Redação - (Segunda-feira, 04-03-2013, Gaudium Press) -
Fabiano era um devoto cristão daqueles primeiros séculos, nos quais
testemunhar publicamente o nome de Jesus significava pôr em risco a
própria vida. Não havia muito que o Papa fora martirizado. "O
pontificado de Antero - afirma Eusébio de Cesaréia -tinha durado apenas
um mês"1. E Fabiano, como todos os fiéis, aguardava ansioso a eleição do
novo pontífice.
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Assim que as circunstâncias o
permitiram, o clero e o povo cristão de Roma se reuniram em algum dos
locais de culto, talvez uma dependência das catacumbas, e procederam à
eleição. Procuravam empenhadamente chegar a um consenso em torno do
candidato mais idôneo. As preferências se inclinavam para aqueles de
origem nobre e influente. No entanto, não havia meio de chegarem a um
acordo.
Do anonimato à notoriedade
Naquele dia, Fabiano voltava do campo,
com alguns amigos. No caminho, sentiu um desejo intenso de saber quem
seria o novo Papa. Mera curiosidade? Inspiração do Espírito Santo? E
ele, movido por esse misterioso impulso, entrou no local onde
transcorria a eleição.
Podemos imaginar que tenha ido logo
procurar seus conhecidos para se informar das últimas novidades. Talvez
algum dos candidatos fosse seu amigo ou parente...
Porém, Fabiano, ao transpor o umbral do lugar onde se desenrolava esse acontecimento histórico, estava bem convicto de que na escolha de um Papa há sempre um eleitor invisível, o qual tem a última palavra, independentemente das intenções humanas que possam interferir naquele ato: o Divino Espírito Santo.
Dessa vez, o Grande Eleitor havia decidido intervir de modo visível.
Porém, Fabiano, ao transpor o umbral do lugar onde se desenrolava esse acontecimento histórico, estava bem convicto de que na escolha de um Papa há sempre um eleitor invisível, o qual tem a última palavra, independentemente das intenções humanas que possam interferir naquele ato: o Divino Espírito Santo.
Dessa vez, o Grande Eleitor havia decidido intervir de modo visível.
Enquanto Fabiano se esgueirava por entre
a assistência para se aproximar do centro da cena onde se desenrolavam
os debates, uma pomba entrou por uma janela do recinto, esvoaçou
elegantemente sobre os circunstantes e pousou suavemente sobre a sua
cabeça: o Espírito Santo o havia escolhido! A assembléia, presenciando o
fato, logo irrompeu numa grande aclamação de júbilo diante de um sinal
tão notório da Providência: "Ele é digno! Ele é digno! E apesar da
resistência de Fabiano, cercaram-no e o fizeram sentar-se no trono
pontifício", relata Eusébio de Cesaréia 2.
O escolhido pela pomba na origem do Colégio Cardinalício
São Fabiano governou a Igreja durante 14
anos, tendo coroado seu pontificado com o martírio, sob o imperador
Décio, a 20 de janeiro de 250.
Entre as medidas inovadoras tomadas por
esse Papa, destaca-se a nomeação de um diácono para cada uma das sete
regiões de Roma, a fim de dar assistência aos pobres, assim como sete
subdiáconos para dirigir os notarii, encarregados de redigir as atas dos
mártires. Esses diáconos regionais são os antepassados remotos de uma
das ordens em que se divide o Colégio Cardinalício: os
cardeais-diáconos. E não deixa de ser singular o fato de ter sido um
Papa escolhido por uma "pomba" quem lançou os fundamentos da instituição
que, séculos mais tarde, teria como principal função a eleição do sumo
pontífice.
Origem do Sacro Colégio
O Colégio Cardinalício originou-se "no
Presbyterium ou senado sacerdotal que rodeava o Bispo de Roma, assim
como os demais bispos dos primeiros séculos. A partir do século VI, os
presbíteros dos 25 títulos ou igrejas paroquiais de Roma recebem o nome
de praesbyteri cardinales (de cardo, gonzo), porque eram como que os
gonzos ou eixo dessas igrejas.Incardinatus ou cardinalis, era costume
dizer-se do clérigo incorporado estavelmente a uma igreja, para
estabelecer a diferença com o que estava vinculado temporariamente.
