[Zelosíssimo]
Santo Afonso Maria de Ligório (27/09/1696 – 02/08/1787) Doutor Zelosíssimo da Igreja |
« Levá-lo-ei ao deserto e lhe falarei ao coração »
Quanto importa seguir a vocação para a vida religiosa. (Os 2,14)
“Na antiga Lei, os israelitas eram o povo eleito e querido de Deus,
em oposição aos egípcios; e na Lei nova o mesmo se dá com os religiosos
em relação aos seculares. Como os israelitas saíram do Egito, terra de
trabalhos e escravidão, onde Deus não era conhecido; assim os
religiosos saem do mundo, que paga seus servidores com amarguras e
enfados, e onde Deus é pouco conhecido; assim os religiosos saem do
mundo, que paga seus servidores com amarguras e enfados, e onde Deus é
pouco conhecido. Assim como os israelitas, no deserto, foram guiados à
terra da promissão por uma coluna de fogo, assim também os religiosos
são conduzidos pela luz do Espírito Santo no caminho de sua vocação ao
estado religioso, que muito se assemelha à terra prometida.
Notemos que o estado religioso é semelhante não só à terra prometida,
que figurava o céu, mas ainda ao mesmo céu. Com efeito, no céu não há
desejos das riquezas terrenas, nem dos prazeres dos sentidos, nem da
própria vontade; e no estado religioso, os votos de pobreza, castidade e
obediência fecham a porta a essas cobiças perniciosas.
No céu não há outra ocupação que louvar a Deus; e o mesmo se dá no
estado religioso, onde tudo que se faz se refere ao louvor de Deus. No
Céu, enfim, goza-se de uma paz contínua, porque os bem-aventurados
encontram em Deus todos os bens; e no estado religioso, onde não se
busca senão a Deus, encontra-se aquela paz que excede todas as delícias e
satisfações que o mundo pode oferecer.
Depois do batismo, a vocação ao estado religioso é a maior graça que
Deus pode fazer a uma criatura, razão por que se deve estimar o estado
religioso mais que todas as grandezas e todos os reinos do mundo.
É verdade indiscutível que a nossa eterna salvação do estado. O Padre
Granada chamava à eleição do estado a roda mestra da vida. Assim como
nos relógios descentrada a roda mestra, anda mal todo o relógio; assim
também no negócio da salvação.
Na eleição do estado, se queremos assegurar a salvação eterna, é
mister que sigamos a vocação divina, pois só assim nos concede Deus o
auxílio necessário para alcançar a bem-aventurança.
E esta asserção é corroborada por São Cipriano de Cartago que afirma:
« A virtude do Espírito Santo não é dada segundo o nosso arbítrio, mas
segundo a sua vontade ». Por isso diz São Paulo: “Cada um recebe de
Deus o próprio dom” (I Cor 7,7). E isto quer dizer, como explica
Cornélio a Lápide, que Deus talha a cada um a sua vocação e lhe
assinala o estado em que o quer salvar.
Esta doutrina conforma-se perfeitamente com a ordem da predestinação
descrita pelo mesmo Apóstolo: “E aos que predestinou, a esses também
justificou” (Rm 8,30). Forçoso é admitir que o problema da vocação no
mundo é pouco compreendido por alguns; parece-lhes que é o mesmo viver
no estado por inclinação própria. É por esse motivo que tantos levam
vida desordena e se condenam. É, porém, matéria que não sofre
discussão: a eleição do estado é o ponto cardeal para a conquista da
vida eterna. A vocação sucede a justificação, à justificação a
glorificação, isto é a vida eterna. Quem altera esta ordem e desfaz
esta cadeia, não se salvará! No meio de todas as fadigas e trabalhos a
que se sujeitar, ouvirá sempre a voz de Santo Agostinho a lhe dizer:
“Corres bem, mas fora do caminho”; quer dizer, não vai pelo caminho por
onde Deus queria que fosses para alcançares a salvação.
O Senhor não aceita os sacrifícios que lhe são oferecidos segundo a
vontade própria. Mas a Caim e seu presente não viu com bons olhos (Gn
4,5). Mais ainda: O Senhor comina severos castigos aqueles que voltam as
costas aos seus chamamentos para seguirem os conselhos da própria
inclinação.
