ihu - Até mesmo os Titãs não são mais os de
antigamente. Acabado o sonho de progresso do qual se havia encarregado o
ambicioso Prometeu, cabe ao irmão do derrotado, o prudente Epimeteu,
governar o destino dos humanos. O seu encargo pareceria modesto, mas
requer, com efeito, uma grande habilidade técnica: trata-se de impedir a
abertura dos vasos em que estão contidos os males do mundo. Atenção ao
verbo. Conter, reter. Frear, em suma.
A reportagem é de Alessandro Zaccuri, publicada no jornal Avvenire, 27-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A reportagem é de Alessandro Zaccuri, publicada no jornal Avvenire, 27-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Il potere che frena [O poder que freia] (Ed. Adelphi, 214 páginas) é o título do livro no qual o filósofo Massimo Cacciari (foto) volta a um dos temas centrais da chamada "teologia política", ou seja, aquela corrente de pensamento, teorizada desde os anos 1920 por Carl Schmitt,
que sugere interpretar o devir da História em perspectiva teológica.
"Quanto mais seguimos em frente – reafirma Cacciari –, mais me convenço
de que não há outro modo para tentar compreender o nosso tempo".
Eis a entrevista.
É por isso que é preciso começar por São Paulo?
A partir da Segunda Carta aos Tessalonicenses, para ser exato: capítulo 2, versículos 6 e 7 (1). Aqui, Paulo apresenta um conceito totalmente original, que está na origem de uma longa e complexa tradição exegética.
Estamos falando do misterioso "katechon"?
Exato: aquele algo, ou alguém, que "contém", detendo e atrasando, a vinda do Anticristo. Esse ínterim, que se coloca entre o Evento da Encarnação e a batalha final contra o Adversário, é um tempo muito relevante. Nele, sugere Paulo, age um poder que não pode ser identificado no Anticristo, do qual aquele justamente "detém" o advento, mas que também não coincide com a Igreja, à qual é confiada a tarefa de custodiar a esperança no prolongamento da expectativa. Sobre isso, Paulo é muito claro: o katechon está destinado a ser "varrido", justamente porque não participa da esperança que vem da fé.
Sim, mas então de que parte está?
O katechon expressa uma tensão constante. Por sua própria natureza, mantém-se em ambas as partes: tem a ver com o Anticristo ("conter" significa "ter dentro de si") e, ao mesmo tempo, participa da batalha contra o Anticristo. Além disso, no tempo cristão, todo poder participa dessa contradição.
Poderia ser mais explícito?
Certamente. O discurso sobre o katechon é, desde sempre, um discurso que foge da abstração. Ainda os Padres da Igreja, quando abordam o assunto, são estritamente concretos, tentam correspectivos específicos às figuras evocadas por Paulo e pelo Apocalipse. Até certo ponto, a interpretação que prevalece é que o katechon é o Império Romano. O problema, porém, é que a forma imperial não se contenta em exercer uma potestas de tipo prático-administrativo. A sua ambição, ao contrário, é de alcançar uma auctoritas espiritual, mas fazendo isso entra em conflito com a Igreja. Que, por sua vez, não é estranha à função expressa pelo katechon. O retorno de Cristo não pode ser acelerado, os crentes não devem ceder à impaciência, a sua missão é, no máximo, vigiar na espera. A Igreja também, portanto, "detém", para tornar possível a conversão e fazem com que o Filho do Homem, quando vier, encontre a fé sobre esta terra.
Qual seria a solução?
Uma aliança entre potestas administrativa e auctoritas da Igreja. Pareceria um cenário medieval, mas, pensando bem, é o mesmo objetivo a que visava a ideia de um Estado moderno perfeitamente secular, ele deixasse à Igreja o primado do campo espiritual. O problema, porém, é que a potestas política nunca pode renunciar à sua ambição imperial, com a sua relativa invasão na auctoritas. O poder, quando se reduz à administração ordinária, torna-se impotente. E essa é exatamente a situação em que nos encontramos.
Uma situação apocalíptica?
A potestas reduzida a impotência deixa emergir as tendências do Anticristo. Mas não devemos imaginar uma devastação à la Apocalypse Now. Os sinais da afirmação do Adversário são muito diferentes. Paulo já convidava a se alarmar no momento em que se sente anunciar um tempo de paz e bem-estar. O principal atributo do Anticristo, de fato, consiste em ser Placidus: as guerras contra se concluíram com a sua vitória, nenhuma força se opõe a ele, a prosperidade pode se difundir impertubábel. Reina a ordem, e esse é o fim. Contanto que, entenda-se, seja dado também o outro passo decisivo, isto é, a apostasia da Igreja, a secessio dos crentes da fé. É a atitude do Grande Inquisidor de Dostoiévski, cujo triunfo coincide, não por acaso, com o retorno de Jesus. Se o Anticristo levou a melhor, só Cristo pode voltar a anunciar-lhe batalha.
Mas nós, agora, em que ponto estamos?
Parece-me indubitável que a nossa época é uma época apocalíptica. Vivemos em uma dimensão global que nem o Império Romano havia conhecido, e isso implica uma contínua homologação dos princípios, dos comportamentos, da ética. Deixamos para trás os totalitarismos, que se apresentavam explicitamente como forças prometeicas, anticrísticas e, como tais, punham em causa o katechon, cuja função era exercida por outros poderes, seja político, seja religiosos. Agora é a vez de Epimeteu, o Anticristo se mostra com o seu rosto conciliador, e o risco é que a Igreja não consiga se apresentar como sinal de contradição em um mundo já acostumado com a indiferença. Nietzsche havia visto corretamente: hoje realmente quem vai pela estrada em busca de Deus é primeiro ridicularizado e depois olhado com indiferença.
