9 de Maio de 2013
Redação - (Quinta-feira, 0905-2013, Gaudium Press)
- Desde os primórdios do Cristianismo, reluziram no firmamento da
Igreja homens e mulheres orantes que passavam a vida na contemplação e
no silêncio, absortos somente em Deus. Despojados por completo das
preocupações terrenas, tinham a alma fixada num único fim: vacare Deo -
descansar em Deus, dar-se a Deus.
Retrocedamos quase dois séculos e
viajemos, em busca de uma dessas almas, a um país de escarpados montes
cujas maravilhas foram inúmeras vezes proclamadas nos Livros Sagrados: o
Líbano. Foi ali onde, em 1828, na aldeia de Beqaa Kafra, nascera à
sombra dos cedros centenários o pequeno Youssef Makhlouf.
Deus começa a lhe falar ao coração
Já nos tenros anos de sua infância,
morreu seu pai, Antun Za'rur Makhlouf, submetido pelo exército otomano a
um regime de trabalhos forçados. Sua mãe, Brígida, contraíra novas
núpcias, deixando a casa e as pequenas propriedades de Antun para os
filhos, que passaram a ser tutelados pelo tio paterno, Tannus.
Inclinado à piedade e à devoção, coube
ao pequeno Youssef, sendo embora o caçula de cinco irmãos, dar-lhes bom
exemplo na piedade e no cumprimento dos deveres. Dotado de um espírito
piedoso e altamente submisso, recitava diariamente as orações com a
família, bem como desempenhava com grande esmero a tarefa de vigiar os
animais no pasto.
Suas virtudes logo se tornaram
manifestas a todos os habitantes da aldeia. Gostava da solidão, era
prudente e inteligente. Na igreja, mantinha-se recolhido, sem sequer
olhar ao redor de si. De tal forma seu bom comportamento chamava a
atenção, que os rapazes da região a ele se referiam como "o Santo".
A Providência foi preparando aos poucos a
alma desse seu filho eleito até o ponto de que, vivendo ainda no mundo,
dele se utilizava apenas para cumprir o que era a única aspiração de
sua vida. "Quando Deus quer se unir intimamente a um homem e lhe falar
ao coração, Ele o conduz à solidão. Se se trata de um homem chamado à
vida religiosa contemplativa, Deus, para realizar o seu desejo, começa
por separá-lo do mundo".1
Foi assim que, no ano de 1851, aos 23
anos de idade, Youssef deixou o lar materno e ingressou no Mosteiro de
Nossa Senhora, em Maïfuq, onde adotou o nome de Charbel, em louvor ao
mártir de Edessa, do segundo século.
De Maifouk a São Maron de Annaya
Porém, com esse desejo de isolar-se do
mundo ardendo-lhe na alma, Maifouk certamente não era o ambiente mais
propício para a realização de seu ideal. Embora ali levasse uma vida de
oração e trabalho, como a santa Regra pedia, o contato com os camponês
vizinhos prejudicava-lhe muito o recolhimento.
Certo dia em que os noviços se ocupavam
de sua tarefa diária de tirar as folhas e cascas das amoreiras, para a
criação do bicho-da-seda, uma mocinha que trabalhava ao lado, querendo
pôr à prova o silêncio e a seriedade de Charbel, lançou-lhe ao rosto um
casulo. Não obtendo resultado, lançou outro. O jovem noviço permaneceu
impassível, mas naquela mesma noite saiu do mosteiro de Maifouk, sem
dizer nada a ninguém, e foi recolher-se ao convento de São Maron de
Annaya, situado a quatro horas de marcha.
Ali reiniciou o noviciado, separado do
mundo por uma severa clausura, observando a regra que o guiava nas vias
da contemplação, do recolhimento, da oração e da obediência. Dois anos
depois recebeu o hábito dos maronitas - túnica preta, capuz em forma de
cone e cordão feito de pele de cabra - e pronunciou os votos de pobreza,
castidade e obediência. Desde então, foi um monge submergido no
anonimato e nos seus colóquios com Deus.
Embora tudo fizesse para lançar sua
pessoa ao olvido, sua santidade tornou-se notória para os outros
religiosos. Por decisão do superior e do conselho da comunidade, foi
admitido às ordens sacras e, após fazer os necessários estudos, recebeu a
ordenação presbiteral em 1859.
Charbel celebrava o Santo Sacrifício com
a máxima dignidade e com uma fé tão viva, que, com frequência, durante a
Consagração, as lágrimas corriam-lhe dos olhos escuros e profundos, os
quais eram como duas janelas abertas para o Céu. E, na contemplação,
ficava de tal modo absorto que não prestava atenção alguma a eventuais
ruídos ou rumores.
Modelo de obediência e pureza
Desde o tempo de noviciado até seu
último alento, destacou-se como monge exemplar na obediência e na
observância da Regra. Ao ponto de que, quando o Superior ordenava a um
monge fazer algo muito penoso, era frequente ouvir uma resposta do tipo:
- Pensa o senhor, por acaso, que sou o padre Charbel?
Certa ocasião, sendo ele ainda noviço,
um sacerdote resolveu pôr à prova sua paciência. Na hora de transportar
de um campo para outro os instrumentos agrícolas, começou a amontoar
sobre seus ombros sacos de sementes, peças de arados, ferramentas e
outros materiais... Quando terminou, via-se no meio da carga o rosto
sorridente de Charbel que repetia a censura de Jesus aos doutores da
Lei: "Ai de vós, que carregais os homens com pesos que não podem
levar..." (Lc 11, 46). Todos riram desse dito espirituoso e
apressaram-se em livrá-lo do excesso de carga.