Ai dos filhos rebeldes! Declara o Senhor. “Querem realizar um desígnio mas não o meu” (Is 30,1)
Ai dos filhos rebeldes! Declara o Senhor. “Querem realizar um desígnio mas não o meu” (Is 30,1)
É que o chamamento a um estado de vida mais perfeito é graça especial
e muito grande que Deus não faz a todas as almas; razão tem, pois, de
se indignar contra quem o despreza. Não se sentiria ofendido um
príncipe que, convidando um vassalo a servi-lo de mais perto, a ser seu
privado, recebesse dele uma recusa? E Deus não se ressentirá?
Ressente, sim, e ameaça, como se lê em Isaías (Is 45,9): “Ai daquele
que litiga com o Criador”. A palavra Ai significa na Escritura perdição
eterna. Começará já nesta vida o castigo do desobediente; viverá
sempre inquieto, como diz Jó: “Quem se lhe opôs que se saísse ileso?”
(Jo 9,4).
Ver-se-á, além disso, privado do auxílio abundante e eficaz para viver bem.
São do mesmo parecer São Bernardo, São Leão Magno e São Gregório
Magno, escrevendo ao imperador Maurício, que por édito proibira que os
soldados entrassem em religião, lhe disse desassombradamente que
praticava uma injustiça, pois a muitos fechava as portas do paraíso, os
quais no estado religioso se salvariam e ficando no século se
perderiam.
É célebre o caso narrado pelo Padre Lancício. No colégio romano
estava fazendo os exercícios espirituais um jovem de grande talento.
Uma das perguntas que fez ao seu confessor foi se era pecado não
corresponder à vocação religiosa. Respondeu-lhe o confessor que em si
não era pecado grave, porque se tratava de um conselho e não de um
preceito; mas que era por em grande perigo a salvação eterna, como
acontecera a tantos que, por não ouvirem o chamamento de Deus, se
condenaram. Assim o fez este jovem. Foi continuar seus estudos em
Macerata, onde dentro em pouco, começou a deixar a oração e a comunhão,
acabando por se entregar à vida desregrada. Não tardou muito que, ao
sair da casa de uma mulher sem vergonha, fosse ferido de morte por um
rival. Acorreram alguns sacerdotes, mas ele morreu, mesmo diante do
colégio, antes que eles chegassem. Com essa circunstância quis Deus dar
a conhecer que o castigo lhe adviera precisamente por ele ter
desprezado sua vocação.
É notável também a visão que teve um noviço, ao qual como refere o
Padre Pinamonti no tratado sobre A Vocação Triunfante – quando meditava
sair da religião, Jesus Cristo se lhe mostrou indignado no seu trono e
mando riscar o seu nome do livro da vida…
Ele, aterrado, resolveu permanecer na religião. E quantos outros
exemplos semelhantes andam narrados nos livros? E quantos míseros jovens
não veremos nós condenados no dia do Juízo, por não terem obedecido à
sua vocação?
A estes tais, como a rebeldes às luzes divinas, segundo diz o Espírito Santo: “Eles formam parte dos rebeldes à luz, não conheceram os caminhos” (Jo 24,13), é justamente infligido o castigo de perderem a luz. Porque não quiseram caminhar pelo caminho que o Senhor lhes tinha marcado, e meteram pelo que lhes apontava a sua inclinação sem as luzes do Espírito Santo, perderam-se. Eu vos comunicarei o meu Espírito, isto é, a vocação, mas porque faltaram a ela, acrescenta Deus: Mas visto que vos chamei, e vós não quisestes ouvir-me, visto que estendi a minha mão e ninguém presta atenção; e tendes desprezado todos os meus conselhos e não quisestes a minha admoestação; também eu rirei do vosso infortúnio e zombarei quando sobrevier o espanto (Pr 1,23-26). Isto quer dizer que Deus não ouvirá a voz de quem desprezou a sua. Afirma Santo Agostinho: “Os que desprezaram a vontade de Deus que os convidava sentem a vontade de Deus que se vinga”.