Depois foram chamados diaconi cardinales os diáconos regionais,
encarregados desde tempos remotos de socorrer os pobres das sete regiões
de Roma (mais tarde foram quatorze), e ocupados também em assistir o
Papa, tanto nos ofícios divinos, como na administração. A esses quatorze
diáconos se somaram quatro diaconi palatini, que serviam o pontífice no
seu palácio. Havia ainda sete bispos suburbicários que acompanhavam o
Papa nas funções litúrgicas: de Óstia, Porto, Albano, Santa Rufina ou
Silva Cândida, Sabina, Túsculo ou Frascati, e Preneste ou Palestrina.
Esses sete bispos, desde Estevão II (769), oficiavam por turno (episcopi
cardinales hebdomadarii) na Basílica de Latrão. No século XI, havia no
total 53 cardeais" 3.
Com o decorrer dos séculos, a sua
autoridade e prestígio foram crescendo notavelmente, pois, era também
entre os cardeais que os Papas costumavam escolher os legados
pontifícios.
Vicissitudes do Papado
A partir do século VI, as eleições dos
Papas começaram a sofrer ingerências dos príncipes, que prejudicaram
muito a Igreja. "Os reis arianos e ostrogodos da Itália arrogaram-se o
direito de aprovação [do Papa eleito]. Os imperadores gregos de
Constantinopla, tornados senhores da Itália, continuaram os abusos dos
arianos e dos ostrogodos. No começo do século IX, os reis dos Francos
tornaram-se, pela autoridade da Igreja, imperadores do Ocidente,
recebendo o direito e o dever de zelar para que a eleição do Papa fosse
livre. Após a segunda metade do século X, os reis da Germânia, tendo
recebido dos Papas a dignidade imperial, receberam também o mesmo
privilégio, com a mesma obrigação. O primeiro desses imperadores
alemães, Oton I, abusou desse privilégio, contra o próprio Papa que lho
havia conferido" 4.
No decorrer do século XI, a crescente
influência dos monges de Cluny levou a empreender uma salutar reforma da
Igreja, cujo principal expoente foi o Papa São Gregório VII. Já antes
de ascender ao Sólio Pontifício, o humilde monge Hildebrando exercia uma
notável influência na Cúria Romana, trabalhando incansavelmente para
coibir os abusos de sua época. Entre eles estava a ingerência dos
príncipes na escolha do Papa.
Papel decisivo do Colégio Cardinalício
Foi Estêvão IX que pela primeira vez
confiou a eleição do sucessor de Pedro aos Cardeais. Tendo de
ausentar-se de Roma, e talvez pressentindo sua próxima morte, "convocou
os cardeais, bispos, padres, diáconos e falou-lhes nestes termos: ‘Eu
sei, irmãos, que após minha morte surgirão entre vós homens orgulhosos e
ambiciosos que forçarão a porta do redil, procurarão apoio nos poderes
laicos e desprezarão as regras santas publicadas pelos Padres, invadindo
a Sé Apostólica'. [...] Todos sem exceção prometeram ao Papa obedecer
às suas instruções. E cada um deles foi colocar as mãos entre as do
pontífice, jurando não permitir que fosse eleito um Papa sem o
consentimento unânime e uma livre escolha realizada por todos os membros
do Colégio Cardinalício" 5.
Tranqüilizado pelas garantias dadas pelo
clero de Roma, Estêvão IX partiu em viagem, mas em Florença foi
acometido por uma súbita doença que o levou deste mundo. São Hugo, de
Cluny, que acompanhava o pontífice na viagem, o assistiu nos últimos
instantes.
