Cerimônia de recepção dos mestres |
A maior parte dos
acontecimentos que se cumpriram no mundo, desde os últimos anos do
reinado de Luís XV, e a maior parte daqueles dos quais nós somos nesse
momento as testemunhas entristecidas, só podem ser explicados de um modo
satisfatório pela ação contínua das sociedades secretas. É o que
tentaremos estabelecer.
Procurando exibir uma
imparcialidade meticulosa, nos limitaremos em invocar o testemunho dos
escritores autorizados da seita, e, pois, somente as afirmações que não
foram objeto de nenhum desmentido.
2º A Franco Maçonaria tem uma finalidade simultaneamente política e social?
3º Quais são os
fatos que podemos imputar à Franco Maçonaria antes e durante a primeira
Revolução francesa, sob o primeiro Império, sob a Restauração, em 1830,
em 1848, em 1852, e depois desta época até os nossos dias?
Tais são as questões que temos que resolver.
Aqueles de nossos leitores que desejarem nos seguir com algum interesse, não tardarão em ver que a Franco Maçonaria não é tão inofensiva quanto se acostumaram a supor. Uma vez mais, eles poderão se convencer da sabedoria da Igreja que soube, desde o princípio, se dar conta rigorosamente das tendências inconfessáveis e vergonhosas desta vasta associação e os chamar à vigilância dos poderes estabelecidos.
Mas, antes de abordar os
diversos pontos que acabamos de indicar, relataremos tão brevemente
quanto possível as origens da Franco Maçonaria. Essas origens são
obscuras, tanto que os próprios iniciados estão divididos sobre esse
ponto. Assim sendo, nosso papel se limitará àquele de um simples
relator.
Noções preliminares
A Franco Maçonaria antes da Revolução de 89
A primeira sociedade
maçônica estabelecida na França não remonta além de 1723. Foi somente
por volta desta época que Derwent-Vaters fundou uma loja em Paris. Em
pouco tempo esta loja reunia mais de seiscentos membros. Com o número de
Francos maçons em constante crescimento, novas lojas não tardaram em se
formar. Segundo Derwent-Vaters, lorde de Harnouester, ele foi o grande
mestre desta loja. O duque d'Antin lhe sucedeu em 1738.
A Maçonaria pode ser dividida em três classes: a Maçonaria hermética, a Maçonaria cabalista, e a Maçonaria eclética.
Cada um desses ramos se distingue do outro por um ensino particular, ainda que sua finalidade seja absolutamente a mesma.
A doutrina dos maçons herméticos está contida completamente nesta passagem de Hermes Trismegisto:
"Tudo é parte de Deus; se tudo é parte de Deus, tudo é Deus. Assim, tudo o que se fez por si mesmo jamais cessará de agir; pois este agente não pode descansar. E como Deus não tem fim, da mesma forma sua obra não tem nem começo nem fim".
Eis o panteísmo com todas suas consequências religiosas e sociais.
Os Maçons cabalistas tomaram emprestado de Manes seu bom e seu mau princípio,
escoltados, cada um, de bons e maus gênios que habitam os planetas e
exercem daí, sobre os humanos, uma influência conforme sua natureza. Os
Maçons Rosa-Cruz e os Martinistas pertencem, em geral, aos Maçons da
Cabala.
Os Francos maçons
ecléticos são aqueles que, após terem passado por todos os graus, não se
ligam a nenhum sistema religioso, mas se formam em uma crença
particular composta de diversos erros tomados emprestados, um pouco em
todo lugar, e reunidos em um corpo de doutrina.
O príncipe de Conti,
tendo sido iniciado, lhe deram o título de grão-mestre, a fim de
escaparem à cólera de Luís XV, que não via com bons olhos essas
novidades perigosas. Seu papel, ademais, se limitou sempre àquele de para-raios, o único que os Maçons podiam lhe confiar sem imprudência.
Entre os sofistas que,
por primeiro, entraram nas lojas, devemos citar Condorcet, Lalande,
Menou, Lafayette, Chapellier, Mirabeau, Dupui, Banneville, Volney,
Fouchet, Bailly, Guillotin, Sieyès, etc.
A aristocracia, que não
sei por qual obstinação fatal, se deixou ir a essa nova corrente. Esses
infelizes filhos da velha e cavalariça nobreza de França viam na
Maçonaria uma primeira experiência de mutualidade, ou, no máximo, uma
sociedade de livres pensadores saída da Regência.
