O
ponto central da fé cristã é a Redenção, realizada por Jesus através de
Sua Paixão, Morte e Ressurreição. E o Senhor quis perpetuar a
celebração da nossa Redenção pela santa Missa. “Eis o mistério da fé”, o
sacerdote diz após a Consagração, quando então o Calvário vivo se renova sobre o altar, embora de maneira incruenta. E o Senhor que continua a salvar os homens de todos os tempos e lugares.
Jesus veio ao mundo, assumindo nossa
natureza, para resgatar-nos da escravidão do pecado, do sofrimento e da
morte eterna. Fazendo-se homem, Ele estava em condições de salvar o
homem.
Mas, em que consiste essa salvação?
Parece-me que esse é um ponto mal esclarecido e pouco ensinado aos
fiéis, o que faz com que a maioria, infelizmente, não chegue a
compreender bem o verdadeiro “mistério da fé” e não possa saborear com
entusiasmo as riquezas de nossas celebrações litúrgicas, especialmente
as do tempo pascal.
A Tradição e o Magistério da Igreja nos
asseguram que o homem foi criado por Deus, por amor, para ser plenamente
feliz n’Ele (cf. Cat §1). Mas, com o pecado original – pecado de
desobediência e de soberba – o homem perdeu a vida divina e os dons preter-naturais,
principalmente a imortalidade. Com o pecado, que não estava nos planos
de Deus, entraram na vida do homem o sofrimento e a morte. São Paulo
disse que: “O salário do pecado é a morte” (Rom 6,23) e que “o pecado
entrou no mundo, e pelo pecado, a morte, assim a morte passou a todos
os homens” (Rom 5,12).
O pecado original é dogma de fé, e a
Igreja combateu no século V, principalmente através de Santo Agostinho, a
heresia do frade Pelágio (o pelagianismo), que negava a natureza
decaída pelo pecado original e, como conseqüência, a necessidade da
graça redentora de Cristo. Se não houvesse o pecado original, Cristo não
precisaria ter morrido na cruz por nós. E por causa desse pecado que
Santo Agostinho dizia: “O’ feliz culpa que nos fez receber um tão grande
Salvador.”
O Catecismo da Igreja diz que: § 397 – “O
homem, tentado pelo Diabo, deixou morrer em seu coração a confiança em
seu Criador (Gn 3,1-11) e, abusando de sua liberdade, desobedeceu ao
mandamento de Deus. Foi nisto que consistiu o primeiro pecado do homem.
Todo pecado, daí em diante, será uma desobediência a Deus e uma falta de
confiança em sua bondade.” E mais: §389 – “A doutrina do pecado
original é, por assim dizer, “o reverso” da Boa Notícia de que Jesus é o
Salvador de todos os homens, de que todos têm necessidade da salvação e
de que a salvação é oferecida a todos graças a Cristo. A Igreja, que
tem o senso de Cristo, sabe perfeitamente que não se pode atentar contra
a revelação do pecado original sem atentar contra o mistério de
Cristo.”
A melhor explicação para o entendimento
do “mistério da Redenção”, encontrei nos Sermões sobre o Natal e a
Epifania, de São Leão Magno, Papa e doutor da Igreja (440-461),
conselheiro sucessivamente dos papas Celestino I (422-432) e Xisto III
(432-440), contemporâneo de Santo Agostinho. Vou deixar que ele mesmo,
com suas palavras inspiradas, nos ensine sobre nossa Redenção. Começa
dizendo:
“Gloriava-se o demônio porque o homem,
enganado por seu ardil, estava privado dos dons divinos e, despojado da
imortalidade, encontrava-se sujeito a uma dura sentença de morte;
assim, tendo um companheiro de prevaricação, encontrava algum alívio em
seus males (…).”