Usurpação da Cátedra de Pedro
A notícia da morte de Estêvão IX detonou
novas explosões de ambição dos príncipes temporais. Gregório, conde de
Tusculum, aliado a outros senhores das proximidades de Roma, logo tentou
impor o seu candidato. "Os conjurados penetraram de noite na cidade de
Roma, que ficou presa do seu furor. No meio de um grande tumulto
invadiram a Basílica de Latrão e proclamaram Papa o bispo João de
Velletri, com o nome de Bento X. Pedro Damião, esse herói da fé e da
disciplina eclesiástica, que acabava se ser promovido à sede de Óstia,
acorreu com os cardeais a fim de protestarem contra essa horrível
violência. Porém, os soldados precipitaram-se sobre eles, de espada em
punho, para massacrá-los. Os cardeais, protegidos por alguns servidores
fiéis, conseguiram sair da Basílica por uma porta secreta e abandonaram
Roma" 6.
Primeira eleição realizada pelo Sacro Colégio
Por essa ocasião, o cardeal Hildebrando
(futuro São Gregório VII) regressava de uma viagem à Alemanha. Ao saber
da eleição, contra a proibição expressa do Papa Estêvão IX, deteve-se em
Florença, a fim de organizar a eleição legítima, de acordo com o
juramento feito anteriormente pelos cardeais.
Em Siena, Hildebrando propôs ao sólio
pontifício o bispo de Florença, Gerardo, que foi eleito por unanimidade
pelos cardeais, tomando o nome de Nicolau II. "No mês de janeiro de 1059
o Papa Nicolau foi recebido em Roma pelo clero e pelo povo com as
devidas honras, sendo entronizado pelos cardeais e tomando posse da
Santa Sé, segundo o costume" 7. Alguns dias depois, o antipapa Bento
apresentou-se diante de Nicolau II, a fim de reconciliar-se com a
Igreja, e assim normalizou-se a situação.
Embora o pontificado de Nicolau II tenha
sido muito curto - apenas dois anos - marcou definitivamente a história
da Igreja, ao instituir para todo o sempre, no Concílio de Latrão, em
abril de 1059, que a eleição papal ficava reservada aos cardeais,
isentando-a, assim, de ingerências e das ambições dos príncipes
temporais:
"Decidimos - determina o decreto de
Nicolau II - que, por morte do Soberano Pontífice da Igreja romana e
universal, os cardeais-bispos regulem com o maior cuidado a questão do
seu sucessor. Depois recorrerão aos cardeais-clérigos, ao restante do
clero e ao povo, a fim de obterem o seu consentimento para a nova
eleição. Que façam recair a sua escolha de preferência no seio da Igreja
romana, se nela encontrarem um homem capaz; caso contrário, busquem-no
em outra igreja" 8.
Com o decorrer dos séculos, os cardeais
foram assumindo cada vez mais encargos na Cúria Romana, auxiliando,
assim, o Papa no governo da Igreja. Um deles, por exemplo, é o do
Tribunal da Penitenciaria Apostólica, que regula a concessão de
indulgências e as matérias concernentes ao foro interno. "A origem deste
tribunal deve ser procurada no século XII, quando a absolvição de
certos delitos mais graves foi reservada ao Romano Pontífice. Sendo
muitos os que acorriam em peregrinação a Roma para alcançar o perdão de
seus pecados, ou enviavam seus pedidos por escrito, apresentando casos
de consciência, decidiu o Papa delegar suas faculdades a um cardeal
(paenitentiarius maior), o qual, desde o século XIII aparece
estavelmente com o poder de absolver pecados e censuras, dispensar de
irregularidades e impedimentos, comutar votos, etc. Tinha às suas ordens
um regente da Penitenciaria, um consultor canonista, vários auditores
para examinar as causas, além de outros oficiais inferiores (scriptores,
distributores, correctores, sigillatores)" 9.
Modernização da Cúria Romana
No século XVI, Sisto V, em seu curto,
mas profícuo pontificado, limitou a 70 o número de cardeais, mas
promoveu ao mesmo tempo uma inovadora reforma da Cúria Romana, dividindo
a administração da Igreja em quinze Congregações, dirigidas por
cardeais. Essa estrutura, com as adaptações necessárias aos novos
tempos, permanece essencialmente a mesma até hoje, demonstrando sua
grande eficácia.