O Grande Oriente,
espécie de escritório central de onde emanavam todas as ordens que os
líderes tinham à transmitir às lojas provinciais, era a alma da
sociedade. O Grande Oriente formava, além do mais, uma espécie de corte
suprema onde se julgavam as contendas da seita. Todo semestre, enviavam
aí as diversas coletas dos irmãos, coletas por meio das quais os
afiliados conseguiram reunir somas consideráveis.
A loja da rua Coq-Héron
era aquela que, depois do Grande Oriente, tinha maior importância.
Sieyès e Condorcet faziam parte dela. O duque de Larochefoucauld era seu
presidente. Acontecendo um dia em que, os olhos do infeliz se abrindo,
ele deixou de ir às reuniões. Sieyès e Condorcert tornaram-se então os
chefes desta loja, onde se reuniam todos os Maçons de vanguarda da
capital.
"O clube da Propaganda, diz Girtaner[1], é muito diferente do clube chamado dos Jacobinos, ainda que todos os dois se misturem frequentemente. Aquele dos Jacobinos é o grande motor da Assembleia nacional. O da Propagada quer ser o motor do gênero humano. Esse último já existia em 1786.
O grande objetivo do clube propagandista é estabelecer uma ordem filosófica, dominante sobre a opinião do gênero humano. Para ser admitido nesta sociedade, é preciso ser partidário da filosofia à moda, ou seja, do ateísmo dogmático, ou mesmo ambicioso, ou descontente com o governo. A primeira coisa requerida, quando da iniciação, é a promessa do mais profundo segredo. Diz-se em seguida que o número de adeptos é imenso; que eles estão espalhados sobre toda a terra; que todos estão continuamente ocupados em descobrir os falsos irmãos para se livrarem deles e se desfazer daqueles que traíram o segredo. O aspirante deve prometer de não ter nada de escondido para seus irmãos, de defender sempre o povo contra o governo, de se opor constantemente a toda ordem arbitrária, de fazer tudo o que depender dele para introduzir uma tolerância geral de toda religião.
Há nesta sociedade dois tipos de membros: os contribuintes e os não pagantes. Os primeiros fornecem pelo menos três luís (moeda antiga) de ouro por ano, e os ricos dobram a contribuição. O número dos pagantes é de aproximadamente cinco mil: todos os demais se engajam em propagar por toda parte os princípios da sociedade e a tender sempre a seu objetivo. Esses últimos são pelo menos cinquenta mil.
Em 1790, havia, no caixa da Ordem, vinte milhões de libras, em espécie; segundo as atas, devia haver dois milhões a mais antes do fim de 1791.
Não se poderia negar, dizem os adeptos, que a opressão sob a qual vivem os homens não seja terrivelmente bárbara. Cabe à luz filosófica despertar os espíritos, difundir o alarme contra os opressores. Isso uma vez feito, basta apenas esperar o momento favorável, aquele onde os espíritos estarão geralmente dispostos a abraçar o novo sistema, que será preciso, então, pregar ao mesmo tempo em toda Europa. Se houver opositores, será preciso ganhá-los ou pela convicção ou pela necessidade. Se eles se mantiverem em sua oposição, será preciso tratá-los como eles tratam os judeus, e lhes recusar por toda parte o direito de burguesia".
Eles organizaram, algum tempo antes da Revolução, uma loja maçônica cujos membros se deram o nome de Amigos dos Negros.
Sob pretexto de trabalhar pela abolição da escravidão, os líderes desse
novo conciliábulo procuraram organizar o movimento insurrecional que
eles cogitaram. Para conseguir isso mais seguramente, eles chamaram
junto deles todos os descontentes da época. Sua escolha não foi sempre
exitosa, e, entre os homens que eles se associaram, houve aqueles que
recusaram aceitar seus princípios. Decisão errada, pois os Franco Maçons
não cessaram de persegui-los em sua vingança. O marquês Beaupoil de
Saint-Aulaire nos deixou, sobre esse assunto, alguns detalhes dos mais
instrutivos:
"Eu sei, escreve ele, que depois de minha abdicação, a sessão girou sobre os meios de me punir pelo o que eles chamaram traição. Os conselhos eram violentos; Mirabeau só consentiu pelos meios de me desacreditar pela calúnia, de me fazer olhar como um homem perigoso, e sobre a fé de quem não se é capaz de se confiar. Carra e Gorsas se encarregaram da comissão; suas penas temperaram as calúnias com os ataques mais violentos contra mim. Quando o tempo das proscrições chegou, meu nome se achava no topo de todas as listas das pessoas a massacrar".O Comitê regulador ou Amigos dos Negros passava suas deliberações ao Grande Oriente que as dirigiam, por sua vez, aos veneráveis das Lojas provinciais. As primeiras instruções que esses últimos receberam estavam acompanhadas de uma carta do qual meus leitores vão gostar de conhecer o texto:
"Logo que tiverdes recebido o pacote aqui junto, acusareis a recepção. Anexe aí o juramento de executar fielmente e pontualmente todas as ordens que vos chegarão sob a mesma forma, sem se preocupar em saber de qual mão elas partem nem como elas vos chegam. Se recusardes esse juramento, ou se faltardes com ele, sereis visto como tendo violado aquele que fizestes em vossa entrada na Ordem dos Irmãos. Lembrai-vos do Aqua Tophana (o mais eficaz dos venenos). Lembrai-vos dos punhais que atingem os traidores".
