Tradução: Allan dos Santos
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Beato Newman |
Se
o Papa falara contra a consciência, no verdadeiro sentido da palavra,
cometeria um suicídio. Provocaria o afundamento do chão onde coloca seus
pés. Sua missão é proclamar a lei moral, proteger e assegurar «esta
luz verdadeira que, vindo a este mundo iluminou a todo homem» (João 1,
9). Sobre a lei da consciência e sobre seu caráter sagrado, se
fundamenta a sua autoridade teórica e seu poder prático [...].
A defesa da lei moral é a razão
de ser do Papa. Sua missão, na verdade, é responder às queixas dos que
sofrem a insuficiência da luz natural; e a insuficiência desta luz que
justifica a sua missão [...]. A Igreja, o Papa e a hierarquia, segundo o
plano divino, respondem a uma necessidade urgente. Por mais seguras que
sejam as bases das doutrinas da religião natural para os espíritos
reflexivos e sérios, necessita, para influir de verdade na humanidade e
vencer o mundo, que a Revelação a sustenta e completa [...].
Newman, J.H. Pensamientos sobre la Iglesia. Textos presentados por O. Karrer. Ed. Stella, Barcelona, 1964, pp. 119 y ss.
Eis outra observação: a
consciência é uma regra prática; por ela, somente é possível uma
oposição entre a autoridade do Papa quando este promulga leis, ou dá
ordens especiais, ou outros preceitos deste tipo. Mas, uma papa não é
infalível em suas leis nem em seus mandamentos, nem em seus atos de
governo, nem em sua adiministração, nem em sua conduta pública [...].
Foi infalível Pedro em Antioquia, quando São Paulo o resistiu? São Vitor
foi infalívelquando excluiu de sua comunhão as Igrejas da Ásia? Ou
Libério quando excomungou a Atanásio [Santo Atanásio, NdT] E,
falando de épocas mais recentes, o foi Gregório XIII quando fez cunhar
uma medalha da matança da noite de São Bartolomeu? Ou Paulo IV em sua
conduta com Isabel (da Inglaterra)? Ou Sixto Quinto quando abençoou a
Armada? Ou Urbano VIII quando perseguiu a Galileu? Nenhum católico
pretendeu jamais que estes papas foram infalíveis ao agir assim. Posto
que a infalibilidade poderia entorpecer o exercício da consciência, e
posto que o Papa não é infalível no domínio em que a consci/6encia
possui a autoridade suprema, nenhum beco sem saída (como o contido na
obção à que contesto), pode acurralar-nos para escolher entre a
consciência ou o Papa.
Entretanto volto a repetir, por
receio que meu pensamento seja mal interpretado, que quando falo da
consciência, me refiro à consciência que merece ser chamada como tal. Se
possui o direito de opor-se à autoridade do Papa, quando esta é
suprema, mas não infalível, isso deve ser algo distinto desse miserável
semblante falso que , como já dito, toma agora o nome de consciência.
Se, em caso particular, deve tomar-se por guia sagrado e soberano, suas
ordens — para prevalecer contra a voz do Papa —
devem estar precedidas de uma séria reflexão, de orações e de todo os
meios possíveis para chegar a uma opinião verídica sobre o assunto em
questão.
Alejandro VI. |
O cristianismo deve sobrepor-se a esse espírito vil, estreito, egoísta e vulgar que impulsiona — quando se dá uma ordem eventual — a opor-se ao superior que deu essa ordem, a perguntar-se se não excede em suas atribuições e a regozijar-se por mesclar certo ceticismo em questões de moral prática. Não é necessário que se tenha decidido voluntariamente o pensar, falar ou agir exatamente a seu capricho [...].
Se esta regra indispensável é observada, os choques entre a autoridade do Papa e a autoridade da consciência serão muito raros.
Por outro lado, dado que para os casos
extraordinários, a consciência de cada um é livre, temos a garantia e a
certeza (se necessitamos tê-la) de que nenhum papa jamais poderia forjar
para seus fins pessoais uma falsa lei da consciência [...].
Uma última observação. Se depois de uma comida, me vejo obrigado a fazer um brinde religioso — o que evidentemente não se faz —, beberia em brinde à saúde do Papa, crendo nele, mas primeiramente pela consciência, e depois pelo Papa.
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