21. Do grego para o latim - Minúcio Felix e o gênio de Tertuliano
Nos
primeiros tempos, o grego havia sido a língua oficial da Igreja. Tanto o
Novo Testamento como os escritos dos Padres Apostólicos e da maior
parte dos Apologistas foram feitos em grego. Levaria pouco tempo, no
entanto, para que o latim começasse a se firmar no Ocidente.
Minúcio Félix, advogado em Roma, redigiu um diálogo apologético em
latim, o Otávio (por volta de 197). A única apologia escrita nesta
língua no tempo das perseguições.
Quintus Septimius Florens Tertullianus, nascido em Cartago, por volta
do ano 160, filho de um centurião, pagão com excelente formação
intelectual, possuidor de grandes conhecimentos jurídicos e de retórica.
Conhecia bem o grego. Depois de exercer a jurisprudência em Roma,
retornou para sua cidade de origem pelo ano 195, como cristão. Por volta
do ano 207 rompe com a Igreja e adere ao montanismo. Sua morte ocorreu,
provavelmente, depois do ano 220.
Exímio no uso do latim, Tertuliano foi o primeiro a usar o termo
Trinitas para designar a Trindade. Expôs também a tese de que o Pai e o
Filho eram da mesma substância. Antecipou-se em um século ao Símbolo de
Nicéia.
Suas principais obras foram: Ad nationes, o Apologeticum (aos
governadores das províncias do Império - uma apologia que considera as
acusações políticas contra os cristãos, como o crime de lesa-majestade e
a negação dos deuses imperiais; passa a apologética do plano filosófico
para o jurídico), Adversus Iudaeos, De praescriptione haereticorum,
Adversus Marcionem (contra a gnose de Marcião), Adversus Valentinianos
(contra a gnose de Valentino), Scorpiace, De carne Christi (contra o
docetismo dos gnósticos), Adversus Praxean (exposição mais clara antes
de Nicéia sobre a doutrina da Trindade, contra o patripassiano Práxeas),
De baptismo, De anima (obra antignóstica), Ad martyres, De paenitentia,
Ad uxorum... Do período montanista temos alguns escritos de caráter
ascético, como o De exhortatione castitatis, em que exorta um amigo
viúvo a não contrair novas núpcias (para ele uma forma de devassidão),
De corona (onde condena o exercício das funções militares por cristãos e
refere de passagem o costume de se fazer o sinal da cruz), De pudicitia
(onde, contrariando o que dizia enquanto católico, nega à Igreja o
poder de perdoar pecados).
Tertuliano fala das duas naturezas na única pessoa de Jesus Cristo.
Ensina que o primado e o poder das chaves foram dados à Pedro (fala da
morte de Pedro e Paulo em Roma). Enquanto era católico, ensinava que a
Igreja tinha poder de perdoar os pecados, embora apenas uma única vez.
Descreveu com detalhes a confissão pública. Como na Didaqué, para ele a
Missa é o cumprimento da profecia de Malaquias (Ml 1,10s), sacrifício
verdadeiro oferecido a Deus. O Corpo e o Sangue de Cristo são
distribuídos na comunhão. Também admite um estado de purificação
póstumo, no qual todos, menos os mártires, permanecem até o dia do
Juízo. As orações dos vivos, porém, podem confortar os que se encontram
no Hades. Afirmava o milenarismo.
Contra os hereges, Tertuliano ensina: apenas a Igreja é quem pode
possuir legitimamente a fé. A ela cabe a reta interpretação das
Escrituras, à luz da Tradição. A doutrina conservada nas Igrejas
apostólicas determina as verdades que devem ser cridas por todos os
fiéis. Não adianta discutir com os hereges usando as Escrituras porque
eles distorcem e mutilam a Palavra de Deus.
Sua atitude diante da filosofia pagã é essencialmente negativa. A
especulação filosófica só é útil enquanto concorda com o Evangelho.
Acredita na possibilidade de uma demonstração racional da existência de
Deus e da imortalidade da alma.
Ao contrário da grande corrente da Tradição cristã (como a
encontramos, por exemplo, no Proto-evangelho de Tiago), Tertuliano
negava a virgindade perpétua de Maria.
Comodiano, Vitorino de Petau, Arnóbio de Sica e Lactâncio são outros
grandes representantes da literatura cristã em latim no século III e no
início do século IV.
25. Combater o bom combate
A lista de mártires que poderíamos citar desde Sétimo Severo até Diocleciano é enorme. Vamos apenas enumerar alguns deles aqui.
Víbia Perpétua, cristã na África, de classe abastada, foi martirizada
juntamente com Santa Felicidade no dia 7 de março do ano 203.
Humilhadas e ridicularizadas, passaram pelo fio da espada do carrasco.
Outros companheiros foram mortos pelas feras na arena.
Potamina, uma jovem cristã, foi lançada com a mãe em uma caldeira cheia de betume inflamado.
Sob Décio: Policrônio, mártir por volta de 250. Santa Águeda, na
Sicília, martirizada (aprox. 251). Dionísia, Pedro, André e Paulo,
martirizados na Turquia. Nemésio, em Alexandria. Piônio, na Ásia Menor.
