Do Nascimento ao Triunfo
1. O terreno onde a semente foi plantada
Há quase dois mil
anos, o mundo mediterrâneo era controlado por Roma. O Grande Império se
estendia da Síria até Portugal, das Ilhas Britânicas até o Egito.
Fundado pelo gênio de Otávio Augusto, que soube concentrar em suas mãos o
poder sem destruir as aparências da República, o Império vivia, no
início da nossa era, um período de paz e prosperidade (Pax Romana).
O helenismo, a influência dos costumes e do pensamento gregos sobre o
mundo mediterrâneo, estimulava o gosto pelas coisas espirituais
(estoicismo, platonismo). Uma grande efervescência religiosa atingia
todas as camadas da sociedade. O panteão romano, retocado pelo Olimpo
grego, conservava seu prestígio e contava com inúmeros fiéis devotos.
Mas existiam outras correntes se desenvolvendo. Pregadores anunciavam
seus deuses em cada canto do Império. Vindos do Egito, através de
Alexandria, chegavam os mistérios de Ísis e de Serápis. Os fenícios
adoravam seus baalins. Em Roma, havia o culto sensual da deusa Cibele,
mãe de Pessinonte. O orfismo afirmava a existência de mediadores entre
Deus e os homens - para os pitagóricos, um Logos. As almas mais
inquietas e sedentas de eternidade se voltavam para Mitra, o deus-sol
dos arianos, cujo culto se fortalecia com a astrolatria caldéia. Uma
enorme diversidade de sincretismos e superstições pululava por toda a
parte.
Trazido do Oriente, desenvolvido pelos sucessores de Alexandre Magno,
o culto ao soberano se implantou no Império. Quando morria um
imperador, logo surgia um culto oficial à sua divindade. Nas províncias
orientais, o imperador era adorado ainda em vida.
No meio dessa babel de crenças, um povo fazia questão de manter-se
fiel a um só Deus, fugindo de toda contaminação pagã. Na Diáspora ou na
Palestina, o pequeno povo de Israel jamais havia esquecido a fé dos
antepassados, Abraão, Isaac e Jacó, e de como Yahweh os tinha libertado
da escravidão no Egito. Tinha consciência do seu status superior, de ser
uma raça escolhida e predestinada por Deus, herdeira das promessas
divinas.
Entre Yahweh e o seu povo havia um laço, a Torá, a Lei que Moisés
recebera no monte Sinai e que tinha de ser observada zelosamente. A Lei
era uma coletânea de preceitos éticos e religiosos fixados em um
conjunto de cinco livros sagrados, o Pentateuco. Ao lado do Pentateuco
existiam outros livros, de cunho histórico, profético, poético,
salmos... A sua coleção formava as Escrituras Sagradas do judaísmo.
Na época de Jesus ainda não havia um cânone fixo das Escrituras. Só
depois, no final do século III, surgirá uma definição mais rigorosa. Ao
lado dos livros, havia entre os judeus uma tradição oral, transmitida de
pai para filho. O sinédrio, tendo a frente o sumo sacerdote, e os
escribas, era o responsável pela guarda da Lei. Jerusalém, a cidade
sagrada, e seu templo, eram o centro da religiosidade dos judeus.
Fora da Palestina, o judaísmo alexandrino começava a assimilar
elementos do platonismo e do estoicismo. Fílon de Alexandria (13 a.C. a
54 d.C.) construiu um sofisticado sistema teológico e filosófico que
integrava as Escrituras com certas correntes do pensamento grego. Tal
movimento influenciava profundamente as comunidades judias da Diáspora e
preparava o caminho para o desenvolvimento da teologia cristã.
Na Terra Santa, qualquer tentativa de assimilação com o helenismo era
fortemente repelida. Antíoco Epífanes teve a ousadia de colocar um
Júpiter olímpico no templo de Jerusalém e por isto enfrentou a ira dos
Macabeus. Uma verdadeira guerra santa. Mesmo quando Roma reduziu Israel à
condição de simples vassalo, o povo de Deus se apegou mais ainda à fé
de seus pais e se uniu aos fariseus, sucessores dos piedosos (hasidim)
da época dos Macabeus.