A estes tais, como a rebeldes às luzes divinas, segundo diz o Espírito Santo: “Eles formam parte dos rebeldes à luz, não conheceram os caminhos” (Jo 24,13), é justamente infligido o castigo de perderem a luz. Porque não quiseram caminhar pelo caminho que o Senhor lhes tinha marcado, e meteram pelo que lhes apontava a sua inclinação sem as luzes do Espírito Santo, perderam-se. Eu vos comunicarei o meu Espírito, isto é, a vocação, mas porque faltaram a ela, acrescenta Deus: Mas visto que vos chamei, e vós não quisestes ouvir-me, visto que estendi a minha mão e ninguém presta atenção; e tendes desprezado todos os meus conselhos e não quisestes a minha admoestação; também eu rirei do vosso infortúnio e zombarei quando sobrevier o espanto (Pr 1,23-26). Isto quer dizer que Deus não ouvirá a voz de quem desprezou a sua. Afirma Santo Agostinho: “Os que desprezaram a vontade de Deus que os convidava sentem a vontade de Deus que se vinga”.
Portanto, quando Deus chama ao estado mas perfeito, quem não quiser
pôr em grande perigo a salvação eterna, tem que obedecer e sem demora.
De outro modo, ouvirá de Jesus Cristo as reprovações e censuras que
ouviu o jovem que, ao ser convidado a segui-Lo disse: “Seguir-te-ei
Senhor; mas primeiro permite-me ir-me despedir dos de minha casa”. E
Jesus respondeu-lhe que não estava talhado para o paraíso: “Ninguém que
pôs a sua mão ao arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus”
(Lc 9,62). As luzes de Deus são passageiras e não permanentes; donde
veio a dizer São Tomás de Aquino que o chamamento divino para vida mais
perfeita deve ser correspondido o mais depressa possível. Debate ele
na sua Suma Teológica a questão se se deve entrar em religião sem ouvir
o parecer de muitos e sem longa deliberação. E responde dizendo que o
conselho e a deliberação são necessários nas coisas duvidosas, mas
nesta não que é de certo boa, visto que a aconselhou o próprio Jesus no
Evangelho; a vida religiosa é o compêndio dos conselhos de Jesus
Cristo.
Caso bem estranho! A gente do mundo quando se trata de alguém que
deseja entrar em religião para levar vida mais perfeita e mais segura
nos perigos de se perder, dizem que tais resoluções necessitam muito
tempo de deliberação antes de se porém em prática, para se certificar
se a vocação vem de Deus e não do demônio. Mas já não falam assim,
quando se trata de aceitar uma magistratura, um bispado, por exemplo,
onde se correm tantos perigos de se perder. Então já não dizem que são
precisas muitas precauções para se certificar se aquela é a verdadeira
vocação de Deus. Não é esta a linguagem dos santos. São Tomás de Aquino
diz que, ainda que a vocação religiosa viesse do demônio, deve
abraçar-se como se abraça um bom conselho, mesmo que venha de um
inimigo. E São João Crisóstomo, citado pelo mesmo Santo Doutor, afirma
que Jesus Cristo quando chama, quer tal obediência de nós, que não
demoremos um só instante em segui-Lo (Hom. 14 in Math).
E porque? Porque Deus, quanto mais se compraz em ver a prontidão com
que é obedecido, tanto mais abre as mãos e enche de bênçãos a quem
assim procede. Pelo contrário, quanto maior for a demora em acudir ao
Seu chamamento, menor será a sua generosidade e mais se afastará com as
suas luzes. De modo que o chamado dificilmente seguirá a sua vocação e
facilmente a abandonará.
Tudo isto levou São João Crisóstomo a dizer que o demônio quando não
consegue dissuadir alguém da resolução de se consagrar a Deus, procura
ao menos fazer com que ele difira a execução e tem por grande ganho,
quando obtêm a dilação de um dia, de uma hora, se alcança ao menos um
breve adiamento (Hom. 56, ad pop. Ant.) É que depois de um dia, depois
de uma hora, mudando as ocasiões, confia que lhe será menos difícil
lograr mais tempo, confia que a alma enfraquecida e menos ajudada da
graça ceda de todo e abandone a vocação.
