terça-feira, 12 de março de 2013

O mistério do retorno ao amor: o Filho Pródigo e a Mãe Igreja

Conversão é muito mais do que deixar certos pecados... é a mudança radical na nossa maneira de pensar e de agir


Por Pe. Anderson Alves


ROMA, 11 de Março de 2013 (Zenit.org) - A Quaresma é um tempo de conversão, no qual Deus quer purificar-nos de nossos pecados para que celebremos a Páscoa. Deus quer nos limpar para que participemos com alegria na festa nupcial do Cordeiro: Jesus Cristo. Somos convidados à conversão nesse período, mas isso não é algo superficial, como mudar mais ou menos alguns comportamentos. Não basta deixar de fazer algum pecado, talvez o mais vergonhoso que possamos fazer. A conversão é muito mais do que isso: é a mudança radical na nossa maneira de pensar e de agir. Mas como isso é possível? O que é capaz de mudar radicalmente a vida e o coração de uma pessoa?

Se olharmos para a nossa vida ordinária, facilmente descobrimos o que realmente pode mudar uma vida: um grande amor. O amor entre um homem e uma mulher realmente os muda: seja na maneira de pensar, de sentir e de agir. O amor entre um jovem casal e um filho que está para chegar os transforma realmente. Os pais mudam de vida, inclusive a organização da casa e do tempo. Sem dúvidas, a única coisa que pode mudar uma pessoa é um grande amor.
A Quaresma lembra-nos que o cristianismo é uma religião de conversão, e não de mera compreensão da realidade. O cristianismo não é uma gnose, um conhecimento salvador, mas é uma vida em Cristo, que inicia no encontro com o seu grande Amor. O que realmente muda o coração do homem é a fé em um Deus reconhecido como Pai. “Olhai para Ele e sereis felizes, o vosso rosto não ficará envergonhado” (Sl. 34, 6). Somente aqueles que veem o rosto de Deus revelado em Jesus Cristo podem estar radiantes de alegria e terem assim as suas vidas transformadas.
“Se alguém está em Cristo, é nova criatura. As coisas antigas passaram; eis que uma realidade nova apareceu” (2 Cor 5, 17-21). Esta é a origem da conversão: a vida em Cristo, reconhecendo a sua obra, que nos reconcilia com Deus e nos torna seus filhos. “Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou consigo por meio de Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação” (2 Cor 5, 18). De modo que aos seus discípulos o Senhor confiou o seu mesmo ministério e, por meio deles, Cristo exorta: “Sendo assim exercemos a função de embaixadores em nome de Cristo, e é por meio de nós que o próprio Deus vos exorta. Em nome de Cristo, suplicamos: reconciliai-vos com Deus” (2 Cor 5, 20). Esta é a exortação que Deus nos dá estes dias: Ele quer a nossa reconciliação com Ele e com os nossos irmãos.
Mas como podemos fazer isso? Como podemos nos aproximar de Deus, se muitas vezes temos medo dele e o consideramos um juiz severo, que sempre nos observa com rigor?
Na verdade, a Parábola do Filho Pródigo nos revela quem Deus realmente é e quem somos nós para Ele (Luc. 15,1-32). Jesus contou esta parábola num contexto peculiar: “Todos os cobradores de impostos e pecadores se aproximavam de Jesus para O escutar”. Os publicanos e pecadores, isto é, os doentes de espírito vieram a quem podia curar-lhes; por outro lado, “os fariseus e os doutores da Lei criticavam Jesus, dizendo: ‘Este homem acolhe os pecadores e come com eles!’”. Os fariseus e escribas eram homens religiosos, que acreditavam ser guardiões da Palavra de Deus, um grupo de pessoas “puras”, ou seja, não contaminadas pela idolatria dos gregos. Eles acreditavam que a religião devia ser só dos puros.
Ainda hoje, muitos “cobradores de impostos e pecadores” se aproximam de Jesus para ouvi-lo, buscando o seu perdão. E também hoje, muitos murmuram: “como é possível que na Igreja haja pecadores? Como pode que muitos deles toquem em Jesus?” Ainda hoje, muitos acreditam ser “puros” e, por isso, se afastam de Jesus e de seus irmãos. Na verdade, temos que pensar que, se a Igreja fosse uma casa só de pessoas santas e puras, não haveria espaço nela para nenhum homem. Uma Igreja só de santos na Terra seria uma inutilidade, uma casa vazia, porque não há nenhum homem peregrinante no nosso mundo que não tenha pecado e que não precise da misericórdia de Cristo. Então, “Quem de vós não tiver pecado, atire-lhe a primeira pedra” (Jo. 8, 7).
Quem são, então, as pessoas que precisam de Cristo e da reconciliação com o Pai? Somos todos nós. Às vezes, somos como o filho mais novo, que toma a sua “substância” – isto é, todos os dons recebidos de Deus – e nos afastamos da Casa do Pai, da Igreja, com os pecados mortais: aqueles feitos com matéria grave, pleno conhecimento e liberdade. Este tipo de pecado desfigura o nosso rosto, destrói a nossa dignidade e identidade. Aqueles que vivem no pecado não se reconhecem como filhos e, por isso, não compreendem que Deus é Pai.
Outras vezes nos afastamos do nosso Pai como o filho mais velho. Não cometemos pecados externos graves e escandalosos, mas nos afastamos de Deus e de nossos irmãos com os nossos corações: os nossos pensamentos, julgamentos e críticas infundadas. Isto ocorre com os que pensam estar na Casa, mas na verdade vivem longe do Pai e agem como os fariseus: colocando-se no lugar de Deus para julgar o próximo, que não é mais visto como irmão. Esse é o pecado de muitos que se consideram “puros” e “santos” e que abandonam a comunidade eclesial. Estes dizem “Cristo sim, Igreja não”. São os fariseus de nossos dias. “Há tantos anos que te sirvo, sem jamais transgredir ordem alguma tua, e nunca me deste um cabrito para festejar com os meus amigos. E agora, que voltou este teu filho, que gastou os teus bens com as meretrizes, logo lhe mandaste matar um novilho gordo!” O filho mais velho não cometeu pecados graves, mas permitiu que esfriasse o seu amor pelo Pai e pelo irmão. E isso pode acontecer a todos nós.
Esta parábola parece, portanto, falar de um pai e de seus dois filhos; mas na verdade fala também de uma mãe e de um terceiro filho. A mãe é a Igreja, a casa do Pai, para a qual todos os homens são chamados a entrar, vivendo como autênticos filhos de Deus; e o terceiro filho é Jesus Cristo, que nunca abandonou o seu Pai, mas veio ao mundo para chamar todos os homens a se tornarem filhos de Deus e verdadeiros irmãos. Agradeçamos a Deus por seus dons e estejamos sempre conscientes de que “ninguém pode ter a Deus por Pai, se não tiver a Igreja por mãe”[1].
Pe. Anderson Alves, sacerdote da diocese de Petrópolis – Brasil. Doutorando em Filosofia na Pontificia Università della Santa Croce em Roma.
[1] São Cipriano de Cartago, Ecclesiae catholicae unitate, 6: CCL 3. 253 (PL 4. 519).

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