Os fariseus tinham uma espiritualidade centrada na meditação e no
cumprimento da Torá. Para eles o pai judeu que ensinasse grego ao seu
filho era maldito. Impunham uma rígida observância do Sábado. Cuidavam
para que os menores mandamentos fossem sempre respeitados. Acreditavam
na imortalidade da alma, na ressurreição, na existência de anjos,
contrariando os ensinamentos dos saduceus, os quais só reconheciam o
Pentateuco.
Os zelotas, rebeldes que combatiam a dominação romana pela luta
armada, encarnavam o nacionalismo judeu em sua forma mais fanática e
intransigente. Os essênios, segundo Flávio Josefo, se estabeleciam em
várias cidades e eram numerosos. A comunidade essênia de Qumrã se
diferenciava por seu estilo de vida cenobítico. Os Manuscritos do Mar
Morto, encontrados recentemente, nos deram mais informações sobre este
grupo em particular.
"Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei..." (Gl 4,4).
2. O Messias
Nazaré era apenas uma pequena povoação, uma
aldeia entre tantas outras da região da Galiléia. Quem passasse por ali
veria um ajuntamento desordenado de casas em uma encosta rochosa, com
uma fonte nas proximidades, cuja água havia atraído seus primeiros
habitantes.
Nazaré não tinha boa fama. Ainda hoje existe um ditado na Palestina
que diz: "A quem Deus quer castigar, com uma nazarena o faz casar". E
Natanael, ao saber que Jesus era de lá, perguntou a Filipe: "De Nazaré
pode vir algo bom?".
Neste lugar desprezado por todos vivia uma jovem, desposada por um
carpinteiro chamado José. Embora provavelmente não chamasse a atenção, a
não ser por sua profunda piedade, fé e pureza de coração, tinha sido
ela a escolhida, a eleita de Deus para ser a Mãe do Messias. O salvador
esperado por Israel e profetizado nas Escrituras, que libertaria o povo
da opressão e implantaria um Reino maior que o de David.
Maria, a cheia de graça, soube por um anjo qual era a decisão de Deus... e disse sim.
Adotado por José, Jesus nasceu em Belém, na Judéia, talvez entre os
anos 6 e 7 antes da nossa era (outros situam o seu nascimento entre 4 e 5
a.C. - há controvérsias; o monge sírio Dionísio, o Pequeno, no séc. VI,
cometeu um erro na hora de fixar a divisão em a.C. e d.C., adiantando a
data do nascimento de Jesus em alguns anos). Durante trinta anos viveu
"escondido". Ajudava o pai e a mãe, cuidava de tarefas domésticas,
estudava a Torá, aprendia o ofício de carpinteiro, "crescia em
sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e diante dos homens"
(Lc 2,52).
Um dia, arrumou suas ferramentas, despediu-se de sua mãe, e partiu
rumo ao rio Jordão, onde seu primo, João Batista, pregava e batizava.
Depois de ser batizado e de passar algum tempo no deserto, Jesus dá
início ao seu ministério público. Escolhe doze apóstolos - os
fundamentos de sua Igreja, entre os quais se destacam Pedro, Tiago e
João. Atravessa a Palestina várias vezes realizando milagres e pregando o
Reino de Deus. Boa parte dos seus ensinamentos são proferidos na
Galiléia: a oração do Pai Nosso, as bem-aventuranças, o anúncio da
paixão... Sua visão da Lei e seu modo de agir incomodam os responsáveis
pela religião oficial que começam a tramar meios para eliminá-lo. O modo
como se relaciona com Deus - seu Pai, e a afirmação velada de sua
divindade, eram intoleráveis para os fariseus e os escribas.
No final do ano 29, Jesus desce lentamente para Jerusalém. Sabe que
sua hora está próxima. A festa do domingo de Ramos é logo sucedida pela
prisão, pelo processo diante de Pôncio Pilatos, procurador romano, e
pela condenação à morte na cruz.
Provavelmente no dia 14 de Nisã do ano 30, ou 7 de abril no nosso
calendário, uma sexta-feira, Jesus de Nazaré morre crucificado
juntamente com dois ladrões. No madeiro, uma placa com a inscrição:
Jesus de Nazaré, rei dos Judeus, escrita em hebraico, grego e latim. Ao
pé da cruz, estavam um grupo de mulheres, incluindo sua mãe, e um
discípulo. Depois do suplício, o corpo de Jesus é colocado por alguns
seguidores em um sepulcro ali perto. Tudo parecia terminado.
