Cardeal Dom Raymundo Damasceno participará do conclave em Roma.
Para ele, é preciso ter vigor físico e perfil para cumprir a missão.
Dom Raymundo Damasceno no Seminário Bom Jesus em Aparecida. (Foto: Suellen Fernandes/G1)
Às vésperas do conclave que vai eleger o novo Papa, o cardeal Dom
Raymundo Damasceno de Assis, de 76 anos, arcebispo de Aparecida (SP),
afirmou, em entrevista ao G1, que a origem e a idade do escolhido não importam e que "tenta afugentar o pensamento" de que pode ser votado e eleito.
O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
embarca para o Vaticano no próximo domingo (24) e é um dos cinco
brasileiros que vão decidir o nome do líder máximo da Igreja Católica em
março.
Em entrevista na tarde desta quarta-feira (20) no Seminário Bom Jesus,
em Aparecida, ele disse que a escolha de um Papa de origem
latino-americana ou africana é possível e que os católicos do mundo,
sobretudo os europeus, estão preparados para um Papa de fora do
continente. "Para nós católicos, o Papa é o Papa, independe da origem",
disse, reforçando, no entanto, que a escolha deve ter como critério
principal o perfil pastoral do cardeal.
Dom Raymundo afirmou ainda que baseará a escolha em um líder aberto ao
diálogo e com uma experiência pastoral que lhe credencie para o posto.
Para ele, a idade do candidato só deve pesar negativamente se o cardeal
visivelmente não demonstrar mais vigor físico para a missão.
No total, 117 cardeais terão direito a voto (por terem menos de 80
anos) no conclave, que elegerá, dentro da Capela Sistina, o novo Papa
com uma maioria de dois terços.
Além de Dom Raymundo, os demais brasileiros concorrentes e votantes são
o arcebispo emérito de São Paulo, Dom Claudio Hummes, de 78 anos, Dom
João Braz de Aviz, de 65, o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Pedro
Scherer, de 63, e o arcebispo de Salvador e ex-presidente da CNBB, Dom
Geraldo Majella Agnelo, de 79 anos.
Desde terça-feira (19), o arcebispo de Aparecida
cumpre os últimos compromissos da Arquidiocese de Aparecida antes de
seguir para Roma. Além de reuniões na diocese e uma missa celebrada no
Santuário Nacional, o cardeal será submetido a exames de rotina na
capital paulista nesta sexta-feira (22).
Leia a seguir os principais trechos da entrevista do presidente da CNBB sobre a escolha do novo pontífice.
G1 - O sr. está se preparando para a escolha do novo Papa? Como é o preparo?
Dom Raymundo Damasceno -
Primeiro, procurando rever na memória os cardeais que eu conheço e que
vão participar do conclave, para ver se tenho alguma ideia mais clara
sobre cada um deles. Em segundo lugar, é fundamental a oração, para que
nós realmente estejamos abertos aos sinais dos tempos. O mundo e a
sociedade querem também nos dizer alguma coisa e nós devemos estar
abertos a esses sinais, aquilo que de certo modo reflete os anseios e as
expectativas da sociedade.
G1 - O sr. já sabe em quem vai votar?
Dom Raymundo -
Todo cardeal deve ter nomes que vêm à sua mente. Mas eu não diria que
esses nomes que vêm à mente neste momento, antes do conclave, permitem
que você tenha uma visão clara a respeito do nome que será apoiado ou
acolhido no conclave. Esses nomes ajudam e a gente vai percebendo
durante o processo do próprio conclave se os nomes que temos em mente
são, de fato, os mais adequados para serem Papa nos tempos atuais.
G1 - Diante dos desafios atuais da Igreja, qual o perfil que o futuro Papa deve ter?
Dom Raymundo -
O Papa deve ser, sobretudo, um pastor, ser aquele que preside a Igreja
na caridade, que é o sinal visível da unidade da fé da Igreja. É
importante, claro, que ele tenha seus conhecimentos teológicos, uma
experiência pastoral e uma vivência espiritual. Responde ao perfil
esperado de um candidato a Papa alguém que acompanhou a caminhada na
Igreja, além de ser uma pessoa capaz de diálogo. Hoje não podemos
trabalhar sozinhos, o Papa é o líder da igreja, mas ele também conta com
apoios para governar essa Igreja.
G1 - Na sua opinião, o próximo Papa tem que ser mais jovem?
Dom Raymundo -
Não necessariamente. A idade pesa na decisão dos cardeais pelo novo
Papa, mas nós estamos vivendo em um mundo muito diferente, hoje todo
mundo sabe pelas estatísticas que as pessoas estão vivendo muito mais,
então você tem pessoas por volta dos 70 anos com muito vigor. Mas
evidentemente que se você tem um cardeal que sobre o qual realmente a
idade está pesando, não tem mais aquele vigor físico, de ânimo, não
vamos eleger um Papa nessas condições porque seria quase que preparar-se
para um novo conclave daqui um ou dois anos.
G1 - O sr. gostaria de ver um Papa mais carismático?
Dom Raymundo -
Cada pessoa tem suas qualidades naturais, seus dotes, seus talentos e
tudo isso ajuda no exercício do ministério do Papa, mas a própria missão
do Papa se reveste num carisma muito especial e nós estamos vendo isso.