Com estes adiamentos, a quantas almas chamadas por Deus não logrou o
inimigo fazer perder a sua vocação! Por esse motivo aconselha São
Jerônimo a quem é chamado a abandonar o mundo, nestes termos:
“Apressai-vos, suplico-vos, e, em lugar de desatar as amarras que vos
prendem ao fundo da barca, cortai-as” (Ad Paul.).
Quer o Santo dizer que, assim como quem se encontrasse preso num
barco que estivesse a submergir-se trataria de cortar as amarras e não
de as desatar; assim também, quem está no meio do mundo, deve procurar
cortar o mais depressa possível os laços que a ele o prendem e unem,
para fugir quanto antes do perigo de perder-se, que lá é tão fácil.
Vejamos o que escreve São Francisco de Sales nas suas obras acerca
das vocações religiosas, porque tudo ajudará a corroborar o que levamos
já dito e o que adiante acrescentaremos.
Para ter sinal seguro da verdadeira vocação, não é mister constância a
firmeza que seja sensível, basta que essa constância e firmeza existam
na parte superior do espírito; donde não se há de julgar como não
verdadeira vocação se, quem foi chamado, antes de se desligar do mundo,
deixou de experimentar aqueles afetos e consolações que experimentava
ao princípio, chagando até a ver-se invadido de tal repugnância e
arrefecimento, que o fazem às vezes vacilar e crer que tudo está
perdido. Basta que a vontade fique firme e não abandonar o chamamento
divino. Não é preciso mais do que a permanência certa da afeição à
vocação religiosa.
Para saber se Deus quer que uma alma abrace a vida religiosa, não é
preciso esperar que Ele próprio lhe fale ou mande do Céu um anjo
anunciar-lhe a sua vontade. Nem, muito menos, é necessário que se
submeta a um exame de dez doutores, para decidir se a vocação é para ser
seguida ou não; o que importa é corresponder e cultivar o primeiro
movimento de inspiração divina e não desanimar-se e aborrecer-se, se
sobrevierem desgostos e arrefecimentos; procedendo assim, Deus se
encarregará de que redunde tudo para Sua maior glória.
Não há porque preocupar-se como de onde parte a inspiração: O Senhor
tem muitos meios de chamar os Seus servos. Umas vezes, serve-se de um
sermão, outras da leitura de bons livros. A alguns chama-os quando ouvem
a palavra do Evangelho, como vez a Santo Agostinho e a São Francisco
de Assis.
Para com outros, serve-se das aflições e trabalhos que lhes traz o
mundo, dando-lhes assim motivo para o deixarem. Ainda que venham para a
vida religiosa desavindos com o mundo, nem por isso deixam de se
entregar a Deus com franca devoção e vontade, e muitas vezes sucede que
atingem mais alto grau de santidade que aqueles que vieram por vocação
mais manifestada.
Conta o padre Pratti que um gentil homem montava um dia um belo e
fogoso cavalo e procurava dar provas de bom cavaleiro, para agradar à
dama a quem cortejava. Ora, sucedeu que numa dessas proezas de
cavalaria foi cuspido do cavalo abaixo, caiu no lodo e levantou-se todo
sujo e enlameado. Foi tal a sua confusão e vergonha, que naquele mesmo
instante resolveu entrar na vida religiosa « ó mundo traidor, – disse
ele de si para consigo, – tu fizeste pouco de mim, também eu vou fazer
pouco de ti; fizeste-me uma partida, farte-ei outra; não voltarei a
fazer as pazes contigo. Vou-te abandonar imediatamente e fazer-me
religioso ». De fato entrou em religião e nela vive santamente.
Meios para conservar a Vocação
De modo que quem deseja obedecer à vocação divina, é preciso não só
que se resolva a segui-la, mas também a segui-la sem demora e quanto
antes para se não expor a perdê-la.
Supondo, porém, que circunstâncias especiais o obriguem a esperar,
deve conservá-la com toda a diligência como a jóia mais preciosa que
tivesse.
