quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Idade e origem de novo Papa não importam, diz presidente da CNBB

Cardeal Dom Raymundo Damasceno participará do conclave em Roma.
Para ele, é preciso ter vigor físico e perfil para cumprir a missão.

Suellen Fernandes Do g1 Vale do Paraíba e Região

Dom Raymundo Damasceno no Seminário Bom Jesus em Aparecida. (Foto: Suellen Fernandes/G1) 
Dom Raymundo Damasceno no Seminário Bom Jesus em Aparecida. (Foto: Suellen Fernandes/G1)
Às vésperas do conclave que vai eleger o novo Papa, o cardeal Dom Raymundo Damasceno de Assis, de 76 anos, arcebispo de Aparecida (SP), afirmou, em entrevista ao G1, que a origem e a idade do escolhido não importam e que "tenta afugentar o pensamento" de que pode ser votado e eleito.
O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) embarca para o Vaticano no próximo domingo (24) e é um dos cinco brasileiros que vão decidir o nome do líder máximo da Igreja Católica em março.
Em entrevista na tarde desta quarta-feira (20) no Seminário Bom Jesus, em Aparecida, ele disse que a escolha de um Papa de origem latino-americana ou africana é possível e que os católicos do mundo, sobretudo os europeus, estão preparados para um Papa de fora do continente. "Para nós católicos, o Papa é o Papa, independe da origem", disse, reforçando, no entanto, que a escolha deve ter como critério principal o perfil pastoral do cardeal.
Dom Raymundo afirmou ainda que baseará a escolha em um líder aberto ao diálogo e com uma experiência pastoral que lhe credencie para o posto. Para ele, a idade do candidato só deve pesar negativamente se o cardeal visivelmente não demonstrar mais vigor físico para a missão.
No total, 117 cardeais terão direito a voto (por terem menos de 80 anos) no conclave, que elegerá, dentro da Capela Sistina, o novo Papa com uma maioria de dois terços.
Além de Dom Raymundo, os demais brasileiros concorrentes e votantes são o arcebispo emérito de São Paulo, Dom Claudio Hummes, de 78 anos, Dom João Braz de Aviz, de 65, o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Pedro Scherer, de 63, e o arcebispo de Salvador e ex-presidente da CNBB, Dom Geraldo Majella Agnelo, de 79 anos.
Desde terça-feira (19), o arcebispo de Aparecida cumpre os últimos compromissos da Arquidiocese de Aparecida antes de seguir para Roma. Além de reuniões na diocese e uma missa celebrada no Santuário Nacional, o cardeal será submetido a exames de rotina na capital paulista nesta sexta-feira (22).
Leia a seguir os principais trechos da entrevista do presidente da CNBB sobre a escolha do novo pontífice.

G1 - O sr. está se preparando para a escolha do novo Papa? Como é o preparo?
Dom Raymundo Damasceno - Primeiro, procurando rever na memória os cardeais que eu conheço e que vão participar do conclave, para ver se tenho alguma ideia mais clara sobre cada um deles. Em segundo lugar, é fundamental a oração, para que nós realmente estejamos abertos aos sinais dos tempos. O mundo e a sociedade querem também nos dizer alguma coisa e nós devemos estar abertos a esses sinais, aquilo que de certo modo reflete os anseios e as expectativas da sociedade.

G1 - O sr. já sabe em quem vai votar?
Dom Raymundo - Todo cardeal deve ter nomes que vêm à sua mente. Mas eu não diria que  esses nomes que vêm à mente neste momento, antes do conclave, permitem que você tenha uma visão clara a respeito do nome que será apoiado ou acolhido no conclave. Esses nomes ajudam e a gente vai percebendo durante o processo do próprio conclave se os nomes que temos em mente são, de fato, os mais adequados para serem Papa nos tempos atuais.

G1 - Diante dos desafios atuais da Igreja, qual o perfil que o futuro Papa deve ter?
Dom Raymundo - O Papa deve ser, sobretudo, um pastor, ser aquele que preside a Igreja na caridade, que é o sinal visível da unidade da fé da Igreja. É importante, claro, que ele tenha seus conhecimentos teológicos, uma experiência pastoral e uma vivência espiritual. Responde ao perfil esperado de um candidato a Papa alguém que acompanhou a caminhada na Igreja, além de ser uma pessoa capaz de diálogo. Hoje não podemos trabalhar sozinhos, o Papa é o líder da igreja, mas ele também conta com apoios para governar essa Igreja.

G1 - Na sua opinião, o próximo Papa tem que ser mais jovem?
Dom Raymundo - Não necessariamente. A idade pesa na decisão dos cardeais pelo novo Papa, mas nós estamos vivendo em um mundo muito diferente, hoje todo mundo sabe pelas estatísticas que as pessoas estão vivendo muito mais, então você tem pessoas por volta dos 70 anos com muito vigor. Mas evidentemente que se você tem um cardeal que sobre o qual realmente a idade está pesando, não tem mais aquele vigor físico, de ânimo, não vamos eleger um Papa nessas condições porque seria quase que preparar-se para um novo conclave daqui um ou dois anos.

G1 - O sr. gostaria de ver um Papa mais carismático?
Dom Raymundo - Cada pessoa tem suas qualidades naturais, seus dotes, seus talentos e tudo isso ajuda no exercício do ministério do Papa, mas a própria missão do Papa se reveste num carisma muito especial e nós estamos vendo isso. Depois do Papa João Paulo 2º, como muitos dizem, era um Papa carismático, veio o Papa Bento 16, um Papa um pouco mais tímido por personalidade, mas que foi despertando aos poucos o amor e carinho da Igreja. Ao assumir a função do bispo de Roma, o Papa é revestido de um carisma próprio desta função de ser o sucessor de Pedro.

