quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

História da Igreja Católica (Parte 5)

[bibliacatolica]

21. Do grego para o latim - Minúcio Felix e o gênio de Tertuliano

Nos primeiros tempos, o grego havia sido a língua oficial da Igreja. Tanto o Novo Testamento como os escritos dos Padres Apostólicos e da maior parte dos Apologistas foram feitos em grego. Levaria pouco tempo, no entanto, para que o latim começasse a se firmar no Ocidente.
Minúcio Félix, advogado em Roma, redigiu um diálogo apologético em latim, o Otávio (por volta de 197). A única apologia escrita nesta língua no tempo das perseguições.
Quintus Septimius Florens Tertullianus, nascido em Cartago, por volta do ano 160, filho de um centurião, pagão com excelente formação intelectual, possuidor de grandes conhecimentos jurídicos e de retórica. Conhecia bem o grego. Depois de exercer a jurisprudência em Roma, retornou para sua cidade de origem pelo ano 195, como cristão. Por volta do ano 207 rompe com a Igreja e adere ao montanismo. Sua morte ocorreu, provavelmente, depois do ano 220.
Exímio no uso do latim, Tertuliano foi o primeiro a usar o termo Trinitas para designar a Trindade. Expôs também a tese de que o Pai e o Filho eram da mesma substância. Antecipou-se em um século ao Símbolo de Nicéia.
Suas principais obras foram: Ad nationes, o Apologeticum (aos governadores das províncias do Império - uma apologia que considera as acusações políticas contra os cristãos, como o crime de lesa-majestade e a negação dos deuses imperiais; passa a apologética do plano filosófico para o jurídico), Adversus Iudaeos, De praescriptione haereticorum, Adversus Marcionem (contra a gnose de Marcião), Adversus Valentinianos (contra a gnose de Valentino), Scorpiace, De carne Christi (contra o docetismo dos gnósticos), Adversus Praxean (exposição mais clara antes de Nicéia sobre a doutrina da Trindade, contra o patripassiano Práxeas), De baptismo, De anima (obra antignóstica), Ad martyres, De paenitentia, Ad uxorum... Do período montanista temos alguns escritos de caráter ascético, como o De exhortatione castitatis, em que exorta um amigo viúvo a não contrair novas núpcias (para ele uma forma de devassidão), De corona (onde condena o exercício das funções militares por cristãos e refere de passagem o costume de se fazer o sinal da cruz), De pudicitia (onde, contrariando o que dizia enquanto católico, nega à Igreja o poder de perdoar pecados).
Tertuliano fala das duas naturezas na única pessoa de Jesus Cristo. Ensina que o primado e o poder das chaves foram dados à Pedro (fala da morte de Pedro e Paulo em Roma). Enquanto era católico, ensinava que a Igreja tinha poder de perdoar os pecados, embora apenas uma única vez. Descreveu com detalhes a confissão pública. Como na Didaqué, para ele a Missa é o cumprimento da profecia de Malaquias (Ml 1,10s), sacrifício verdadeiro oferecido a Deus. O Corpo e o Sangue de Cristo são distribuídos na comunhão. Também admite um estado de purificação póstumo, no qual todos, menos os mártires, permanecem até o dia do Juízo. As orações dos vivos, porém, podem confortar os que se encontram no Hades. Afirmava o milenarismo.
Contra os hereges, Tertuliano ensina: apenas a Igreja é quem pode possuir legitimamente a fé. A ela cabe a reta interpretação das Escrituras, à luz da Tradição. A doutrina conservada nas Igrejas apostólicas determina as verdades que devem ser cridas por todos os fiéis. Não adianta discutir com os hereges usando as Escrituras porque eles distorcem e mutilam a Palavra de Deus.
Sua atitude diante da filosofia pagã é essencialmente negativa. A especulação filosófica só é útil enquanto concorda com o Evangelho. Acredita na possibilidade de uma demonstração racional da existência de Deus e da imortalidade da alma.
Ao contrário da grande corrente da Tradição cristã (como a encontramos, por exemplo, no Proto-evangelho de Tiago), Tertuliano negava a virgindade perpétua de Maria.
Comodiano, Vitorino de Petau, Arnóbio de Sica e Lactâncio são outros grandes representantes da literatura cristã em latim no século III e no início do século IV.