São três os meios para conservar a vocação:
Segrego, oração e recolhimento.
Segrego, oração e recolhimento.
1º – Do Segredo
Antes de mais nada e de modo geral, é necessário guardar segredo para
com todos a respeito da vocação, menos com o padre espiritual, visto
que, ordinariamente, as pessoas do século não tem escrúpulo nem se
coíbem de dizer aos pobres jovens, chamados ao estado religioso, que em
toda parte, até no mundo se pode servir a Deus. O que é mais para
estranhar é que semelhantes asserções saiam às vezes da boca de
sacerdotes, e até de religiosos que, ou entraram em religião sem vocação
ou não sabem o significado dessa palavra. É bem verdade que em todo
lugar pode servir a Deus quem não é chamado para a vida religiosa; mas
quem o é e quer ficar no mundo por seu capricho, dificilmente, como foi
demonstrado acima, levará vida regrada e servirá a Deus.
De modo especial, é mister ocultar a vocação aos parentes. Já Lutero
era de opinião, como refere Belarmino (Contr. 2 Tom. de manarch, cap.
36, nº 1), que os filhos pecavam entrando em religião sem consentimento
de seus progenitores. Dava como fundamento que os filhos são obrigados
a obedecer-lhes em tudo. Tal opinião tem sido comumente refutada pelos
concílios e pelos Santos Padres.
O décimo Concílio de Toledo no último capítulo diz expressamente que é
permitido aos filhos entrarem em religião, desde que tenham
ultrapassado os anos da puberdade: “Aos pais será permitido negar aos
seus filhos a licença para entrarem em religião até aos 14 anos de
idade. Passados os 14 anos, poderão os filhos abraçar licitamente o
estado religioso, quer por vontade de seus pais, quer por eleição
espontânea”.
O mesmo se prescreve no Concílio Tibutirno (can. 24). Esta é a
doutrina de Santo Ambrósio, São Jerônimo, Santo Agostinho e São
Bernardo. É assim que diz São Tomás e outros, servindo-se das palavras
de São João Crisóstomo: “Quando os pais impedem o bem espiritual nem
sequer se devem consultar” (Hom 84 – in Joan).
Não deixa de haver quem opine que, no caso de um filho chamado por
Deus para o estado religioso poder fácil e seguramente obter o
consentimento dos seus progenitores, sem correr o perigo de que eles
lhe impeça a vocação, seria de aconselhar pedir-lhes a benção. Esta
doutrina especulativamente sustentável, na prática acarreta
ordinariamente perigos. É ponto que precisa de ser muito bem aclarado
para tirar a alguns certos escrúpulos farisaicos. É doutrina assente
que na eleição de estado os filhos não são obrigados a obedecer aos
pais.
Assim o ensina comumente os doutores como São Tomás nos termos
seguintes: Quando se trata de contrair matrimônio ou de guardar
castidade ou de matéria semelhante, nem os criados são obrigados a
obedecer aos amos, nem os filhos a seus pais.
No que toca ao estado conjugal, o padre Pinamonti no seu tratado
sobre A Vocação Religiosa, é do parecer de Sanchez, de koning e de
outros teólogos, os quais defendem que o filho é obrigado a pedir
conselho a seus pais, pois que nesta matéria eles, sendo mais idosos,
tem maiores experiências do que os jovens, e, em assuntos destas
natureza, não se esquecem de que são pais.
Mas na questão da vocação religiosa, ajunta avisadamente o mencionado
padre Pinamonti, que o filho não é de modo nenhum obrigado a tomar o
conselho de seus pais, porque, neste assunto, eles não tem nenhuma
experiência, e, por mal entendido interesse, se convertem comumente em
inimigos. Como adverte ainda São Tomás ao falar expressadamente da
vocação: Muitas vezes aos amigos segundo a carne opõe-se ao nosso
proveito espiritual. (2. 2 qu.189 art. 10). Mas querem os pais que os
filhos se condenem junto deles do que se salvem, tendo que os deixar
seguir o chamamento de Deus. Este procedimento arrancou a São Bernardo a
severa exclamação: Oh pai cruel e mãe desnaturada, cuja consolação é a
morte do filho, que preferem que morra com eles a que reine sem eles.
