22 março 2013
Meditação sobre o mistério da Anunciação que se comemora em 25 de março
Gregorio Vivanco Lopes
De repente, no Céu, um alegre e sacral alvoroço entre os anjos. Deus
lhes revelara que os tempos estavam completos e o momento de a Segunda
Pessoa da Santíssima Trindade encarnar-se e habitar entre os homens
chegara. Um anjo seria enviado à Virgem de Nazaré para anunciar-lhe sua
maternidade divina. Qual dos anjos? Quem teria essa honra? A expectativa
era grande.
Deus outrora havia enviado o Arcanjo Gabriel em missão junto ao
Profeta Daniel, a fim de comunicar-lhe a famosa profecia sobre as
setenta semanas de anos que decorreriam até a vinda do Salvador. (Dn 8 e
9)
Chegado o momento do cumprimento dessa profecia, Deus quis que o
mesmo Gabriel, que séculos antes a anunciara a Daniel, fosse o portador
da boa nova.
Todos os anjos do Céu se regozijaram pela escolha de Gabriel; ele,
por sua vez, prostrou-se ante a Divina Majestade para receber as
palavras que deveria comunicar à Virgem Imaculada.
Para preparar o caminho, Gabriel foi previamente enviado como
embaixador junto ao sacerdote Zacarias, a fim de lhe transmitir que ele
seria o pai do Precursor, João Batista.
Afinal, chegado o momento aprazado desde toda a eternidade, Gabriel
desceu dos Céus para realizar sua sublime missão nesta Terra, que seria a
grande alegria para os filhos de Eva.
Numa abençoada casa da pequena cidade de Nazaré, na Galileia, a
Virgem rezava, toda absorta em Deus. Ela terminara os afazeres da casa
enquanto José, seu castíssimo esposo, como Ela da real estirpe de David,
saíra para comprar nas cercanias algum material necessário à execução
de seus trabalhos. E agora meditava.
Gabriel
aproximou-se d’Ela, mas não ousou revelar logo sua presença. Durante
algum tempo ele a contemplou incógnito e enlevado, vendo nela a própria
expressão da inocência, da pureza e da mais alta santidade. Ele estava
extasiado, como que fora de si, pois nem no Céu encontrara algum anjo
que se pudesse comparar àquela obra prima da natureza e da graça: em
sublimidade, em elevação de espírito, em virtude, em dons de Deus. Sua
excelsitude ultrapassava em muito a capacidade de compreensão de
Gabriel, mas o enchia totalmente de gozo celestial e de admiração.
Por fim, como era preciso cumprir a vontade divina, ele se fez ver.
Mas o seu entusiasmo era tal, que antes mesmo de comunicar à Virgem,
cujo nome era Maria, a finalidade de sua embaixada, prorrompeu do mais
fundo de seu espírito uma exclamação de júbilo e admiração: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo”.
Que saudação será esta? – perguntava-se a Virgem. Toda sua vida fora
voltada para o amor e o serviço de Deus, sem qualquer incorreção ou
vacilação. Não encontrando em si nenhuma falta nem a mais leve
imperfeição, reconhecia, entretanto, seu nada diante de Deus. Não é
d’Ele que nos vêm todos os bens? Assim sendo, o que significavam aquelas
palavras tão elogiosas vindas de um anjo? A que vinha ele? “Discorria pensativa que saudação seria esta”.
Confundido diante da profunda humildade da Virgem, o Arcanjo procurou
tranquilizá-la, antes de comunicar-lhe o fim de sua embaixada: “Não temas Maria, pois achaste graça diante de Deus”.
E, em seguida, descobriu-lhe o objeto de sua missão: “Eis que
conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será
grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o
trono de seu pai David; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu
reino não terá fim”.
Após ouvir aquelas palavras com reverente atenção, Maria expôs ao Anjo uma perplexidade: “Como se fará isso, pois não conheço varão?”.
Não apenas Ela havia feito um voto de virgindade perpétua, mas a
união de alma que Deus consentia em ter com Ela era de tal profundidade
que não admitia qualquer partilha. Ela era a imaculada. Deus lhe havia
dito uma palavra interior, mediante a qual Ela compreendera que sua
castidade era eterna e só para Deus: “Como o lírio entre os
espinhos, assim é minha amiga entre as donzelas. Meu amado é para mim e
eu sou para ele. Toda formosa és, amiga minha, e em ti não há mácula. És
um jardim fechado, minha irmã, minha esposa, uma nascente fechada, uma
fonte selada” (Cânticos, 2 e 4).
Tal exclusividade de Deus na posse de sua alma e de seu corpo
constituía para Ela uma evidência sem réplica, a respeito da qual não
tinha qualquer dúvida ou vacilação. Mas nela tampouco havia qualquer
hesitação sobre a veracidade da mensagem do anjo, pois reconhecia nele
um mensageiro de Deus.
Então, calmamente, sem qualquer perturbação ou desassossego, sabendo
de antemão que para Deus nada é impossível, colocou o problema, cônscia
de que diante de duas realidades incompatíveis vindas do Altíssimo
deveria existir uma solução maravilhosa que Ela desconhecia.
E a resposta de Gabriel não se fez esperar, sublime e superando todas as soluções humanas: “O
Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te cobrirá
com a sua sombra. Por isso o santo que há de nascer de ti será chamado
Filho de Deus”.
Ao ouvir tal mensagem, Maria lembrou-se da profecia de Isaias: “o mesmo Senhor vos dará este sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará Deus Conosco”(Is 7,14).
Só então Ela deu seu consentimento: “Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”. E o Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós no seio da Virgem Maria.
Mas era necessário esse consentimento? Tal era a magnitude do dom que
Deus lhe fazia, que aparentemente não seria preciso qualquer aprovação
por parte d’Ela. Se alguém dá a outrem um tesouro estupendo, não precisa
perguntar-lhe se o aceita.
Não é verdade! Deus respeita absolutamente a liberdade de cada um.
Mesmo quando Ele cumula alguém de graças, condiciona seus efeitos à
aceitação da pessoa. É por isso que existe o mérito e a culpa. Quando se
aceita a bondade de Deus, pratica-se um ato meritório. Quando se
recusa, faz-se um ato culposo.
De modo que a aceitação por parte de Maria do dom divino foi
altamente meritória. E o bem infinito que daí decorreu para todos nós,
com a Redenção, efetivamente dependeu do fiat (faça-se) d’Ela.
Assim, depois de Deus, a Ela devemos a possibilidade que nos foi aberta
de salvarmos nossas almas e irmos para o Céu, até então fechado aos
homens pela culpa de Adão.
Dessa forma, o mistério da Anunciação deve suscitar em nós não apenas
um merecido louvor ao infinito poder de Deus e uma admiração sem
limites pela Virgem Mãe, mas também um hino de ação de graças a Maria
Santíssima por ter aceitado que n’Ela se realizasse o mistério sublime
do qual todos nós somos grandemente beneficiários.
“Por ela Jesus Cristo veio a nós, e por ela devemos ir a Ele”, concluímos com São Luiz Grignion de Montfort.
Nenhum comentário:
Postar um comentário