26 março, 2013
Entrevista com a médica Maria Emília, coloproctologista e membro da comissão de bioética da CNBB
Por Thácio Lincon Soares de Siqueira
BRASíLIA, 25 de Março de 2013 (Zenit.org)
– A cada dia cresce a indignação dos médicos brasileiros sobre o
posicionamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) do Brasil, do dia
21 de março, a favor da “autonomia da mulher” em caso de “interrupção da
gestação”, ou seja, do aborto.
A médica
Maria Emília de Oliveira Schpallir Silva, graduada pela PUC de Campinas,
Coloproctologista com título de especialista pela sociedade brasileira
de coloproctologia e membro da comissão de bioética da CNBB, concedeu
uma entrevista a ZENIT expressando a sua indignação desse posicionamento
que tem a clara intenção de “fortalecer os que são favoráveis à reforma
do código penal no que diz respeito ao aborto”.
Leia a entrevista completa:
***
ZENIT:
O Conselho Federal de Medicina (CFM) se posicionou a favor do aborto na
quinta-feira da semana passada? A intenção é enviar para o Senado esse
parecer e dar assim um maior peso para a reforma do código penal que
pretende descriminalizar o aborto?
Maria Emília: Não obstante o texto frise “que não se decidiu serem os Conselhos de Medicina favoráveis ao aborto, mas, sim, à autonomia da mulher e do médico” essa afirmação é apenas um jogo de palavras e esconde a verdadeira intenção. São favoráveis à autonomia da mulher e do médico a praticar o aborto, portanto estão, sim, sendo favoráveis ao aborto.
A intenção é
clara: o parecer do CFM vai fortalecer os que são favoráveis à reforma
do código penal no que diz respeito ao aborto, principalmente porque
vai exercer grande influência sobre a opinião pública.
Infelizmente,
aqueles que juraram defender a vida e a postura ética, são os que usam
do poder de seu título para confundir a opinião pública e legitimar o
assassinato deliberado,de seres humanos vulneráveis apoiando-se em
argumentos pseudoéticos.
Não é a
primeira vez na história que atrocidades são cometidas com o aval da
ciência. O nazismo foi legitimado pela eugenia, considerada ciência na
época. Depois chegou-se à conclusão de que se tratava de uma
pseudociência em nome da qual se praticou toda sorte de arbitrariedades
que feriam profundamente a dignidade humana.
ZENIT:
Realmente o CFM está representando o parecer de TODOS os 27 conselhos
regionais e dos 400 mil médicos do país? Então, os médicos do Brasil são
abortistas?
Maria
Emília: O CFM representa a classe médica porquanto foi por ela eleita,
porém, da mesma forma que governantes eleitos pelo povo possam propor
leis que não representem a vontade da maioria, como seria, por exemplo, a
lei de descriminalização do aborto, também
nem todas as decisões tomadas pelo conselho representam o que pensa a
maioria dos médicos. Esta decisão não partiu de um plebiscito. Não
creio que a maioria dos médicos seja abortista, pois a vocação do médico
é salvar vidas e não tirá-las. O preâmbulo do Código de Ética Médica,
no seu artigo II diz explicitamente que “O alvo de toda a atenção do
médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o
máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.”
ZENIT: Por que aprovar o aborto até a 12a. semana? Quais os argumentos usados pelo CFM?
Maria
Emília: O primeiro argumento usado pelo CFM é a autonomia da mulher e do
médico. Invoca a bioética principialista para defender éticamente sua
decisão, porém de forma totalmente equivocada e anti ética pois não leva
em consideração na reflexão bioética a criança em gestação. A bioética
principialista é regida pelos princípios da autonomia, não maleficência,
beneficência e justiça.
A objeção a
essa postura do CFM é de caráter antropológico: o embrião e feto são
seres humanos que merecem igual proteção e estão sendo discriminados. O
princípio da justiça é singularmente ferido, pois é justo que o
vulnerável seja sempre prejudicado por aquele que detém mais poder ou
que é mais útil para uma sociedade onde só as leis de mercado importam?
Isto configura uma bioética utilitarista e não principialista.
O conselho
também alega que há um alto índice de ocupação de leitos públicos por
curetagens pós-abortamento sobrecarregando o SUS, porém a
descriminalização vai aumentar ainda mais este número uma vez que a
prática do aborto vai ser realizada com dinheiro público e pelo SUS
ocupando lugar de pessoas verdadeiramente doentes que necessitam do
serviço já tão sobrecarregado.
Outra alegação do conselho é que “levou-se
em consideração as estatísticas de morbidade e mortalidade da mulher em
decorrência de práticas inseguras na interrupção da gestação… ainda
maiores devido à dificuldade de acesso à assistência adequada”.
Porém é
importante salientar que a mulher que procura o aborto tem a opção de
não fazê-lo. É um risco evitável. O feto não tem opção nenhuma. Um crime
deve ser cometido em segurança?Estamos comparando dois valores de pesos
diferentes: vida versus interesses. No caso da mulher o que
conta são interesses, mas o feto perde sempre a vida. Descriminalizar o
aborto alegando sua alta incidência deve, por coerência, levar a propor a
descriminalização de outros delitos tão ou mais freqüentes.
Alegar que a
pobreza justifica o aborto é uma eugenia social para com o pobre. A
pobreza tem que ser encarada com seriedade através de políticas públicas
efetivas, mas isto, embora seja ético e eficaz, demanda um custo
financeiro alto. O aborto é a solução barata: para o pobre a solução
proposta é sempre a morte.
ZENIT: E agora? O que é que resta para aqueles médicos do Brasil que não estão nenhum pouco de acordo com esse parecer do CFM?
Maria Emília: O último parágrafo do posicionamento do CFM mostra toda a incongruência do texto: “Finalmente, na esfera jurídica, entende-se que a proposta de alteração do Código Penal estabelecida no PLS 236/2012 – NÃO IRÁ DESCRIMINALIZAR O ABORTO. A conclusão dos Conselhos de Medicina é de que com a aprovação desse projeto o crime de aborto
continuará a existir, apenas serão criadas outras causas excludentes de
ilicitude. Ou seja, somente nas situações previstas no projeto em
tramitação no Congresso que a interrupção da gestação não configurará
crime.”
Note-se a
incoerência: o Conselho admite que é crime e se o faz é porque admite
que o ser em gestação é uma vida humana que merece ser protegida, caso
contrário não haveria crime. Ainda assim, fere o código de ética
propondo ao médico que desrespeite essa vida, que admitiu ser humana, e
nega estar propondo a descriminalização.
Porém, há no
código de ética médica um artigo sobre a objeção de consciência, em que
o médico não pode ser obrigado a realizar procedimentos que sejam
contrários à sua convicção pessoal.
ZENIT:
O juramento de Hipócrates, que o médico faz na sua formatura, ainda é
válido, ou isso de defender a vida é algo que vai com a moda do momento?
Maria
Emília: Embora o contexto sócio-cultural seja o da quebra de paradigmas
com o conseqüente relativismo ético e moral em uma sociedade
utilitarista, individualista e hedonista, acredito que haja valores que
sejam supra-culturais e derivem da razão humana que sabe diferenciar
beneficência de maleficência e tem consciência do que seja justiça.
Embora muitos vejam no juramento de Hipócrates um certo grau de
paternalismo, acredito que ele reflita o verdadeiro ethos daqueles que tem vocação para a medicina.
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