(Epist. III)
Deus, diz um grande autor, quando chama uma alma para a vida
perfeita, quer que ela se esqueça de seu pai, e assim lho faz sentir:
ouve, filha, olha; aplica o teu ouvido; esquece do teu povo e a casa
paterna (Ps. 44,II). Com esta exortação, ajunta o citado autor, nos
adverte portanto, o Senhor e no seguir da vocação religiosa, não tem
que intervir o conselho dos pais. Aqui deixo as suas palavras textuais:
Se Deus quer que uma alma que Ele chama para si esqueça os pais e a
casa paterna, dá a entender com isso que essa alma, chamada por Ele
para a religião, não deve fazer entrar o conselho de seus amigos
carnais e parentes na execução de tal vocação. (In S.Th. 9,189).
São Cirilo, ao explicar a advertência de Jesus Cristo ao jovem do
Evangelho: Ninguém que meteu a mão ao arado e olha para trás está
talhado para o reino do Céu (Lc 9,62), afirma que quem está à espera de
tempo para cuvir o parecer de seus parentes acerca da sua vocação, esse
é precisamente aquele que Senhor declara inapto para o Céu: Olha para
trás quem procura dilação para ter oportunidade de consultar os
parentes. Nisto se funda São Tomás quando adverte aos chamados para a
vida religiosa que se precavenham de se aconselharem com os seus
parentes sobre a vocação. Dá consulta esse assunto, em primeiro lugar,
se deve afastar os parentes.
Aconselha-se que se discutam os nossos interesses com os amigos. Ora,
os parentes, neste caso, não são amigos, mas antes inimigos segundo a
asserção do Senhor: Os inimigos do homem são os parentes.
Se para seguir a vocação seria grande perigo pedir conselho aos pais,
esse perigo subiria de ponto se se espera-se obter a sua licença
quando se tentasse alcançá-la, porque tal diligência não poderá
fazer-se sem correr o risco de perder a vocação, no caso de se prever
que eles se empenhem em pedi-la.
E a verdade é que os Santos quando foram chamados a deixar o mundo,
partiram de suas casas sem o comunicar aos seus pais. Assim o fizeram
São Tomás de Aquino, São Francisco Xavier, São Felipe Neri, São Luis
Beltrão. E sabemos que o Senhor aprovou estas fugas gloriosas.
São Pedro de Alcântara, fugiu a sua mãe, debaixo cuja obediência
ficara depois da morte de seu pai, para entrar num mosteiro. Tendo que
atravessar um rio encomendou-se a Deus e de repente viu-se transportado
para outra margem.
De igual modo Santo Estanislau Kostka, tendo fugido de casa paterna, o
irmão partiu de carroça em sua perseguição. Quando estava próximo a
alcançá-lo, os cavalos estacaram e, por mais que o chicotassem, não
conseguiram que eles dessem um passo em frente. Voltados que foram em
direção à cidade, partiram à desfilada.
A beata Orinja de Valdarno na Toscana, prometida por seu pai como
esposa a um jovem, fugiu também da casa de seus pais. No seu caminho
teve de atravessar o rio Arno. Chegada que foi diante dele, fez uma
breve oração; viu separarem-se as água diante dela, formarem-se como
dois muros de Cristal, entre os quais pode passar a pé enxuto.
Por conseguinte, irmão caríssimo, se Deus nos convida a deixar o
mundo, tende muito cuidado de não dar a conhecer a vossa resolução a
vossos pais. Contentai-vos com ser abençoados por Deus e procurai pô-la
em execução, o mais previamente que puderes, sem que eles, o saiba, se
não o quereis expor-vos ao perigo de perder a vossa vocação.
Como já salientamos, ordinariamente, os parentes, e até mesmos os
pais contraíram a execução do chamamento para a vida religiosa. Chega a
suceder, que pais, aliás tementes a Deus e piedosos, se deixam cegar
pelo interesse e a paixão a ponto de não terem escrúpulo de impedir, sob
vários pretextos e por todos os meios, a vocação dos filhos.
