IHU - A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras da Festa do Corpo e Sangue de Cristo (30 de maio de 2013, no Brasil; domingo 2 de junho, em outros países). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Gn 14,18-20
2ª leitura: 1Cor 11,23-26
Evangelho: Lc 9,11-17
1ª leitura: Gn 14,18-20
2ª leitura: 1Cor 11,23-26
Evangelho: Lc 9,11-17
Vida oferecida
Ao oferecer seu Corpo e seu Sangue na cruz, Jesus nos dá condição de
tornarmo-nos nós mesmos uma célula de seu corpo entregue e de seu sangue
derramado. A ligação entre Morte e Ressurreição do Senhor e a
Eucaristia realça o poder deste sacramento, o Sacramento da salvação.
O escândalo da cruz
Deus triturado como o grão; Deus pisado e espremido como caldo de
uva. São imagens terríveis e, refletindo bem, escandalosas. Muitos, até
mesmo entre os cristãos, não suportam os crucifixos nem outras
lembranças do calvário, mas isso não os impede de olhar, ao preço de uma
emoção passageira, as notícias de TV que mostram os cadáveres no Iraque, no Sudão, na Síria...
Que Deus tenha chegado a tal limite, de ter sido arrolado entre os
chacinados todos do mundo, é este o escândalo da Cruz. Nela pregado, ele
representa e reúne em si mesmo todas estas vítimas, fazendo-as viver de
sua vida. A morte é impotente diante de um Amor como este. Deus se dá a
Si mesmo em alimento porque, de múltiplas maneiras, nós nos devoramos
mutuamente: "Quando comem seu pão, é o meu povo que devoram" (Sl 14,4). A
cruz só, retirada de seu contexto, pode com certeza nos apavorar, mas a
última Ceia, que rememoramos pela Eucaristia, adverte-nos de que o
corpo ofertado do Cristo torna-se alimento vital. Jesus oferece
antecipadamente o que querem lhe tomar: "isto é o meu corpo...": a
vontade de matar foi, então, apanhada de surpresa. Deus submeteu-se ao
desejo perverso do homem. Não para aprová-lo, mas para torná-lo
inoperante. Assim, a morte, toda morte, encontra-se submetida a produzir
o seu contrário, a vida.
Pão e vinho
O pão representa a nossa necessária relação com a natureza que nos
alimenta a vida. Natureza considerada, enfim, como realidade a ser
dominada e transformada. Tudo isso exprime o dom de Si mesmo que Deus
nos faz através da Criação. O vinho está mais além do que o necessário:
liga-se à alegria das núpcias e revela o excesso do dom de Deus. Este
"supérfluo" mostra que Deus nos preenche para além das nossas
necessidades. Alguns apoiados em alguns textos bíblicos, vêem no cálice
eucarístico a figura do sofrimento humano. Prefiro a primeira
interpretação. De todo modo, na Eucaristia, o pão e o vinho que são
sinais sensíveis de nossa existência "terrestre" e de nossa alegria de
viver, têm sua significação elevada a um grau até então inconcebível.
Eles nos põem na presença do dom que o Cristo nos faz de sua carne e de
seu sangue, verdadeiro pão e verdadeira bebida (cf. Jo 6,48-58). Podemos
dizer com certeza que (segundo a fórmula habitual) o pão se torna o
corpo do Cristo, mas, lendo Jo 6, podemos dizer igualmente que o corpo
do Cristo torna-se pão. Irineu vai mais longe: "(Cristo) confirmou que o
cálice que vem da Criação era o seu sangue (...), que o pão que vem da
Criação era o seu corpo, pelo qual fortifica o nosso corpo. "Desde que o
homem vive da Criação, da qual faz parte, desde sempre, portanto, ele
vive do próprio Deus. Isto é o que nos revela a Eucaristia, bem distante
do esquema das fórmulas mágicas.
A morte e a vida
Estamos diante do mistério deste Amor que conduz à sua perfeição o
universo inteiro. Vou tentar uma explicação um tanto esquemática: tudo o
que existe é levado por uma potência de vida que é a sua fonte.
Potência de pensamento, uma vez que pensamos; potência de vontade, uma
vez que queremos; potência de amor, uma vez que amamos. Tudo isto é o
ato criador, que se desdobra numa história, da qual somos parte
envolvida. Quando o influxo criador se choca dentro de nós contra uma
recusa, ele é neutralizado. A Criação torna-se Paixão e o Criador, o
Crucificado. Temos assim uma inversão incrível: a carne triturada de
Cristo torna-se pão para a nossa vida; o sangue derramado torna-se
bebida especial para a nossa alegria. O homicídio não foi devido ao
amor, mas este, uma vez que foi morto, é preciso que renasça. Para uma
vida à prova da morte. O processo criador atravessa as nossas condutas
homicidas e, de uma hora para outra, "mudamos de lado": saímos da esfera
dos que produzem a morte e passamos para o lado dos que oferecem a sua
vida. Ao participarmos da Eucaristia, estamos significando que fazemos
nossa a atitude fundamental de Cristo que, "de condição divina, não se
prevaleceu de seu “ser-como-Deus”, mas aniquilou-se a si mesmo..." Para
se dar em alimento. De agora em diante, o nosso projeto não pode ser
outro se não, assim como o dele, o de "fazer viver" e, por aí, vivermos
nós mesmos também.
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