[folha]
21/03/2013
JOHANNA NUBLAT
DE BRASÍLIA
DE BRASÍLIA
A proposta de dar à mulher a opção de interromper a gravidez até a 12ª
semana, ampliando os casos previstos de aborto legal, ganhou o apoio de
conselhos de medicina.
A posição é inédita e respalda o anteprojeto da reforma do Código Penal entregue ao Senado no ano passado, de acordo com o CFM (Conselho Federal de Medicina).
O entendimento foi aprovado pela maioria dos conselheiros federais de
medicina e dos presidentes dos 27 CRMs (Conselhos Regionais de Medicina)
reunidos em Belém (PA) no início do mês. Antes disso, o tema foi
debatido internamente por dois anos.
"Defendemos o caminho da autonomia da mulher. Precisávamos dizer ao
Senado a nossa posição", diz Roberto D'Ávila, presidente do CFM.
O anteprojeto, preparado por uma comissão de advogados e especialistas,
propôs a ampliação das situações previstas para o aborto legal.
Inclui casos de fetos com anomalias incompatíveis com a vida e o aborto
até a 12ª semana da gestação por vontade da mulher --neste caso, desde
que médico ou psicólogo constate falta de "condições psicológicas".
Os conselheiros vão além do anteprojeto e rejeitam a necessidade do laudo desse do médico ou psicólogo.
A posição será encaminhada à comissão especial do Senado que analisa a
reforma do Código Penal. A previsão era que o parecer final dessa
comissão fosse apresentado este mês. O prazo, porém, foi suspenso para
dar mais tempo para debates e análises.
Em 2005, o governo federal estimou em 1 milhão o total de abortos induzidos por ano no país.
DESCRIMINALIZAÇÃO
A posição adotada não significa apoiar o aborto ou a descriminalização irrestrita da prática, afirma D'Ávila.
Mesmo assim, o entendimento não teve unanimidade entre os conselheiros.
"Cerca de um terço foi contra", afirma João Batista Soares, presidente
do CRM-MG.
Soares está no grupo que foi contra a proposta. E diz que o conselho
mineiro aprovou um texto contrário à posição e o enviou ao CFM.
"Não é uma questão religiosa. Enquanto médicos, entendemos que nossa
obrigação primeira é com a vida. Existem situações especiais que
justificam [o aborto]. Agora, simplesmente porque a mulher não quer ter
aquele filho, aí somos contra."
Para Soares, o apoio ao anteprojeto pode passar o recado que o médico está liberado para praticar o aborto.
D'Ávila discorda. "Não estamos liberando o aborto. Vamos continuar
julgando os médicos que praticam o aborto ilegal, até que, um dia, o
Congresso Nacional torne o aborto não crime."
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Segundo a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil),"constitue um apoio à cultura da violencia".
A entidade da Igreja Católica, radical opositora do aborto sob qualquer
circunstância, recebeu a chancela dos conselhos com preocupação, pois
ela poderia incentivar "alguns direitos em detrimento de outros".
"O que consideramos grave nesse contexto é o poder 'educativo' --que é
deseducativo, na verdade-- que um órgão importante como o Conselho
Federal de Medicina tem, o poder de criar mentalidades", avalia Dom João
Carlos Petrini, bispo da CNBB.
Para ele, a escolha deve ser sempre pela vida.
"Do contrário, se fortalece uma mentalidade que favorece o recurso à
violência e à morte. E justamente num contexto em que o Brasil está
assolado por índices de violência que nos colocam em situação parecida
com países que estão em guerra."
Enquanto que...
No mundo acadêmico, o entendimento é bem diferente. Para Debora Diniz,
professora da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisadora da Anis
(Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero), a posição dos
conselhos de medicina transfere, de vez, o debate do campo da religião
para o da saúde pública.
"O CFM é uma referência ética para como os médicos devem se comportar e
como devem pensar a assistência em saúde. Nesse sentido, a posição do
conselho pela descriminalização do aborto [até a 12ª semana] significa
um deslocamento definitivo do tema: da religião para a saúde pública",
diz.
Para a pesquisadora, o posicionamento põe os conselhos de medicina em
"posição de vanguarda". Ela concorda com a dispensa do laudo pelo médico
ou psicólogo.
"O aborto deve ser uma escolha soberana, informada e autônoma das mulheres." (JOHANN NUBLAT)
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