Brilhou também de modo especial na luta
para preservar a virtude da castidade, com atos de heroísmo extremos,
sem jamais demonstrar aos outros as mortificações que fazia. A Regra da
Ordem incita os monges a refrear com todo empenho os próprios sentidos.
Entre outras atitudes de vigilância, exorta-os a evitar qualquer
conversa com pessoas do sexo feminino, mesmo tratando-se de parentes.
São Charbel foi mais longe: ele fez, e cumpriu, o propósito de jamais
olhar para o rosto de uma mulher.
O dom de fazer milagres
Teve o dom de fazer milagres, e o exerceu com sua costumeira humildade.
Certa vez, uma pobre mulher hemorroíssa,
cuja enfermidade resistia a todos os tratamentos, encarregou um
mensageiro de entregar ao padre Charbel determinada quantia e pedirlhe
que este lhe enviasse uma correia benta. Há uma devoção mariana típica
do Líbano: nas situações de emergência - calamidades públicas,
epidemias, guerras, etc. -, os chefes de família levam à igreja um véu
de seda ou algodão; esses véus são entrelaçados e ficam suspensos em
volta da capela, até a Virgem fazer cessar a desgraça. O padre Charbel
pegou, então, um desses véus, que estava na imagem de Nossa Senhora do
Rosário, e o entregou ao mensageiro, dizendo:
- Que a mulher se cinja com este véu, e ficará curada. Quanto à esmola, coloque-a sobre o altar, o padre provedor irá tirá-la.
E a mulher ficou curada.
Na ermida de São Pedro e São Paulo
Visto que a solidão o atraía desde a
infância, e que no mosteiro de Annaya vivia já praticamente como um
anacoreta, foi ele transferido para a ermida de São Pedro e São Paulo, a
pouca distância do mosteiro. Tinha então 47 anos, e ali permaneceu até o
dia de sua morte, ocorrida 23 anos depois.
Sua oração era apenas interrompida pelo
cultivo da vinha e outros trabalhos na ermida. E a única refeição do
dia, perto das três horas da tarde, acabava sendo um exercício de
penitência, pela exiguidade e pobreza do alimento. Sua devoção a Maria
era incomparável. Repetia continuamente Seu nome bendito, e cada vez que
entrava ou saía de sua cela recitava, de joelhos, a saudação angélica
diante de uma pequena imagem que ali ficava.
Proverbial era também sua paz de alma.
Num dia de tempestade, um raio derrubou parte da ala meridional da
ermida, deitou por terra uma parede da vinha e queimou, na capela, as
toalhas do altar, enquanto o santo monge ali se encontrava, em oração.
Dois ermitães acorreram ao local, e o viram na mais apaziguante
tranquilidade.
- Padre Charbel, por que não se moveu para apagar o fogo?
- Caro irmão, como poderia fazê-lo? Pois logo depois de atear-se, o fogo se extinguiu...
De fato, como o incêndio fora rapidíssimo, ele julgara mais importante continuar sua oração, sem se perturbar.
Nascimento para a vida eterna
Quando celebrava a Missa no dia 16 de
dezembro de 1898, no momento em que comungava o Preciosíssimo Sangue de
Nosso Senhor Jesus Cristo, um repentino ataque de apoplexia o deixou
paralisado, sem poder concluir o Santo Sacrifício. Socorrido sem demora,
foi levado para sua pobre cela, onde permaneceu oito dias entre a vida e
a morte, com intervalos de lucidez durante os quais rezava curtas
orações.
Na vigília do Natal, enquanto a Igreja
comemorava a vinda ao mundo do Menino Jesus, nasceu para a eternidade
aquele santo monge maronita, o primeiro oriental a ser canonizado
segundo a forma usada na Igreja Católica latina.
Seus restos mortais foram sepultados em
uma vala comum, junto aos dos demais monges falecidos, como pedia a
santa Regra. E, desde aquele momento, o cemitério passou a ser iluminado
à noite por uma suave e misteriosa luz. Este e outros prodígios, unidos
à sua fama de santidade, levaram a transferi-los para um novo túmulo,
na parede da cripta da Igreja de São Maron.
A vala onde São Charbel fora enterrado
era tão úmida que, ao fazer a exumação, o corpo apareceu literalmente
encharcado, mas milagrosamente íntegro e flexível, transpirando um
líquido avermelhado de agradável odor. E quando o novo túmulo fora
aberto, em 1950, 1952 e 1955, constatou-se que ainda continuava flexível
e incorrupto.
Sua modelar vida monástica e os
numerosos milagres realizados pela sua intercessão levaram o Papa Paulo
VI a beatificá-lo em 5 de dezembro de 1965, dias antes da clausura do
Concílio Vaticano II, e a canonizálo em 10 de outubro de 1977.
Exemplo também para nós
O exemplo de São Charbel Makhlouf indica
um caminho também nos dias de hoje, pois o silêncio e a oração
constituem um valioso auxílio para solucionar as angústias e aflições do
homem contemporâneo.
Engana-se quem pensa que o recolhimento é
privilégio exclusivo dos religiosos de clausura. Ele está ao alcance de
todos nós, pois "a fonte da verdadeira solidão e do silêncio não está
nas condições ou na qualidade do trabalho, mas sim no contato íntimo com
Deus [...] O silêncio, assim entendido, pode encontrar-se na rua, no
estrépito do trabalho da fábrica, nas atividades do campo, porque é
levado dentro de nós".2
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1BRUNO, OCSO, Pe. M. Le silence monastique. 2.ed. Besançon: Imprimerie de L 'est, 1954, p. 4.
2ROYO MARÍN, Antonio, OP, La vida religiosa. 2.ed. Madrid: BAC, 1968, p. 437.
Raphaela Nogueira Thomaz
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