É fácil aceitar que Jesus morreu. Mas sua ressurreição é algo que
escandaliza, que parece ferir o bom senso e a razão. No entanto, é
exatamente isto que os apóstolos testemunharam três dias depois do
"desastre" em Jerusalém. Jesus ressuscitou, ele vive! A ressurreição é o
fulcro, a base de toda a fé cristã: "...se Cristo não ressuscitou,
ilusória é a vossa fé..." (1Cor 15,17).
Jesus apareceu várias vezes aos apóstolos. Deixou-lhes instruções,
preparou-os mais um pouco para o que viria a seguir. Quarenta dias
depois da Páscoa, "subiu aos Céus", não sem antes prometer outro
Paráclito para conduzir a sua Igreja.
3. Nasce a Igreja
Os Evangelhos mostram a Igreja como um
barco, no qual Jesus está presente, embora em alguns momentos pareça
estar dormindo (Mt 8,23-27). O mar que este barco atravessa é a
História, às vezes calmo, outras vezes turbulento e ameaçador. Há quase
dois mil anos o barco saiu de seu porto. Não sabemos quando chegará ao
seu destino, mas temos certeza de que Jesus nunca o abandonará.
A Igreja é um projeto que nasceu do coração do Pai, prefigurada desde
o início dos tempos, preparada na Antiga Aliança com Israel, instituída
por Cristo Jesus. A Igreja é o Reino de Deus misteriosamente presente
no mundo. Ela se inicia já com a pregação de Jesus. Foi dotada pelo
Senhor de uma estrutura que permanecerá até o fim dos tempos. Edificada
sobre Pedro e os demais apóstolos, é dirigida por seus legítimos
sucessores.
A Igreja começa e cresce do sangue e da água que saíram do lado
aberto do crucificado. Nela se conserva a comunhão eucarística, o dom da
salvação oferecido por Jesus em nosso favor.
A Igreja é indefectivelmente santa, sem mancha e sem ruga, porque o
próprio Deus nela habita, santificando-a por sua presença. O pecado dos
fiéis não lhe pertence. Só em sentido derivado e indireto se pode falar
de "Igreja pecadora".
Em Pentecostes, "a Igreja se manifestou publicamente diante da
multidão e começou a difusão do Evangelho com a pregação" (Ad Gentes, n.
4).
Pentecostes do ano 30. Todos reunidos: os apóstolos, Maria, parentes
de Jesus, algumas mulheres. Um ruído de ventania desce do céu. Línguas
como de fogo surgiram e se dividiram entre os presentes. Todos ficaram
repletos do Espírito de Deus e começaram a falar em outras línguas.
Esta assembléia inicial, esta kahal, ekklesia, igreja, é o princípio.
Depois do prodígio das línguas, Pedro dirigiu-se à multidão reunida na
praça e fez uma memorável pregação. Muitos se converteram, especialmente
judeus vindos da Diáspora. Estes levaram a Boa-Nova aos seus locais de
origem, o que provocou o surgimento, bem cedo, de comunidades cristãs em
Damasco, Antioquia, Alexandria e mesmo em Roma. Alguns helenistas, no
entanto, permaneceram em Jerusalém. Para cuidar de suas necessidades
materiais, os apóstolos escolheram sete diáconos.
Filipe, um dos sete, evangelizou em Samaria (foi lá que Simão, o
Mago, ofereceu dinheiro aos apóstolos Pedro e João em troca do Espírito
Santo, donde o termo simonia - tráfico de coisas sagradas e de bens
espirituais) e anunciou à Boa Nova a um etíope, funcionário da casa real
de Candace.
Estevão era o diácono que mais se destacava. Por sua pregação
incisiva, é detido pelas autoridades judaicas, julgado e apedrejado como
blasfemador. Torna-se o primeiro mártir da História da Igreja. Enquanto
é assassinado, perdoa os seus perseguidores e entrega, confiante, a sua
vida nas mãos de Jesus.
O manto de Estevão foi deixado aos pés de um jovem admirador do ideal farisaico chamado Saulo.
(Continua...)
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