Em seguida São Leão Magno afirma que a
razão profunda no fato de Cristo ter querido nascer de uma virgem foi “a
de ocultar ao demônio que a salvação nascera para os homens, a fim de
que, ignorando a geração espiritual, não julgasse que havia nascido de
modo diferente aquele que via semelhante aos outros. Notando que Sua
natureza era igual a de todos, supunha que Sua origem fosse a mesma; e
não percebeu que estava livre dos laços do pecado aquele que não
encontrou isento da fraqueza dos mortais. Deus, que em Sua justa
misericórdia dispunha de múltiplas maneiras de restaurar o gênero
humano, escolheu esse meio de salvação que, para destruir a obra do
demônio, não recorreria a Seu poder; mas ã Sua justiça. Pois o antigo
inimigo, em seu orgulho, reivindicava com certa razão seu direito à
tirania sobre os homens e oprimia com poder não usurpado aqueles que
havia seduzido, fazendo-os passar voluntariamente da obediência aos
mandamentos de Deus para a submissão à sua vontade. Era portanto justo
que só perdesse seu domínio original sobre a humanidade sendo vencido
no próprio terreno onde vencera”.
E São Leão Magno continua: “Conhecendo o
veneno com que corrompera a natureza humana, jamais (o demônio) julgou
isento do pecado original aquele que, por tantos indícios, supunha ser
um mortal. Obstinou-se pois o salteador imprudente e cobrador
insaciável em se insurgir contra aquele que nada lhe devia; mas, ao
perseguir n’Ele a falta original comum a todos os outros homens,
ultrapassa os direitos em que se apoiava, exigindo daquele em quem não
encontrou vestígio de culpa a pena devida ao pecado. Fica portanto
anulada a sentença (cf. Cl 2,14) do pacto mortal que ele havia
maldosamente inspirado e, por ter exigido contra a justiça além do que
era devido, todo o débito é cancelado. Aquele que era forte é amarrado
com seus próprios laços. (…) O príncipe deste mundo é acorrentado,
são-lhe tirados seus instrumentos de captura (…) a morte é destruída por
outra morte, o nascimento renovado por outro nascimento, porque ao
mesmo tempo a redenção põe fim a nosso cativeiro, a regeneração
transforma nossa origem e a fé justifica o pecador.”
O pecado de cada homem e de toda a
humanidade ferem a Majestade Infinita de Deus; então, não basta uma
reparação de valor humano para reparar a Justiça Divina. Não havia um
homem sequer que pudesse oferecer à Justiça Divina uma reparação
suficiente. Então, o Filho de Deus se fez homem, se ofereceu para
reparar diante dessa Justiça todo o pecado da humanidade. Deus é
misericordioso, mas é Justo; e todo o mal precisa ser reparado; é uma
exigência de Sua Justiça. Não é Deus quem exige o Sacrifício do Filho
ùnico e amado, mas a Justiça divina sobre a qual mundo foi criado.
A Carta aos Hebreus explica isso: “Eis
por que, ao entrar no mundo, Cristo diz: Não quiseste sacrifício nem
oblação, mas me formaste um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado
não te agradam. Então eu disse: Eis que venho (porque é de mim que está
escrito no rolo do livro), venho, ó Deus, para fazer a tua vontade (Sl
39,7ss). Disse primeiro: Tu não quiseste, tu não recebeste com agrado os
sacrifícios nem as ofertas, nem os holocaustos, nem as vítimas pelo
pecado (quer dizer, as imolações legais). Em seguida, ajuntou: Eis que
venho para fazer a tua vontade. Assim, aboliu o antigo regime e
estabeleceu uma nova economia. Foi em virtude desta vontade de Deus que
temos sido santificados uma vez para sempre, pela oblação do corpo de
Jesus Cristo. Enquanto todo sacerdote se ocupa diariamente com o seu
ministério e repete inúmeras vezes os mesmos sacrifícios que, todavia,
não conseguem apagar os pecados, Cristo ofereceu pelos pecados um único
sacrifício e logo em seguida tomou lugar para sempre à direita de Deus.”
(Hebreus 10,5-12).
Prof. Felipe Aquino
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