Uma reflexão a partir da experiência na América Latina
Por Miguel Romano Gómez
GUADALAJARA, 08 de Maio de 2013 (Zenit.org)
- Oferecemos a seguir uma reflexão de dom Miguel Romano Gómez, bispo
auxiliar de Guadalajara, no México, sobre a formação dos futuros
sacerdotes, com base nos dados e na experiência dos seminários da
América Latina.
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1. Imaturidade psicológica
Na América Latina, a falta de estabilidade de sacerdotes e de
candidatos ao sacerdócio, tanto diocesanos quanto religiosos, é um fato
significativo que nos convida a refletir sobre alguns aspectos da
formação sacerdotal, seja na sua etapa inicial, seja de modo permanente.
A instabilidade vocacional sempre existiu, mas tende a aumentar em
decorrência das transformações culturais que esta mudança de épocas
envolve. 26% dos abandonos ministeriais mundiais e 45% das deserções
vocacionais nos seminários de todo o mundo acontecem na América Latina,
onde o número de católicos por sacerdote tende a crescer rapidamente.
Assim como é necessário promover a entrada constante e crescente de
jovens aptos para o sacerdócio, também é preciso garantir que aqueles
que entram em nossos seminários sejam idôneos e contem com os recursos
suficientes para perseverar com fidelidade no ministério.A maioria das deserções tem origem na formação humana deficiente.
Constatamos que as novas gerações de seminaristas e sacerdotes são mais
vulneráveis neste campo e apresentam maiores deficiências e
condicionamentos hoje do que no passado, sem negar que também existem
outras deficiências nas restantes dimensões da formação. Não devemos
perder de vista que, na dimensão humana, estão enraizados os demais
aspectos da formação sacerdotal, e, portanto, é ela a dimensão a ser
consolidada primariamente.
O Documento de Aparecida reflete essa preocupação do
episcopado latino-americano ao destacar a necessidade de zelar por uma
formação que responda melhor aos desafios atuais dos sacerdotes.
Particularmente:
“Especial atenção deve ser prestada ao processo de formação
humana voltada ao amadurecimento, de tal maneira que a vocação ao
sacerdócio ministerial dos candidatos chegue a ser, em cada um deles, um
projeto de vida estável e definitivo, mesmo num contexto cultural que
exalta o que é descartável e provisório. Diga-se o mesmo da educação
para o amadurecimento da afetividade e da sexualidade. Ela deve levar a
uma compreensão melhor do significado evangélico do celibato consagrado
como valor que configura Jesus Cristo; portanto, como um estado de amor,
fruto do dom precioso da graça divina, conforme o exemplo da doação
nupcial do Filho de Deus; a acolhê-lo como tal com firme decisão, com
magnanimidade e de todo coração; e a vivê-lo com serenidade e fiel
perseverança, com a devida ascese praticada num caminho pessoal e
comunitário, como entrega a Deus e aos outros, de coração pleno e
indiviso”.Para formar personalidades suficientemente maduras para o ministério
sacerdotal, convém revisar as principais áreas da formação na dimensão
humana, não tanto em seus conteúdos quanto em suas formas.
2. Formar a inteligência para reconhecer e amar a Verdade
A exortação pós-sinodal Pastores Dabo Vobis enfatiza o amor à
verdade como uma das qualidades humanas necessárias para se conseguir
uma personalidade equilibrada, sólida e livre (cf. PDV 43). O amor à
verdade pressupõe, primeiro, a sua apreensão, o que se obtém mediante a
formação da inteligência. A inteligência é formada quando se aprende a pensar,
quando ela descobre por si mesma, quando ela lê o interior das
realidades, principalmente a realidade pessoal. Os conhecimentos que
nascem como fruto da tarefa pessoal de pensar, descobrir, conhecer a si
mesmo, entender, conectar acontecimentos, são os que realmente formam
essa capacidade.Por outro lado, é de capital importância levar em consideração, na
formação intelectual, a pertinente observação do cardeal John Henry
Newman ao distinguir entre dois tipos de conhecimento, que nos levam,
por sua vez, a duas maneiras de assentir: o assentimento nocional e o
assentimento real. O primeiro se refere ao assentimento de um
conhecimento de tipo teórico, científico e mesmo teológico, que se
relaciona com a verdade dos princípios gerais; e o segundo, o
assentimento real, se refere ao conhecimento do concreto, vivo e
próximo. Isto quer dizer que não é a mesma coisa aceitar como verdadeiro
que Jesus é o Filho de Deus na teoria e aceitar que verdadeiramente
Jesus é o meu Salvador e que, por isso, eu devo agir de modo
consequente. Tampouco é a mesma coisa conhecer e aceitar teoricamente os
compromissos que o sacerdócio exige, como o celibato, e assumir na
própria vida todas as suas consequências. No trabalho formativo, devem
ser garantidos os dois tipos de conhecimento, com as suas respectivas
formas de assentimento, talvez com maior ênfase no real, mas nunca se
prescindindo de um ou do outro. Diante da incoerência que pode
apresentar-se entre a forma de se pensar e a forma de se viver, devemos
ficar atentos para corrigi-la oportunamente, já que, às vezes, não é bem
percebida a relação vital que existe entre os princípios teoricamente
aceitos e a própria vida pessoal, nem se consegue traduzi-los em ações
concretas e congruentes com esses princípios.