G1 - O sr. acha que existe chance de ser eleito um Papa da América Latina ou africano, quem sabe até um brasileiro? Existe abertura para essa escolha?
Dom Raymundo - Chance existe, claro, sem dúvida nenhuma. Nós (cardeais) não vamos para o conclave fechados em um nome, qualquer cardeal que participa do colégio eleitoral pode ser eleito. Não importa sua raça, sua cor, mas seu perfil de pastor, sua experiência pastoral ao longo de sua vida, aquilo que ele realmente fez até agora nas funções em que exerceu para a Igreja e para o mundo. Agora, se vier um bispo da América Latina, do Brasil, vamos ficar muitos felizes, mas não sabemos se será um brasileiro.
O Papa Bento XVI apareceu na janela de seus aposentos no Vaticano para abençoar os milhares de fiéis neste domingo (17) na Praça São Pedro, durante sua primeira bênção dominical do Ângelus desde o anúncio de sua renúncia e a penúltima antes de sua saída (Foto: Max Rossi/Reuters) 
Papa Bento 16 vai renunciar oficialmente em 28
de fevereiro (Foto: Max Rossi/Reuters)

G1 - O Papa Bento 16, quando renunciou, mencionou as divisões que existem na Igreja. Isso vai pesar no conclave? Que divisões são essas?
Dom Raymundo - É uma impressão, mas percebemos que as mensagens do Papa são bastante breves, mas nas entrelinhas ele chama a atenção para alguns problemas da Igreja. O Papa está chamando a atenção para a comunhão da Igreja, provavelmente ele está percebendo, quem sabe, muitos sinais que atingem a comunhão da Igreja. Ele questiona: 'como é que eu estou realizando a minha missão dentro da igreja?', 'como membro deste corpo que deve estar a serviço do bem?, 'será que eu estou procurando meu próprio interesse?', 'será que eu estou querendo usar a minha função para dominar o outro ou para subir a lugares maiores, acima do meu?'. Com a renúncia, ele (Papa) está nos dando o exemplo, nos fazendo refletir, mostrando que cargo na Igreja é passageiro. Há um sinal profético para a Igreja no gesto da renúncia do Papa Bento 16.

G1 - O sr. pensa que poderá se tornar Papa? Passa isso pela sua cabeça?
Dom Raymundo - A gente tenta afugentar esse pensamento. A função da Igreja é de serviço, nós não nos candidatamos, nós recebemos e aceitamos uma missão que nos é dada por Deus por meio do conclave. Ninguém está preparado para a missão, então a gente se sente um pouco receoso diante de um chamado desse.

G1 - O sr. acha que o conclave será realizado rapidamente, poderá ser adiantado ou é preciso atender a prazos?
Dom Raymundo - Eu creio que não terá um prazo longo, mas não posso dizer isso de uma forma oficial. Os cardeais, estando todos em Roma no dia 28, sobretudo os que vão votar, creio que não há razão para adiar. Primeiro, por conta das licenças para ir até Roma, quem mora na África, na América ou Oceania percorre distâncias longas para ir a Roma e retornar aos seus lugares. Para voltar novamente a Roma (para o conclave) seria um desgaste grande. Creio que os cardeais vão pedir ao presidente do conclave que o convoque o mais breve possível.

G1 - Pelo fato de estar vivo, o Papa Bento 16 pode ter alguma influência na escolha do seu sucessor?
Dom Raymundo - No conclave certamente não exercerá nenhuma influência sobre a eleição, ele não vai participar. Nos seus pronunciamentos atuais, acerca de suas palavras, de seus discursos, não vejo nenhum sinal claro, nenhum gesto que possa significar que o Papa queira influenciar na escolha do seu sucessor.

G1 - O sr. conversou com os demais cardeais brasileiros a respeito da escolha?
Dom Raymundo - Não conversamos. Agora que estaremos indo para Roma é lá que vamos nos encontrar a partir do dia 25. Teremos essa oportunidade sem dúvida nenhuma em Roma.

G1 - Esse conclave pode ser mais rápido que o anterior, que elegeu o Papa Bento 16, em função da circunstância de renúncia, o que permite mais tempo para os cardeais analisarem o nome do sucessor?
Dom Raymundo - É muito difícil de fazer esse tipo de previsão, mas me parece que será um conclave que demorará um pouco mais que o anterior. Essa é minha impressão, porque o nome do cardeal Ratzinger estava muito em evidência na época de sua eleição e era um cardeal próximo a João Paulo 2º, conhecido como grande teólogo, então tudo convergia de certa forma para a eleição dele. Por isso um consenso se estabeleceu mais rapidamente em torno de seu nome. Desta vez não há nenhum nome mais forte, então a expectativa é que demorará um pouco mais.

G1 - Os católicos, sobretudo os europeus, estão preparados para um Papa de fora do continente?
Dom Raymundo - Creio que sim. Para nós católicos, o Papa é o Papa. Então, como certa vez alguém me disse numa ocasião de eleição de um Papa, 'esse não era o meu candidato', mas após a eleição ele passa a ser o meu Papa, creio que essa seja a posição da maioria dos católicos.

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