22. Crise do Império

Ao longo do século III, o Império será na maior parte do tempo uma ditadura militar. A instabilidade política é grande. Os exércitos, formados não mais por romanos mas principalmente por gente vinda de províncias conquistadas há pouco tempo, põem e depõem os imperadores pelos mais variados motivos: dinheiro, inveja, medo, aversão pela disciplina...
Uma crise econômica devasta o Império, guerras civis explodem aqui e ali (onde está a Pax Romana?), as fronteiras são áreas de combate contínuo (primeiras invasões bárbaras), as estradas são quase abandonadas, há escassez de comida, os salteadores formam quadrilhas, o mar fica cheio de piratas, a inflação devora a moeda (medidas desesperadas, como o tabelamento de preços, são tomadas pelo governo), a corrupção é generalizada, a luxúria e a devassidão corroem a família, até mesmo a arte e a literatura perdem o brilho (temos alguns nomes, desconhecidos para a maioria dos nossos contemporâneos: Terêncio Escauro, Suplício Apolinário, Ácron, Censorino, Mário Máximo, Plócio Sacerdote; juristas como Papiniano, Ulpiano e Paulo se destacam; em grego: Díon Cássio, Diógenes Laércio e o maior de todos, Plotino, chefe do neoplatonismo; seu discípulo, Porfírio, escreveu um tratado Contra os cristãos). Decadência: esta é a palavra que descreve melhor o Imperium nesses tempos.
A astrologia caldéia e o mitraísmo se estabelecem. "Se, no seu nascimento, o cristianismo tivesse sido detido no seu progresso por alguma doença mortal, o mundo teria se convertido aos mistérios de Mitra", disse Renan. E até certo ponto é verdade.
O neoplatonismo é um misto de filosofia e religião que vai se opor frontalmente à fé cristã. Juntamente com o restante do paganismo e todos os sincretismos que possam ser imaginados, estas doutrinas infectavam o Imperium, e só encontravam um obstáculo consistente e sólido: a Igreja.

23. Expansão do Cristianismo no século III - "a terceira raça"

Enquanto o Império começava sua lenta agonia a Igreja crescia cada vez mais. Havia cristãos na Britânia e na Espanha, no Egito e no Danúbio, na Ásia Menor, nas costas gregas, na Trácia, na Macedônia. Há também alguns em Aelia Capitolina, construída sobre as ruínas de Jerusalém. As cidades costeiras da Síria possuem grande quantidade de cristãos.
Em torno do ano 200, Abgar IX, rei de Osreone, converte-se ao cristianismo. Na Gália, Santo Ireneu havia dado início a uma grande obra de evangelização. Fora das fronteiras do Império, na Mesopotâmia, na Pérsia, na Etiópia e até na Índia chegam pregadores do Evangelho. Povos bárbaros, como germanos e godos, receberam a semente da Boa-Nova. O desabrochar destas sementes, no entanto, só acontecerá a longo prazo.
A maioria dos cristãos continua a ser de classe baixa, o que é motivo de zombaria para os detratores da nova fé. Mas cada vez mais gente de nível econômico e social "respeitável" começa a entrar em suas fileiras.
Em Alexandria, fundada por Panteno, filósofo estóico convertido ao cristianismo, ainda no segundo século, uma escola teológica e catequética começava a se desenvolver. Clemente, Orígenes, Atanásio e Cirilo serão seus representantes mais significativos.
Opondo-se às tendências alegóricas e especulativo-filosóficas da escola de Alexandria, surgirá, no séc. III, a escola de Antioquia, intensamente dedicada à exegese bíblica. Seu fundador, acredita-se, é o presbítero Luciano de Samósata (+ c. de 312).
A hinologia dos primeiros séculos não deixou muitos vestígios. Temos o canto vespertino Phos hilarón e o matutino Dócsa en upsístois theo, nosso Gloria in excelsis Deo. Alguns papiros que foram descobertos traziam cânticos cristãos, um deles com notas musicais. As Odes de Salomão são uma coleção de cantos gnósticos do século II.
Com o crescimento numérico, começou a haver um certo relaxamento entre os cristãos. À medida que recrudescia a perseguição, surgiam mais e mais casos de apostasia.
Tertuliano afirma no Apologeticum que existem cristãos exercendo funções militares. Mais tarde, porém, quando se tornar montanista, ensinará que um seguidor de Jesus não pode servir no exército. Hipólito, em sua Tradição Apostólica, apresenta uma lista de profissões proibidas para os cristãos: soldado, sacerdote de ídolos e magistrado. O militar que deseja se converter não pode mais matar nem fazer juramentos.
No momento em que o cristianismo se tornar a religião oficial do Império, essas restrições vão desaparecer. Haverá, no entanto, um rito de purificação para o soldado que tiver derramado sangue.
Começam a ser construídas as primeiras igrejas a partir da metade do século III. A casa-igreja de Dura Europos, às margens do Eufrates, é o mais antigo edifício de culto cristão que se conhece (c. de 250). Em suas paredes existem vários afrescos com temas bíblicos. Nas catacumbas de Priscila, em Roma, temos um afresco com a Virgem e o menino Jesus nos braços (começo do séc. III). A iconografia cristã se desenvolve rapidamente.
Os sínodos, ou concílios locais, que já se realizavam no século anterior, se consolidam e se tornam um meio eficaz para garantir a unidade da Igreja.
Diante dos pagãos e dos judeus, os cristãos formavam o que Santo Agostinho chamava de "tertium genus", a "terceira raça".

