Conversão é muito mais do que deixar certos pecados... é a mudança radical na nossa maneira de pensar e de agir
Por Pe. Anderson Alves
ROMA, 11 de Março de 2013 (Zenit.org)
- A Quaresma é um tempo de conversão, no qual Deus quer purificar-nos
de nossos pecados para que celebremos a Páscoa. Deus quer nos limpar
para que participemos com alegria na festa nupcial do Cordeiro: Jesus
Cristo. Somos convidados à conversão nesse período, mas isso não é algo
superficial, como mudar mais ou menos alguns comportamentos. Não basta
deixar de fazer algum pecado, talvez o mais vergonhoso que possamos
fazer. A conversão é muito mais do que isso: é a mudança radical na
nossa maneira de pensar e de agir. Mas como isso é possível? O que é
capaz de mudar radicalmente a vida e o coração de uma pessoa?
Se
olharmos para a nossa vida ordinária, facilmente descobrimos o que
realmente pode mudar uma vida: um grande amor. O amor entre um homem e
uma mulher realmente os muda: seja na maneira de pensar, de sentir e de
agir. O amor entre um jovem casal e um filho que está para chegar os
transforma realmente. Os pais mudam de vida, inclusive a organização da
casa e do tempo. Sem dúvidas, a única coisa que pode mudar uma pessoa é
um grande amor.
A Quaresma lembra-nos que o cristianismo é uma religião de conversão,
e não de mera compreensão da realidade. O cristianismo não é uma gnose,
um conhecimento salvador, mas é uma vida em Cristo, que inicia no
encontro com o seu grande Amor. O que realmente muda o coração do homem é
a fé em um Deus reconhecido como Pai. “Olhai para Ele e sereis felizes,
o vosso rosto não ficará envergonhado” (Sl. 34, 6). Somente aqueles que
veem o rosto de Deus revelado em Jesus Cristo podem estar radiantes de
alegria e terem assim as suas vidas transformadas.
“Se alguém está em Cristo, é nova criatura. As coisas antigas
passaram; eis que uma realidade nova apareceu” (2 Cor 5, 17-21). Esta é a
origem da conversão: a vida em Cristo, reconhecendo a sua obra, que nos
reconcilia com Deus e nos torna seus filhos. “Tudo isto vem de Deus,
que nos reconciliou consigo por meio de Cristo e nos confiou o
ministério da reconciliação” (2 Cor 5, 18). De modo que aos seus
discípulos o Senhor confiou o seu mesmo ministério e, por meio deles,
Cristo exorta: “Sendo assim exercemos a função de embaixadores em nome
de Cristo, e é por meio de nós que o próprio Deus vos exorta. Em nome de
Cristo, suplicamos: reconciliai-vos com Deus” (2 Cor 5, 20). Esta é a
exortação que Deus nos dá estes dias: Ele quer a nossa reconciliação com
Ele e com os nossos irmãos.
Mas como podemos fazer isso? Como podemos nos aproximar de Deus, se
muitas vezes temos medo dele e o consideramos um juiz severo, que sempre
nos observa com rigor?
Na verdade, a Parábola do Filho Pródigo nos revela quem Deus
realmente é e quem somos nós para Ele (Luc. 15,1-32). Jesus contou esta
parábola num contexto peculiar: “Todos os cobradores de impostos e
pecadores se aproximavam de Jesus para O escutar”. Os publicanos e
pecadores, isto é, os doentes de espírito vieram a quem podia
curar-lhes; por outro lado, “os fariseus e os doutores da Lei criticavam
Jesus, dizendo: ‘Este homem acolhe os pecadores e come com eles!’”. Os
fariseus e escribas eram homens religiosos, que acreditavam ser
guardiões da Palavra de Deus, um grupo de pessoas “puras”, ou seja, não
contaminadas pela idolatria dos gregos. Eles acreditavam que a religião
devia ser só dos puros.
Ainda hoje, muitos “cobradores de impostos e pecadores” se aproximam
de Jesus para ouvi-lo, buscando o seu perdão. E também hoje, muitos
murmuram: “como é possível que na Igreja haja pecadores? Como pode que
muitos deles toquem em Jesus?” Ainda hoje, muitos acreditam ser “puros”
e, por isso, se afastam de Jesus e de seus irmãos. Na verdade, temos que
pensar que, se a Igreja fosse uma casa só de pessoas santas e puras,
não haveria espaço nela para nenhum homem. Uma Igreja só de santos na
Terra seria uma inutilidade, uma casa vazia, porque não há nenhum homem
peregrinante no nosso mundo que não tenha pecado e que não precise da
misericórdia de Cristo. Então, “Quem de vós não tiver pecado, atire-lhe a
primeira pedra” (Jo. 8, 7).
Quem são, então, as pessoas que precisam de Cristo e da reconciliação
com o Pai? Somos todos nós. Às vezes, somos como o filho mais novo, que
toma a sua “substância” – isto é, todos os dons recebidos de Deus – e
nos afastamos da Casa do Pai, da Igreja, com os pecados mortais: aqueles
feitos com matéria grave, pleno conhecimento e liberdade. Este tipo de
pecado desfigura o nosso rosto, destrói a nossa dignidade e identidade.
Aqueles que vivem no pecado não se reconhecem como filhos e, por isso,
não compreendem que Deus é Pai.
Outras vezes nos afastamos do nosso Pai como o filho mais velho. Não
cometemos pecados externos graves e escandalosos, mas nos afastamos de
Deus e de nossos irmãos com os nossos corações: os nossos pensamentos,
julgamentos e críticas infundadas. Isto ocorre com os que pensam estar
na Casa, mas na verdade vivem longe do Pai e agem como os fariseus:
colocando-se no lugar de Deus para julgar o próximo, que não é mais
visto como irmão. Esse é o pecado de muitos que se consideram “puros” e
“santos” e que abandonam a comunidade eclesial. Estes dizem “Cristo sim,
Igreja não”. São os fariseus de nossos dias. “Há tantos anos que te
sirvo, sem jamais transgredir ordem alguma tua, e nunca me deste um
cabrito para festejar com os meus amigos. E agora, que voltou este teu
filho, que gastou os teus bens com as meretrizes, logo lhe mandaste
matar um novilho gordo!” O filho mais velho não cometeu pecados graves,
mas permitiu que esfriasse o seu amor pelo Pai e pelo irmão. E isso pode
acontecer a todos nós.
Esta parábola parece, portanto, falar de um pai e de seus dois
filhos; mas na verdade fala também de uma mãe e de um terceiro filho. A
mãe é a Igreja, a casa do Pai, para a qual todos os homens são chamados a
entrar, vivendo como autênticos filhos de Deus; e o terceiro filho é
Jesus Cristo, que nunca abandonou o seu Pai, mas veio ao mundo para
chamar todos os homens a se tornarem filhos de Deus e verdadeiros
irmãos. Agradeçamos a Deus por seus dons e estejamos sempre conscientes
de que “ninguém pode ter a Deus por Pai, se não tiver a Igreja por mãe”[1].
Pe. Anderson Alves, sacerdote da diocese de Petrópolis – Brasil. Doutorando em Filosofia na Pontificia Università della Santa Croce em Roma.
[1] São Cipriano de Cartago, Ecclesiae catholicae unitate, 6: CCL 3. 253 (PL 4. 519).
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