17/03/2013
A Igreja Católica no norte da África estava em crise no início do
século 4. O imperador romano Diocleciano havia perseguido os cristãos, e
muitos bispos e padres haviam colaborado com o regime. Sacerdotes
entregaram cristãos aos magistrados pagãos. Bispos entregaram escrituras
sagradas para serem queimadas em praça pública. Um ar de corrupção e
devassidão pairava sobre a igreja.
Dois movimentos de reforma rivais surgiram para restaurar a integridade
do catolicismo. Os do primeiro movimento, os donatistas, acreditavam
que a igreja precisava se purificar e voltar à sua identidade essencial.
A missão da igreja, na visão donatista, era fornecer uma alternativa
sagrada para um mundo profano. Os donatistas queriam expulsar os
traidores do sacerdócio.
Depois que eles reduziram seus membros, os donatistas queriam fechar a
hierarquia para criar uma comunidade de fiéis comprometidos. Eles iriam
se separar da impureza, restabelecer seus princípios fundamentais e
defendê-los contra as forças hostis.
Os donatistas acreditavam que, em tempos difíceis, a primeira tarefa
era defender a lei cristã de modo que ela não fosse diluída por
concessões. Com essa postura defensiva, os donatistas ao menos
construiriam uma arca resistente para todos aqueles que queriam ser
cristãos.
Esta tendência donatista --de fechar a hierarquia e voltar
defensivamente aos princípios originais-- pode ser vista hoje sempre que
um movimento enfrenta uma crise. Os donatistas da atualidade emergem
sempre depois de cada derrota republicana: conservadores que acham que a
principal tarefa é limpar e purificar. Há donatistas modernos em
departamentos de ciências humanas, que se fecham à medida que perdem
relevância no campus.
É possível vê-los no movimento sindical em decadência: pessoas que
apostam pesado na história e em suas tradições. Você pode vê-los na
Igreja Católica Romana atual, que se sente cercada num mundo hostil.
Você pode identificar os donatistas modernos porque eles sentem que a
história está escapando deles, e quando eles fazem fofoca é sempre sobre
rivalidades comunitárias com as quais ninguém de fora do seu mundo se
preocupa.
No século 4, outro movimento de renovação se levantou, abraçado por
Agostinho, que foi bispo de Hipona. O problema com os donatistas,
argumentou Agostinho, é que eles são muito estáticos. Eles tentam lacrar
uma arca para enfrentar a tempestade, mas acabam se fechando dentro
dela. Eles se isolam de novas circunstâncias e do crescimento.
Agostinho, como seu magistral biógrafo Peter Brown coloca, "estava
profundamente preocupado com a ideia da unidade básica da raça humana".
Ele reagiu contra qualquer esforço de dividir as pessoas entre os que
estavam dentro da igreja e os que estavam permanentemente fora.
Ele queria que a igreja partisse para a ofensiva e engolisse o mundo.
Isso envolveria engolir as impurezas bem como o que era puro. Isso
significaria utilizar aqueles que são imperfeitos. Esse era o preço a
ser pago para ter uma igreja ativa convivendo com os pecadores,
disciplinando-os e repreendendo-os.
De acordo com essa visão, a igreja exerceria atração porque estava
faminta e sedenta por se desenvolver. Longe de ser uma arca estável, a
igreja seria uma rede dinâmica em constante mudança, impulsionada para
as ruas por suas próprias tensões. Agostinho tinha essa personalidade
profunda e volátil. Sua igreja ideal era firmemente enraizada na
doutrina, mas ansiosa por descobertas.
Essa segunda tendência também é encontrada em movimentos que estão em
crise, mas é rara porque exige uma falta de defesa, e a confiança de que
a sua identidade está segura mesmo em meio à crise.
Como a maior parte do mundo, eu não sei muito sobre o papa Francisco,
mas é difícil não ficar impressionado com alguém que diz que prefere uma
Igreja que sofre "acidentes nas ruas" a uma igreja que está doente
porque se fecha em si mesma.
É difícil não ficar impressionado com alguém que se posiciona a favor
do ensino católico tradicional, mas daí sai e visita Jeronimo Podesta,
um ex-bispo que se casou para desafiar a igreja e que estava morrendo
pobre e esquecido. É difícil não ficar impressionado com alguém que
repreende ferozmente os sacerdotes que se recusam a batizar os filhos de
mães solteiras.
É difícil não ficar impressionado com alguém que parece sentir uma
necessidade compulsiva de andar de ônibus, que se recusa a viver nas
residências oficiais, que envia os seus sacerdotes para as fronteiras e
que uma vez disse que morreria se ficasse trancado no Vaticano.
Vou deixar para os católicos decidirem se Francisco é bom para a
igreja. O assunto aqui é como reavivar um movimento em crise. O instinto
natural é se transformar em donatista, construir uma arca e defender o
que é precioso. A estratégia mais bem sucedida, porém, é seguir
Agostinho e explorar um momento de fraqueza tornando-se ainda mais
vulnerável, indo para fora em direção à complexidade, engolindo o puro e
o impuro, contra-atacando a crise com um golpe de evangelização.
Tradutor: Eloise De Vylder
Nenhum comentário:
Postar um comentário