24. O confronto

Para o Império, o cristianismo já não era uma seita de miseráveis que podiam ser jogados para as feras do circo. Era uma força real, que não podia ser ignorada.
Há mais de quinze anos que a Igreja vivia um período de paz. O último Antonino, Cômodo, tinha sido bastante indulgente com os seguidores de Jesus. Chegara a anistiar os cristãos condenados a trabalhos forçados. No início do reinado de Sétimo Severo tudo continuava tranqüilo. Certamente que aconteciam, uma vez ou outra, explosões de ódio contra a Igreja, mas não existia uma perseguição organizada, sistemática. Severo era clemente e se sentia propenso à respeitar as crenças orientais.
De uma hora para a outra, porém, as coisas mudaram. Talvez o imperador tenha detectado nos cristãos um perigo iminente, que punha em risco o futuro de seus domínios. Talvez tenha sido influenciado por alguém do seu círculo de amigos mais próximos que detestava os cristãos. O certo é que a tolerância rapidamente foi substituída pela repressão.
Entre os anos 200 e 202 sua deliberação foi promulgada: proibição total de conversões ao judaísmo e ao cristianismo, sob pena grave. Mas o cristianismo foi quem sofreu mais. Com a ordem do imperador, os funcionários do Estado não precisavam mais esperar denúncias, como determinado pelo Rescrito de Trajano. Um novo e terrível período de perseguições começava. Perseguições metódicas e direcionadas. Violência, abuso da autoridade policial, circos lotados com cristãos sendo lançados às feras. Uma nova era dos mártires.
Caracala (211-217, estendeu a cidadania romana para todos os habitantes do Império), Heliogábalo (218-222) e Severo Alexandre (222-235) reinaram sem incomodar muito. Alguns quiseram insinuar que Severo Alexandre era admirador de Jesus, bem como o imperador Filipe, o Árabe (244-249). Estas insinuações são provavelmente falsas. Mas é certo que já existiam funcionários imperiais cristãos.
Com Décio (249-251) a perseguição retorna. No ano 250 todos os moradores do Império que possuem cidadania romana são obrigados a manifestar sua adesão à religião imperial. Certificados seriam entregues aos que cumprissem a determinação, enquanto os contraventores correriam o risco de perder a própria vida. Há muitos mártires em Roma, na Ásia, no Egito e na África.
Valeriano (253-260), com dois editos, torna a legislação ainda mais rígida. Procurava perseguir especialmente os líderes das comunidades cristãs: bispos, padres, diáconos. Na África a Igreja sofre severas baixas. Com Galiano (260-268) há mais um período de paz. Aureliano (268-275) não dispõe de tempo para implantar no Império o seu sincretismo solar.
Após dez anos de anarquia, Diocleciano (284-305) toma o poder. Com seu gênio consegue recuperar durante algum tempo o brilho dos tempos gloriosos do Imperium. Suas reformas administrativas e religiosas foram uma das últimas tentativas de salvar Roma. Foi ele quem organizou e executou a mais terrível das perseguições contra a Igreja, principalmente no Oriente.
Em 286 colocou ao seu lado Maximiano, e dividiu com ele o império: Diocleciano com o Oriente e Maximiano com o Ocidente (diarquia). Em 293 foram instituídos mais dois imperadores, de categoria inferior, governando em diferentes regiões (tetrarquia). Diocleciano e Maximiano possuíam o título de Augustus, enquanto os outros dois (Galério e Constâncio Cloro) eram denominados de Césares.
Os Césares eram os herdeiros legítimos dos Augustos. Depois da criação da tetrarquia, o Império passa a ter quatro capitais: Tréveris, Milão, Sírmio e Nicomédia.