E como a Igreja pode reagir?
Continuando a rezar para que seja dado o tempo, acima de tudo. Mas também perseverando na sua ação pedagógica com relação àqueles filhos que ainda não sabem que são filhos. As conversões imediatas, como a de Paulo, sempre são possíveis, mas a missão da Igreja pertence principalmente ao âmbito da educação. Da espera, portanto. E da paciência.
Eis a entrevista.
É por isso que é preciso começar por São Paulo?
A partir da Segunda Carta aos Tessalonicenses, para ser exato: capítulo 2, versículos 6 e 7 (1). Aqui, Paulo apresenta um conceito totalmente original, que está na origem de uma longa e complexa tradição exegética.
Estamos falando do misterioso "katechon"?
Exato: aquele algo, ou alguém, que "contém", detendo e atrasando, a vinda do Anticristo. Esse ínterim, que se coloca entre o Evento da Encarnação e a batalha final contra o Adversário, é um tempo muito relevante. Nele, sugere Paulo, age um poder que não pode ser identificado no Anticristo, do qual aquele justamente "detém" o advento, mas que também não coincide com a Igreja, à qual é confiada a tarefa de custodiar a esperança no prolongamento da expectativa. Sobre isso, Paulo é muito claro: o katechon está destinado a ser "varrido", justamente porque não participa da esperança que vem da fé.
Sim, mas então de que parte está?
O katechon expressa uma tensão constante. Por sua própria natureza, mantém-se em ambas as partes: tem a ver com o Anticristo ("conter" significa "ter dentro de si") e, ao mesmo tempo, participa da batalha contra o Anticristo. Além disso, no tempo cristão, todo poder participa dessa contradição.
Poderia ser mais explícito?
Certamente. O discurso sobre o katechon é, desde sempre, um discurso que foge da abstração. Ainda os Padres da Igreja, quando abordam o assunto, são estritamente concretos, tentam correspectivos específicos às figuras evocadas por Paulo e pelo Apocalipse. Até certo ponto, a interpretação que prevalece é que o katechon é o Império Romano. O problema, porém, é que a forma imperial não se contenta em exercer uma potestas de tipo prático-administrativo. A sua ambição, ao contrário, é de alcançar uma auctoritas espiritual, mas fazendo isso entra em conflito com a Igreja. Que, por sua vez, não é estranha à função expressa pelo katechon. O retorno de Cristo não pode ser acelerado, os crentes não devem ceder à impaciência, a sua missão é, no máximo, vigiar na espera. A Igreja também, portanto, "detém", para tornar possível a conversão e fazem com que o Filho do Homem, quando vier, encontre a fé sobre esta terra.
Qual seria a solução?
Uma aliança entre potestas administrativa e auctoritas da Igreja. Pareceria um cenário medieval, mas, pensando bem, é o mesmo objetivo a que visava a ideia de um Estado moderno perfeitamente secular, ele deixasse à Igreja o primado do campo espiritual. O problema, porém, é que a potestas política nunca pode renunciar à sua ambição imperial, com a sua relativa invasão na auctoritas. O poder, quando se reduz à administração ordinária, torna-se impotente. E essa é exatamente a situação em que nos encontramos.
Uma situação apocalíptica?
A potestas reduzida a impotência deixa emergir as tendências do Anticristo. Mas não devemos imaginar uma devastação à la Apocalypse Now. Os sinais da afirmação do Adversário são muito diferentes. Paulo já convidava a se alarmar no momento em que se sente anunciar um tempo de paz e bem-estar. O principal atributo do Anticristo, de fato, consiste em ser Placidus: as guerras contra se concluíram com a sua vitória, nenhuma força se opõe a ele, a prosperidade pode se difundir impertubábel. Reina a ordem, e esse é o fim. Contanto que, entenda-se, seja dado também o outro passo decisivo, isto é, a apostasia da Igreja, a secessio dos crentes da fé. É a atitude do Grande Inquisidor de Dostoiévski, cujo triunfo coincide, não por acaso, com o retorno de Jesus. Se o Anticristo levou a melhor, só Cristo pode voltar a anunciar-lhe batalha.
Mas nós, agora, em que ponto estamos?
Parece-me indubitável que a nossa época é uma época apocalíptica. Vivemos em uma dimensão global que nem o Império Romano havia conhecido, e isso implica uma contínua homologação dos princípios, dos comportamentos, da ética. Deixamos para trás os totalitarismos, que se apresentavam explicitamente como forças prometeicas, anticrísticas e, como tais, punham em causa o katechon, cuja função era exercida por outros poderes, seja político, seja religiosos. Agora é a vez de Epimeteu, o Anticristo se mostra com o seu rosto conciliador, e o risco é que a Igreja não consiga se apresentar como sinal de contradição em um mundo já acostumado com a indiferença. Nietzsche havia visto corretamente: hoje realmente quem vai pela estrada em busca de Deus é primeiro ridicularizado e depois olhado com indiferença.
E como a Igreja pode reagir?
Continuando a rezar para que seja dado o tempo, acima de tudo. Mas também perseverando na sua ação pedagógica com relação àqueles filhos que ainda não sabem que são filhos. As conversões imediatas, como a de Paulo, sempre são possíveis, mas a missão da Igreja pertence principalmente ao âmbito da educação. Da espera, portanto. E da paciência.
Nota:
1.- "E sabeis o que atualmente retém o Adversário,
de maneira que ele se revele somente na hora devida. Pois o mistério da
iniquidade já está em ação. Basta que o obstáculo atual seja afastado" -
2a. Carta aos Tessalonicenses, versículos 6 a 7 - Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB - 2001 (Nota da IHU On-Line)
Nenhum comentário:
Postar um comentário