho na mentalidade popular para a Igreja católica, muito mais lenta e conservadora e muito mais apegada à tradição e ao poder. E, mesmo depois de cada mudança anglicana, Roma adverte que se trata de um obstáculo a mais no caminho da eventual união das duas confissões. Na verdade, tanto teológica como liturgicamente, Roma e Londres estão a um passo da união. Não há nada dogmático que as separe. Apenas a inércia dos séculos e algumas diferenças de matiz, como a concepção do papado. Os anglicanos admitem a figura do Papa, mas apenas como um “primus inter pares”.

De fato, as coincidências são tantas que a transferência de fiéis e clérigos entre as duas confissões é constante. Por exemplo, 239 sacerdotes passaram para a Igreja católica após a ordenação das mulheres e, segundo os dados da Igreja católica inglesa, nos últimos cinco anos, 25.000 anglicanos passaram para o catolicismo. Entre estes, algumas personalidades importantes como a duquesa de Kent, esposa de um primo-irmão da rainha da Inglaterra. Chegou-se a murmurar insistentemente que a malograda Diana de Gales também queria se converter, como a sua mãe. Quem deu o passo de retorno a Roma foi o ex-primeiro-ministro Tony Blair.

Porém, se o “caminho a Roma” é frequente entre os anglicanos, o “caminho a Londres” também ocorre. Segundo dados do arcebispado da Cantuária, nos últimos dez anos, cerca de 50 sacerdotes católicos passaram para a Igreja anglicana por divergir da obrigatoriedade do celibato e para poder se casar e formar uma família.

E não apenas padres, mas também teólogos famosos. Como o ex-dominicano Matthew Fox que se converteu ao anglicanismo para “introduzir algo do sentido comum anglo-saxão nos vinte e um séculos de catolicismo”. Ou o ilustre sociólogo da religião belga Karel Dobbelaere, catedrático da Universidade Católica de Lovaina, que mudou para o anglicanismo por discordar da carta apostólica de João Paulo II, “Ordenatio sacerdotalis”, que fechava as portas do sacerdócio católico às mulheres. Uma transferência contínua ente as duas confissões religiosas, que realmente são “irmãs”, a pós-moderna Igreja anglicana e a pré-moderna Igreja católica. Um caminho de ida e volta entre Roma e a Cantuária.

Setenta milhões de seguidores
Criada após o cisma promovido por Enrique VIII, em 1530, para salvaguardar sua independência de Roma, divorciar-se de Catalina de Aragón e se casar com Ana Bolena, a Igreja da Inglaterra desempenha, desde então, o papel de “primus inter pares” dentro da Comunhão anglicana, que engloba as Igrejas de País de Gales, Irlanda e Escócia. São uns dez milhões de fiéis. No restante do mundo, há múltiplas igrejas que também fazem parte da comunhão anglicana, alcançando um total de 70 milhões de fiéis.

A máxima autoridade da comunhão anglicana é a rainha da Inglaterra, que delega seus poderes eclesiásticos ao arcebispo da Cantuária, cuja nomeação é feito pelo Governo entre três nomes apresentados pela própria Igreja.

Descentralizada e democrática, a Igreja anglicana tem uma espécie de Parlamento, o Sínodo, que acontece a cada 10 anos. As moções aprovadas pelo Sínodo, que signifiquem mudanças na Igreja, precisam ser referendadas pelo Parlamento inglês. Vinte e quatro bispos e o arcebispo da Cantuária têm uma cadeira garantida na Câmara em ocasiões protocolares, abstendo-se de intervir em temas relacionados com a política. Nenhuma outra confissão religiosa está representada de forma oficial no Parlamento inglês.

Apesar desta fusão entre Igreja e Estado, os clérigos não recebem subvenção alguma ou ajuda econômica dos cofres estatais. A Igreja anglicana se mantém mediante os recursos que obtém de seus fiéis. Nos últimos anos, diante da escassez de donativos procedentes de seus fiéis, tiveram que vender templos, obras de arte (vários quadros de Zurbarán, por exemplo) ou investir em todo tipo de empresas, como a que comercializa a Viagra.

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