25. Combater o bom combate

A lista de mártires que poderíamos citar desde Sétimo Severo até Diocleciano é enorme. Vamos apenas enumerar alguns deles aqui.
Víbia Perpétua, cristã na África, de classe abastada, foi martirizada juntamente com Santa Felicidade no dia 7 de março do ano 203. Humilhadas e ridicularizadas, passaram pelo fio da espada do carrasco. Outros companheiros foram mortos pelas feras na arena.
Potamina, uma jovem cristã, foi lançada com a mãe em uma caldeira cheia de betume inflamado.
Sob Décio: Policrônio, mártir por volta de 250. Santa Águeda, na Sicília, martirizada (aprox. 251). Dionísia, Pedro, André e Paulo, martirizados na Turquia. Nemésio, em Alexandria. Piônio, na Ásia Menor. Frutuoso, na Espanha. O papa Fabiano, em Roma.
Sob Valeriano: São Lúcio, papa, martirizado, por volta de 254. São Sisto II, papa, e alguns companheiros, cerca de 258. São Lourenço (+258), diácono da Igreja romana. Quando foi interrogado sobre o tesouro da Igreja, reuniu todos os cegos, coxos, aleijados, doentes, velhos e crianças que pôde encontrar. Assaram-no vivo em uma grelha. São Marino sofreu o martírio por decapitação em torno do ano 260. Estevão I (papa) e São Tarcísio também foram martirizados no reinado de Valeriano.
Cipriano, o grande bispo de Cartago, foi decapitado em 258.
São Mário, Santa Marta, Santo Audifax, Santo Ábaco. Presos quando enterravam os mártires em Roma. Condenados à morte, sob Cláudio II (268-270). São Valentim, sacerdote em Roma, decapitado por volta do ano 270.
Sob Diocleciano: São Sebastião, capitão do exército, por volta de 284. São Vítor, decapitado (303). Vicente, Sabina e Cristeta, na Espanha, por volta do ano 303. São Sérgio, martirizado em Cesaréia da Capadócia. Santas Ágape, Quilônia e Irene, martirizadas por volta do ano 304. Marcelino e Pedro, em Roma, por volta de 304. Afra, na Baviera. Félix e Adauto, por volta do ano 304. Januário e companheiros, por volta de 305. Cosme e Damião, martirizados. Crispim e Crispiniano, na Gália. Severo, Severiano, Carpóforo e Vitorino, em Roma.
Mais nomes: Afianos e Edésios, no Líbano, Crisógono, em Aquiléia, São Brás, bispo da Armênia, Santa Margarida de Antioquia, Santa Catarina, São Maurício, a legião de Tebas, Santa Inês e Santa Luzia, Santa Bárbara.
Ao lado dos mártires, havia muitos cristãos que caíam na apostasia ou simplesmente fugiam da perseguição.

26. Cisma em Roma

Hipólito nasceu antes de 170. Foi presbítero em Roma no pontificado de Vítor (c. de 189-198). Teve conflitos com o papa Zeferino e rompeu abertamente com seu sucessor, Calisto (217-222), acusando-o de sabelianismo (doutrina que ensinava serem o Filho e o Espírito Santo apenas "modalidades" do Pai, propagada por Sabélio) e de ser condescendente demais com os pecadores. Fez-se bispo de uma pequena comunidade cismática em Roma. Foi exilado juntamente com o papa Ponciano para a Sardenha em 235, onde morreu.
Hipólito não aceitava a reconciliação dos hereges e apóstatas (lapsi). Foi o primeiro antipapa da História da Igreja.
Escritos importantes de Hipólito: Refutação de todas as heresias (Philosophumena), Crônica, O Anticristo, Comentário de Daniel (onde diz que Jesus nasceu no dia 25 de dezembro do 42o. ano do reinado de Augusto e morreu no dia 25 de março do 18o. ano do reinado de Tibério), Ypér tou katà Ioannen evaggelíou kaì apokalúpseos (defende que João é o autor do quarto evangelho e do Apocalipse, contra os alogianos, que negavam a doutrina do Logos), Syntagma, A Tradição Apostólica.
Hipólito testemunha a doutrina da Igreja sobre as Escrituras, fala da eucaristia como sacrifício, seguindo a Didaqué na aplicação da profecia de Malaquias (Ml 1,10s). Como Justino, Atenágoras, Teófilo e Tertuliano, é subordinacionista (ou seja, crê que o Filho tornou-se uma pessoa divina subordinada ao Pai, Logos proferido "posteriormente" para ajudá-lo na criação e no governo do mundo).
A Tradição Apostólica é uma preciosa fonte de informações sobre a liturgia cristã em Roma, no começo do séc. II (ver a seção XXIX). Entre outras coisas, fala da existência de um jejum pascal de dois dias, ensina que a eucaristia deve ser tratada com muito cuidado e reverência, "pois ela é o Corpo de Cristo que deve ser comido pelos fiéis e não pode ser negligenciado" e exorta os fiéis a fazerem o sinal da cruz quando sobrevier a tentação "pois este é o sinal da Paixão reconhecidamente provado contra o demônio, desde que feito com fé e não para vos exibir diante dos homens..."
Hipólito queria uma igreja formada apenas por pessoas "puras" e "santas".
Depois dele temos Novaciano. Por volta de 250, Novaciano era um presbítero de prestígio em Roma, com boa formação retórica. Ficou à frente de um partido rigorista e se fez bispo da Cidade Eterna, opondo-se ao papa Cornélio. Pereceu durante a perseguição de Valeriano, provavelmente, enquanto o papa Cornélio foi exilado.

(Continua...)

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