Até então os
Francos-Maçons eram recrutados nas classes mais inteligentes da
sociedade. Eles eram, a esse respeito, iniciados como os filósofos.
Mas tinha chegado o momento de considerar o povo. Para assegurar o triunfo do ateísmo e agitar o mundo, as teorias não bastam; é preciso, à vontade perversa dos inovadores, braços que a socorram.
Agricultores e artesãos foram alistados pelos adeptos e moldados, no segredo das lojas, para a obra sangrenta que os sofistas meditavam há tanto tempo. Nesse meio tempo, uma nova força veio se juntar aos filósofos e à Franco Maçonaria; quero falar dos Iluminados da Alemanha, uma das seitas mais perigosas que o gênio do mal gerou.
Eis o que diz Blumenhagen:
"Um professor, chamado Adam Weisshaupt, fundou, na Baviera, a Ordem dos Iluminados: a luz, na acepção mais entendida da palavra, era sua finalidade confessa. Mas o monstro só tinha por inconstante segredo, o egoísmo e a sede da dominação; seu anão maldito era apenas a revolução sob o manto da filosofia. Sem ser Maçons no princípio, os iluminados souberam se apoderar da maioria das Lojas; os maçons mais estimados se orgulharam do título de Iluminados; até que o governo, com uma sábia severidade, rasgou os véus de seus mistérios, antecipou a execução de seus projetos sinistros, e expulsou os adeptos em um país vizinho, onde suas tochas infernais souberam encontrar um alimento à combustão e uma segurança mais completa. Foi rumo à França que esta expedição dos Argonautas se dirigiu; mas, no lugar de matar um dragão e conquistar o velo de ouro da liberdade espiritual, esses homens, tão orgulhosos de sua celebridade, se entregaram à incubação de uma ninhada de dragões. Como uma tropa de animais carniceiros, seus dignos rebentos se espalharam sobre a superfície do mundo, e encheram a terra de horrores e de crimes desconhecidos até então.
Nenhum lugar foi abusado tanto quanto esse país pela Franco Maçonaria. Antes ela era reduzida, por seus malabarismos grosseiros, ao papel de um charlatão; seu espírito era encharcado em trinta e alguns graus de cavaleiros; seu fim era somente a impostura e a cupidez mais sórdida. Mas vimos no jacobinismo e no terrorismo, um fratricida Egalité e um Robespierre, bebedores de sangue. Nós os vimos, em altares infames, substituírem o maço (espécie de marreta) do mestre pelo machado do carrasco; nós os ouvimos pregar o regicídio e o ateísmo.
O Cavaleiro do punhal que, do tempo dos Stuarts, era, na Itália e na França, o mais alto grau da Ordem, pôde exercer realmente suas funções execráveis; os Irmãos que, nas Lojas, tinham sido instruídos a transpassar pelo ferro um manequim colocado em uma gruta, mostram à luz do dia o destino que eles optaram, e exterminam com a submissão de um aluno mórbido[2]".Blumenhagen fala em seguida da Espanha e da Itália. Ele confessa que no primeiro desses dois reinos, a Franco Maçonaria ultrapassou os limites que ele deveria ter respeitado. Depois, ele acrescenta:
"Os últimos acontecimentos que se realizaram na Itália apresentam um contraste desolador. Com qual finalidade dissimulamos a nós mesmos que os Carbonários são os filhos perversos da Maçonaria, e que suas lojas, repletas de um distúrbio selvagem, estão apoiadas sobre nossos templos como a noz sobre o nobre carvalho[3]".
[1] Girtaner era membro desta loja. Suas informações devem ser, portanto, exatas.
[2] Guill. Blumenhagen. La Maçonnerie et l'État.
[3] Ibid..
La Franc-Maçonnerie, révélations d'un Rose-Croix a propos des événements actuels.
Retirado do excelente blog Annales Historiae
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