Lê-se na vida do padre Paulo Segneri Junior e sua mãe, senhora de
muita oração, não deixou pedra por mover para obstar à vocação
religiosa de seu filho.
O mesmo fato se refere na vida de Monsenhor Cavalieri, bispo de
Tróia, cujo pai, ainda que senhor de muita piedade, tentou por todos os
modos impedir que seu filho entrasse (como de fato entrou) na
Congregação dos pios operários, indo ao ponto de instaurar um processo
no Tribunal Eclesiástico.
E quantos outros pais e mães, apesar de serem pessoas devotas e de
oração ao tratar-se da vocação de seus filhos se transformam como se
tivessem possessas do demônio!
É que o inferno para nenhuma outra se arma de ponto em branco, como
para impedir a entrada na vida religiosa aqueles que para ela são
chamados.
Por isso, repito, tende muito cuidado em não comunicar a vossa
vocação aos amigos, os quais não terão escrúpulos, se não de vos
aconselhar, ao menos de publicar, o segredo, de modo que os vossos
facilmente chegaram aos conhecimento de vossos intentos.
2º- Da oração
Em segundo lugar, é preciso não esquecer que a vocação religiosa apenas por meio da oração se pode conservar.
Quem largar a oração, largará também certamente a vocação. É negócio
que requer oração. Por isso, quem se sente chamado por Deus para a vida
mais perfeita, nunca deixe de fazer uma hora de oração pela manhã, ou
ao menos, meia hora em casa ou na igreja se em casa não puder ter o
recolhimento preciso; e outra meia hora antes de se recolher. Não omita
de modo nenhum a visita diária ao santíssimo Sacramento e a Maria
Santíssima para obter a perseverança na vocação. Comungue três ou, ao
menos, duas vezes por semana. O ponto na meditação seja quase sempre a
vocação, considerando como fui grande a graça que Deus lhe fez chamando,
quanto assegura mais a salvação eterna, se lhe obedecer com
fidelidade; em que perigo se põe, pelo contrário, se lhes não obedece.
Ponha muito especialmente diante dos olhos a hora da morte, e considera
a alegria e a satisfação que então sentirá de ter ouvido a voz de Deus
e a pena e remorsos que o hão de torturar, se acabar seus dias no
século. Com este propósito ajuntaremos no fim algumas considerações
sobre as quais se poderá fazer a oração mental.
Necessário é, por tanto, que todas as orações feitas a Jesus e a
Maria, muito principalmente depois da comunhão e durante a visita ao
Santíssimo, tenham por fim alcançar a santa perseverança. Quer na
oração, quer na comunhão, renovai sempre a doação de vós mesmos a Deus,
com essa fórmula: Eis me aqui, Senhor, já não sou meu, sou vosso. Já me
entreguei a Vós, a Vós de novo me torno a entregar. Aceitai-me e
dai-me força para Vos ser fiel e para me retirar quanto antes para a
vossa santa casa.
3º- Do Recolhimento
Em terceiro lugar é necessário o recolhimento e este não se pode ter
sem nos retirarmos do trato e divertimentos mundanos. Que é que nos
pode enquanto estamos no século, fazer perder a vocação? Um nada.
Bastará um dia de diversões: o embuste de um amigo, uma paixão mal
dominada, uma afeição desordenada, um temor vão, uma tristeza não
vencida. Tudo isto bastará, repito para fazer perder a resolução tomada
de retirar-se do mundo e dar-se todo a Deus. Por isso, impõe-se a
necessidade de um recolhimento total de um desprendimento de tudo o
quanto seja o mundo.
Neste tempo outra não deve ser a vossa ocupação que a oração, a
freqüência dos Sacramentos, a casa e a igreja. Quem assim não proceder e
se entregar a passa tempos e diversões, tem que se convencer de que
perderá a vocação. Ficará com remorsos de a não ter seguido, mas de
certo a não seguirá. Quantos por desprezarem este conselho – de se
entregar ao recolhimento – perderam a vocação e com ela a alma.
Fonte: A vocação Religiosa, Estimulo a um religioso para o avançar na
perfeição de seu estado – por – Santificado Santo Afonso Maria de
Ligório
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