Depois do Papa João Paulo 2º, como muitos dizem, era um Papa
carismático, veio o Papa Bento 16, um Papa um pouco mais tímido por
personalidade, mas que foi despertando aos poucos o amor e carinho da
Igreja. Ao assumir a função do bispo de Roma, o Papa é revestido de um
carisma próprio desta função de ser o sucessor de Pedro.
G1 - O sr. acha que existe chance de ser eleito um Papa da
América Latina ou africano, quem sabe até um brasileiro? Existe abertura
para essa escolha?
Dom Raymundo - Chance
existe, claro, sem dúvida nenhuma. Nós (cardeais) não vamos para o
conclave fechados em um nome, qualquer cardeal que participa do colégio
eleitoral pode ser eleito. Não importa sua raça, sua cor, mas seu perfil
de pastor, sua experiência pastoral ao longo de sua vida, aquilo que
ele realmente fez até agora nas funções em que exerceu para a Igreja e
para o mundo. Agora, se vier um bispo da América Latina, do Brasil,
vamos ficar muitos felizes, mas não sabemos se será um brasileiro.
Papa Bento 16 vai renunciar oficialmente em 28
de fevereiro (Foto: Max Rossi/Reuters)
de fevereiro (Foto: Max Rossi/Reuters)
G1 - O Papa Bento 16, quando renunciou, mencionou as divisões
que existem na Igreja. Isso vai pesar no conclave? Que divisões são
essas?
Dom Raymundo - É uma impressão, mas
percebemos que as mensagens do Papa são bastante breves, mas nas
entrelinhas ele chama a atenção para alguns problemas da Igreja. O Papa
está chamando a atenção para a comunhão da Igreja, provavelmente ele
está percebendo, quem sabe, muitos sinais que atingem a comunhão da
Igreja. Ele questiona: 'como é que eu estou realizando a minha missão
dentro da igreja?', 'como membro deste corpo que deve estar a serviço do
bem?, 'será que eu estou procurando meu próprio interesse?', 'será que
eu estou querendo usar a minha função para dominar o outro ou para subir
a lugares maiores, acima do meu?'. Com a renúncia, ele (Papa) está nos
dando o exemplo, nos fazendo refletir, mostrando que cargo na Igreja é
passageiro. Há um sinal profético para a Igreja no gesto da renúncia do
Papa Bento 16.
G1 - O sr. pensa que poderá se tornar Papa? Passa isso pela sua cabeça?
Dom Raymundo -
A gente tenta afugentar esse pensamento. A função da Igreja é de
serviço, nós não nos candidatamos, nós recebemos e aceitamos uma missão
que nos é dada por Deus por meio do conclave. Ninguém está preparado
para a missão, então a gente se sente um pouco receoso diante de um
chamado desse.
G1 - O sr. acha que o conclave será realizado rapidamente, poderá ser adiantado ou é preciso atender a prazos?
Dom Raymundo -
Eu creio que não terá um prazo longo, mas não posso dizer isso de uma
forma oficial. Os cardeais, estando todos em Roma no dia 28, sobretudo
os que vão votar, creio que não há razão para adiar. Primeiro, por conta
das licenças para ir até Roma, quem mora na África, na América ou
Oceania percorre distâncias longas para ir a Roma e retornar aos seus
lugares. Para voltar novamente a Roma (para o conclave) seria um
desgaste grande. Creio que os cardeais vão pedir ao presidente do
conclave que o convoque o mais breve possível.
G1 - Pelo fato de estar vivo, o Papa Bento 16 pode ter alguma influência na escolha do seu sucessor?
Dom Raymundo -
No conclave certamente não exercerá nenhuma influência sobre a eleição,
ele não vai participar. Nos seus pronunciamentos atuais, acerca de suas
palavras, de seus discursos, não vejo nenhum sinal claro, nenhum gesto
que possa significar que o Papa queira influenciar na escolha do seu
sucessor.
G1 - O sr. conversou com os demais cardeais brasileiros a respeito da escolha?
Dom Raymundo -
Não conversamos. Agora que estaremos indo para Roma é lá que vamos nos
encontrar a partir do dia 25. Teremos essa oportunidade sem dúvida
nenhuma em Roma.
G1 - Esse conclave pode ser mais rápido
que o anterior, que elegeu o Papa Bento 16, em função da circunstância
de renúncia, o que permite mais tempo para os cardeais analisarem o nome
do sucessor?
Dom Raymundo - É muito
difícil de fazer esse tipo de previsão, mas me parece que será um
conclave que demorará um pouco mais que o anterior. Essa é minha
impressão, porque o nome do cardeal Ratzinger estava muito em evidência
na época de sua eleição e era um cardeal próximo a João Paulo 2º,
conhecido como grande teólogo, então tudo convergia de certa forma para a
eleição dele. Por isso um consenso se estabeleceu mais rapidamente em
torno de seu nome. Desta vez não há nenhum nome mais forte, então a
expectativa é que demorará um pouco mais.
G1 - Os católicos, sobretudo os europeus, estão preparados para um Papa de fora do continente?
Dom Raymundo -
Creio que sim. Para nós católicos, o Papa é o Papa. Então, como certa
vez alguém me disse numa ocasião de eleição de um Papa, 'esse não era o
meu candidato', mas após a eleição ele passa a ser o meu Papa, creio que
essa seja a posição da maioria dos católicos.
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