3. Formar o coração: a educação afetiva e da sexualidade
Um dos pontos em que mais se vem insistindo na formação sacerdotal,
seja na sua etapa inicial, seja de forma permanente, é o da educação da
afetividade e da sexualidade. A maturidade afetiva é o resultado da educação no amor verdadeiro e responsável, que
se caracteriza por comprometer toda a pessoa e se expressa mediante o
significado “esponsal” do corpo humano (cf. PDV 44). Por sua vez, a
maturidade afetiva que se espera dos sacerdotes deve se caracterizar
pela prudência, pela renúncia a tudo o que possa pô-la em perigo, pela
vigilância do corpo e do espírito, assim como pela estima e respeito nas
relações interpessoais com homens e com mulheres (cf. Ibíd.). Trata-se,
portanto, de uma tarefa que vai além das meras forças humanas, e que
demanda a graça eficaz de Deus, pois é Ele, em suma, o Educador do
coração humano.A mudança de época que estamos vivendo envolve uma série de desafios
que têm de ser encarados desde a formação inicial. Podemos notar que,
além do incremento do permissivismo moral e do hedonismo, começou a
aparecer, também entre os sacerdotes, um novo individualismo de tipo
estético-emotivo, que afeta diretamente a dimensão afetiva da pessoa.
Este novo individualismo se constitui pela aparência e pela emoção, e
nele as coisas são relevantes na medida em que estimulam os sentidos ou
engrandecem a imaginação.Devemos alertar sobre a presença, cada vez mais frequente, do
narcisismo, que, junto com a homossexualidade, são as formas típicas de
imaturidade afetiva e sexual (cf. OECS 21). O narcisismo contemporâneo
caminha junto com a aparição do individualismo de tipo estético-emotivo,
e, talvez por isto, se difundiu mais na sociedade. Esse narcisismo tem
como característica, além de um equivocado amor por si mesmo, também a
ansiedade, já que procura encontrar um sentido para a vida quando se
duvida até mesmo da própria identidade. Quem o vive geralmente apresenta
atitudes sexuais permissivas e egocêntricas. São pessoas ferozmente
competitivas na sua necessidade de aprovação ou de aclamação, que tendem
a desprestigiar e desconfiar dos outros. Sua autoestima depende dos
outros: não conseguem viver sem uma plateia que os admire e aprove.
Apresentam condutas antissociais, em que se foge da cooperação e do
trabalho em equipe, porque se trata de pessoas que vivem num lamentável e
estéril individualismo. Além disso, são pessoas que tendem à cobiça,
são amantes das gratificações imediatas e vivem preocupadas com
fantasias de sucesso ilimitado. Sentem-se “especiais” e procuram sempre
um tratamento “especial” e de protagonismo. Frequentemente, invejam os
outros ou consideram que os outros as invejam, e apresentam
comportamentos ou atitudes arrogantes, soberbas, carecendo de empatia
para com o próximo.O número de pessoas narcisistas ou com tendências homossexuais
cresceu em nossa sociedade, como consequência da desintegração familiar e
do aumento de famílias monoparentais, do permissivismo moral e da
cultura hedonista, e, acima de tudo, da falta de afeto e atenção dada
aos filhos. Este quadro nos apresenta um particular desafio, tanto na
seleção quanto na formação dos candidatos ao sacerdócio, pois são muitos
os que procedem de lares problemáticos em que não houve adequada
identificação com a figura paterna, ou onde essa figura esteve
simplesmente ausente.
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