terça-feira, 26 de março de 2013

Newman contra a «papolatria»

avidasacerdotal 
março 23, 2013    
Tradução: Allan dos Santos
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Beato Newman
Se o Papa falara contra a consciência, no verdadeiro sentido da palavra, cometeria um suicídio. Provocaria o afundamento do chão onde coloca seus pés. Sua missão é proclamar a lei moral, proteger e assegurar «esta luz verdadeira que, vindo a este mundo iluminou a todo homem» (João 1, 9). Sobre a lei da consciência e sobre seu caráter sagrado, se fundamenta a sua autoridade teórica e seu poder prático [...].

A defesa da lei moral é a razão de ser do Papa. Sua missão, na verdade, é responder às queixas dos que sofrem a insuficiência da luz natural; e a insuficiência desta luz que justifica a sua missão [...]. A Igreja, o Papa e a hierarquia, segundo o plano divino, respondem a uma necessidade urgente. Por mais seguras que sejam as bases das doutrinas da religião natural para os espíritos reflexivos e sérios, necessita, para influir de verdade na humanidade e vencer o mundo, que a Revelação a sustenta e completa [...].
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Newman, J.H. Pensamientos sobre la Iglesia. Textos presentados por O. Karrer. Ed. Stella, Barcelona, 1964, pp. 119 y ss. 
Eis outra observação: a consciência é uma regra prática; por ela, somente é possível uma oposição entre a autoridade do Papa quando este promulga leis, ou dá ordens especiais, ou outros preceitos deste tipo. Mas, uma papa não é infalível em suas leis nem em seus mandamentos, nem em seus atos de governo, nem em sua adiministração, nem em sua conduta pública [...]. Foi infalível Pedro em Antioquia, quando São Paulo o resistiu? São Vitor foi infalívelquando excluiu de sua comunhão as Igrejas da Ásia? Ou Libério quando excomungou a Atanásio [Santo Atanásio, NdT] E, falando de épocas mais recentes, o foi Gregório XIII quando fez cunhar uma medalha da matança da noite de São Bartolomeu? Ou Paulo IV em sua conduta com Isabel (da Inglaterra)? Ou Sixto Quinto quando abençoou a Armada? Ou Urbano VIII quando perseguiu a Galileu? Nenhum católico pretendeu jamais que estes papas foram infalíveis ao agir assim. Posto que a infalibilidade poderia entorpecer o exercício da consciência, e posto que o Papa não é infalível no domínio em que a consci/6encia possui a autoridade suprema, nenhum beco sem saída (como o contido na obção à que contesto), pode acurralar-nos para escolher entre a consciência ou o Papa. 
Entretanto volto a repetir, por receio que meu pensamento seja mal interpretado, que quando falo da consciência, me refiro à consciência que merece ser chamada como tal. Se possui o direito de opor-se à autoridade do Papa, quando esta é suprema, mas não infalível, isso deve ser algo distinto desse miserável semblante falso que , como já dito, toma agora o nome de consciência. Se, em caso particular, deve tomar-se por guia sagrado e soberano, suas ordens — para prevalecer contra a voz do Papa — devem estar precedidas de uma séria reflexão, de orações e de todo os meios possíveis para chegar a uma opinião verídica sobre o assunto em questão.
Alejandro VI.
Ademais, a obediência ao Papa está, como se diz, «em poder de», ou seja, que o onus probandi de estabelecer provas contra ele, igual que em todos os casos de exceção, pertence à consciência [...]. Prima facie, é um dever necessário, ainda que não seja mais que pura lealdade, crer que o Papa tem razão, e agir conforme os seus preceitos.

O cristianismo deve sobrepor-se a esse espírito vil, estreito, egoísta e vulgar que impulsiona — quando se dá uma ordem eventual — a opor-se ao superior que deu essa ordem, a perguntar-se se não excede em suas atribuições e a regozijar-se por mesclar certo ceticismo em questões de moral prática. Não é necessário que se tenha decidido voluntariamente o pensar, falar ou agir exatamente a seu capricho [...].
Se esta regra indispensável é observada, os choques entre a autoridade do Papa e a autoridade da consciência serão muito raros.
Por outro lado, dado que para os casos extraordinários, a consciência de cada um é livre, temos a garantia e a certeza (se necessitamos tê-la) de que nenhum papa jamais poderia forjar  para seus fins pessoais uma falsa lei da consciência [...].
Uma última observação. Se depois de uma comida, me vejo obrigado a fazer um brinde religioso — o que evidentemente não se faz —, beberia em brinde à saúde do Papa, crendo nele, mas primeiramente pela consciência, e depois pelo Papa.


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