Frutuoso, na Espanha. O papa Fabiano, em Roma.
Sob Valeriano: São Lúcio, papa, martirizado, por volta de 254. São
Sisto II, papa, e alguns companheiros, cerca de 258. São Lourenço
(+258), diácono da Igreja romana. Quando foi interrogado sobre o tesouro
da Igreja, reuniu todos os cegos, coxos, aleijados, doentes, velhos e
crianças que pôde encontrar. Assaram-no vivo em uma grelha. São Marino
sofreu o martírio por decapitação em torno do ano 260. Estevão I (papa) e
São Tarcísio também foram martirizados no reinado de Valeriano.
Cipriano, o grande bispo de Cartago, foi decapitado em 258.
São Mário, Santa Marta, Santo Audifax, Santo Ábaco. Presos quando
enterravam os mártires em Roma. Condenados à morte, sob Cláudio II
(268-270). São Valentim, sacerdote em Roma, decapitado por volta do ano
270.
Sob Diocleciano: São Sebastião, capitão do exército, por volta de
284. São Vítor, decapitado (303). Vicente, Sabina e Cristeta, na
Espanha, por volta do ano 303. São Sérgio, martirizado em Cesaréia da
Capadócia. Santas Ágape, Quilônia e Irene, martirizadas por volta do ano
304. Marcelino e Pedro, em Roma, por volta de 304. Afra, na Baviera.
Félix e Adauto, por volta do ano 304. Januário e companheiros, por volta
de 305. Cosme e Damião, martirizados. Crispim e Crispiniano, na Gália.
Severo, Severiano, Carpóforo e Vitorino, em Roma.
Mais nomes: Afianos e Edésios, no Líbano, Crisógono, em Aquiléia, São
Brás, bispo da Armênia, Santa Margarida de Antioquia, Santa Catarina,
São Maurício, a legião de Tebas, Santa Inês e Santa Luzia, Santa
Bárbara.
Ao lado dos mártires, havia muitos cristãos que caíam na apostasia ou simplesmente fugiam da perseguição.
26. Cisma em Roma
Hipólito nasceu antes de 170. Foi
presbítero em Roma no pontificado de Vítor (c. de 189-198). Teve
conflitos com o papa Zeferino e rompeu abertamente com seu sucessor,
Calisto (217-222), acusando-o de sabelianismo (doutrina que ensinava
serem o Filho e o Espírito Santo apenas "modalidades" do Pai, propagada
por Sabélio) e de ser condescendente demais com os pecadores. Fez-se
bispo de uma pequena comunidade cismática em Roma. Foi exilado
juntamente com o papa Ponciano para a Sardenha em 235, onde morreu.
Hipólito não aceitava a reconciliação dos hereges e apóstatas (lapsi). Foi o primeiro antipapa da História da Igreja.
Escritos importantes de Hipólito: Refutação de todas as heresias
(Philosophumena), Crônica, O Anticristo, Comentário de Daniel (onde diz
que Jesus nasceu no dia 25 de dezembro do 42o. ano do reinado de Augusto
e morreu no dia 25 de março do 18o. ano do reinado de Tibério), Ypér
tou katà Ioannen evaggelíou kaì apokalúpseos (defende que João é o autor
do quarto evangelho e do Apocalipse, contra os alogianos, que negavam a
doutrina do Logos), Syntagma, A Tradição Apostólica.
Hipólito testemunha a doutrina da Igreja sobre as Escrituras, fala da
eucaristia como sacrifício, seguindo a Didaqué na aplicação da profecia
de Malaquias (Ml 1,10s). Como Justino, Atenágoras, Teófilo e
Tertuliano, é subordinacionista (ou seja, crê que o Filho tornou-se uma
pessoa divina subordinada ao Pai, Logos proferido "posteriormente" para
ajudá-lo na criação e no governo do mundo).
A Tradição Apostólica é uma preciosa fonte de informações sobre a
liturgia cristã em Roma, no começo do séc. II (ver a seção XXIX). Entre
outras coisas, fala da existência de um jejum pascal de dois dias,
ensina que a eucaristia deve ser tratada com muito cuidado e reverência,
"pois ela é o Corpo de Cristo que deve ser comido pelos fiéis e não
pode ser negligenciado" e exorta os fiéis a fazerem o sinal da cruz
quando sobrevier a tentação "pois este é o sinal da Paixão
reconhecidamente provado contra o demônio, desde que feito com fé e não
para vos exibir diante dos homens..."
Hipólito queria uma igreja formada apenas por pessoas "puras" e "santas".
Depois dele temos Novaciano. Por volta de 250, Novaciano era um
presbítero de prestígio em Roma, com boa formação retórica. Ficou à
frente de um partido rigorista e se fez bispo da Cidade Eterna,
opondo-se ao papa Cornélio. Pereceu durante a perseguição de Valeriano,
provavelmente, enquanto o papa Cornélio foi exilado.
(Continua...)
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