Atualmente, segundo a constituição
apostólica Universi Dominici Gregis, de João Paulo II, os cardeais
eleitores não devem ultrapassar o número de 120, e exercem o direito de
voto até completarem oitenta anos de idade.
Das remotas eras em que uma pomba
indicava aos fiéis o escolhido por Deus para governar a Igreja, até
nossos dias, o Espírito Santo foi conduzindo com Seu sopro divino os
acontecimentos, de forma a dar à Igreja sua bela fisionomia, como a
descreve São Paulo, "toda gloriosa, sem mácula, sem ruga, sem qualquer
outro defeito semelhante, mas santa e irrepreensível" (Ef 5, 27).
"A carreira do Paraíso"
A criação de novos cardeais, como há
pouco ocorreu, no Consistório de 24 de novembro, traz sempre à mente de
todos a honrosa dignidade desse cargo eclesiástico, ficando por vezes
num segundo plano outros aspectos não menos importantes de tão alta
função.
Merecem, por isso, ser aqui mencionadas a
título de conclusão as palavras de Dom Angelo Comastri, Cardeal
Arcipreste da Basílica de São Pedro, à Radio Vaticano, nas quais o
ilustre purpurado deixa transparecer o verdadeiro e sublime sentido do
cardinalato:
"O cardinalato não modifica a vida, o
cardinalato compromete a dar mais, compromete - se assim se pode dizer -
a um heroísmo maior no viver a fidelidade à própria vocação.[...] Não
existem ‘carreiras' na Igreja, mas existem chamados ao serviço. A única
carreira na Igreja é a carreira ao Paraíso. Se não se chega lá, então se
faliu, porque a finalidade da vida é alcançar o Paraíso. Tudo o mais é
unicamente um chamado ao serviço: chamado a viver pelo Evangelho, porque
é o bem único da vida; chamado a servir Jesus, porque é a nossa única
esperança; chamado a anunciar ao mundo que há um só Salvador. Também o
cardinalato serve para isso e somente para isso."
José Antonio Dominguez - Gaudium Press
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1) CESARÉIA, Eusébio apud Darras, J.-E. Histoire Générale de L'Église. Paris: Louis Vives, 1876, t. 8, p. 116.
2) Idem, ibidem, p. 116.
3) LLORCA S.I, Bernardino. História de la Iglesia Católica. Madrid: BAC, 1953, t. II, p. 176.
4) ROHRBACHER. Histoire Universelle de L'Église Catholique. Lyon: Librairie Ecclesiastique de Briday, 1872, t. 6, p. 111.
5) Darras, J.-E. Histoire Générale de L'Église. Paris: Louis Vives, 1876, t. 21, p. 293.
6) Idem, ibidem, pp. 295-296.
7) Cf. ROHRBACHER. Histoire Universelle de L'Église Catholique. Lyon: Librairie Ecclesiastique de Briday, 1872, t. 6, p. 111. p. 110.
8) in DANIEL-ROPS. A Igreja das Catedrais e das Cruzadas. São Paulo, Quadrante, 1993, p. 198.
9) LLORCA S.I., Bernardino. História de la Iglesia Católica. Madri: BAC, 1953, t. II, p. 688.
2) Idem, ibidem, p. 116.
3) LLORCA S.I, Bernardino. História de la Iglesia Católica. Madrid: BAC, 1953, t. II, p. 176.
4) ROHRBACHER. Histoire Universelle de L'Église Catholique. Lyon: Librairie Ecclesiastique de Briday, 1872, t. 6, p. 111.
5) Darras, J.-E. Histoire Générale de L'Église. Paris: Louis Vives, 1876, t. 21, p. 293.
6) Idem, ibidem, pp. 295-296.
7) Cf. ROHRBACHER. Histoire Universelle de L'Église Catholique. Lyon: Librairie Ecclesiastique de Briday, 1872, t. 6, p. 111. p. 110.
8) in DANIEL-ROPS. A Igreja das Catedrais e das Cruzadas. São Paulo, Quadrante, 1993, p. 198.
9) LLORCA S.I., Bernardino. História de la Iglesia Católica. Madri: BAC, 1953, t. II, p. 688.
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