quarta-feira, 1 de maio de 2013

Reabrir a questão da contracepção? Artigo de Giannino Piana

IHU - Não se pode esquecer que o caráter pastoral do magistério ordinário implica que ele seja exercido em meio a situações concretas. Por isso, ele sofre, inevitavelmente, condicionamentos do contexto cultural em que nasceu. Nesse sentido, sua autoridade está ligada à possibilidade de modificar os seus conteúdos quando mudam as condições do contexto em que os documentos foram elaborados.
A análise é do teólogo italiano Giannino Piana, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas. O artigo foi publicado na revista italiana Rocca, n. 9, 01-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Às vésperas da nomeação (surpreendente) do novo Pontífice Francisco, a Conferência Episcopal Alemã, reunida em Trier, sob a presidência do bispo Robert Zollitsch, autorizou as clínicas e os hospitais católicos a administrar a pílula do dia seguinte, se uma mulher violentada pedir.
A decisão singular, assumida a convite do arcebispo de Colônia, cardeal Joachim Meisner, que não goza de fama de grande progressista, havia sido solicitada, além disso, por uma onda de protestos amplamente difundida em nível de opinião pública, que condenava a operação de um clínica católica que havia se recusado a fornecer tal pílula a uma jovem drogada e estuprada em uma festa, que não queria enfrentar uma gravidez indesejada e que encontrara acolhida depois em um hospital protestante.
A única condição posta pelos bispos é que a prescrição seja apenas daqueles medicamentos que impedem a ovulação e a fecundação do óvulo por parte do esperma, e não daqueles que agem no óvulo fecundado. "Se o fármaco – lê-se no comunicado – funciona para impedir a fecundação, então ele é sustentável, enquanto se se trata de pílulas destinadas a impedir que o óvulo fecundado se aninhe no útero da mulher, o seu uso não será permitido".
O que é pedido, por outras palavras, é que o fármaco atue de modo contraceptivo e não abortivo, isto é, que evite que uma nova vida inicie e não intervenha na vida já iniciada para bloquear a sua continuação. À luz dessa distinção, parece evidente a impossibilidade do recurso à RU486, que age no óvulo fecundado quando ele já está implantado, enquanto é eticamente aceitável o uso de outras pílulas, que, tomadas imediatamente depois de ter sofrido a violência – a fecundação normalmente ocorre após um intervalo que vai de 20 a 40 horas –, têm um valor puramente contraceptivo.
Não faltam precedentes
A posição assumida pelo episcopado alemão despertou grande alarde, a tal ponto que o Süddeutsche Zeitung, comentando-a, chegou a afirmar que se tratou de "um passo enorme para a Igreja Católica". Na realidade, não faltaram, mesmo após a promulgação da encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI, vozes autorizadas de homens da Igreja – cardeais, bispos e conferências episcopais inteiras – que tomaram posição em favor de uma atitude mais flexível com relação à contracepção.
Essas aberturas se originaram principalmente pela presença de uma série de situações particulares: da das irmãs congolesas ameaçadas pela violência dos guerrilheiros, às quais o cardeal Palazzini reconheceu, em 1996, o direito de tomar a pílula para se proteger de uma maternidade não desejada – trata-se, nesse caso, de um uso preventivo e precaucional – àquelas relacionadas com o flagelo da Aids, que provocou o desenvolvimento na Igreja de um amplo e aquecido debate.
Muitas, de fato, foram as intervenções de bispos pertencentes a diversas áreas do mundo que evidenciaram, a propósito desse último caso, a necessidade de uma disciplina mais atenta à complexidade e à dramaticidade das situações reais, colocando a ênfase, de vez em quando, sobre a possibilidade de uso do preservativo para se proteger e proteger o próprio cônjuge do risco de infecção – essa é a proposta feita, por exemplo, em 2002, pelo episcopado do Chade – até abrir o campo – como sugeriram o cardeal Peter Appia Turkson, de Gana, e até o cardeal Murphy O'Connor, arcebispo emérito de Westminster, conhecido como não exatamente progressista – a um uso mais amplo do preservativo para se defender da Aids.
Uma menção particular merecem, depois, as intervenções do cardeal Goffried Danneels, arcebispo de Bruxelas, que, em 2004, observava que "proteger-se do contágio ou da morte é um ato de prevenção e, moralmente, é diferente do uso do preservativo como meio para reduzir o número de nascimentos"; e do cardeal Martini, que em 2006 sublinhava com preocupação que "é preciso fazer de tudo para combater a Aids", acrescentando que "o uso do preservativo pode constituir, em certas situações, um mal menor".
Mas talvez a intervenção que mais chamou a atenção (e que pareceu até desconcertante para alguns) foi a tomada de posição do Papa Bento XVI, que, no livro-entrevista do alemão Peter Seewald, ressaltava que, em alguns casos – a exemplificação se detém, na realidade, em um caso específico –, o uso do preservativo pode ser um primeiro passo para a moralização.
"Pode haver – observava o pontífice – casos individuais justificados, por exemplo quando uma prostituta (na versão original em alemão, no entanto, a palavra está no masculino) utiliza um preservativo, e esse pode ser um primeiro passo para uma moralização, um primeiro ato de responsabilidade para desenvolver de novo a consciência do fato de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que quiser. No entanto, esse não é o verdadeiro modo para vencer a infecção do HIV".
Olhando bem, não se trata aqui da admissão da legitimidade do uso do preservativo diante do perigo da Aids, mas sim do reconhecimento da existência, no plano subjetivo, de uma atitude responsável, fruto de uma sensibilidade moral que leva a intuir a possibilidade de um caminho de mudança: atitude que implica, em todo caso, uma exceção à norma da encíclica paulina em nome de um valor superior.
A crise da rigidez de um princípio
Esse conjunto de intervenções (incluindo a papal), embora na sua diversidade, tornam transparente o estado de mal-estar decorrente de uma diretriz rígida, como a da Humanae Vitae – confirmada, além disso (em termos até mais radicais), pelo Papa João Paulo II – que recusa, além do aborto e da esterilização, até mesmo "toda a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação" (n. 14). A contracepção a que aqui se alude é definida por Paulo VI, mais adiante, como realidade "intrinsecamente desordenada" ou "intrinsecamente desonesta", que nunca pode, portanto, ser coonestada (n. 14).
Confirmando a radicalidade dessa posição, o papa rejeita tanto a possibilidade de recorrer, em algumas situações, ao critério do mal menor, quanto justificar o ato individual contraceptivo em nome do princípio de globalidade, isto é, do exercício responsável da fecundidade no quadro abrangente da vida conjugal (n. 14).
A razão à qual a encíclica apela é que ocorre uma conexão inseparável, desejada por Deus, entre os dois significados do ato conjugal – o significado unitivo e o procriativo – e que, consequentemente, "o homem não pode romper, por sua iniciativa, essa conexão" (n. 12). A contracepção é condenada, não tanto porque através dela ocorra, em nível intencional, a disjunção dos dois significados referidos – disjunção que também se verifica, além disso, quando se recorre aos chamados métodos "naturais", cujo uso também é justificado (n. 16) –, mas porque o meio usado é destinado a provocar de maneira inatural tal disjunção.
A argumentação se apoia, de fato – como fica evidente no texto –, naquele "por sua iniciativa" (a expressão do texto original em latim é "sua sponte") que designa uma intervenção do homem voltada a impedir a busca do significado procriativo do ato conjugal. A questão não é, portanto, de "fins", mas sim de "meios": a contracepção constitui para a Humanae Vitae uma manipulação dos processos naturais – o conceito de "natureza" é aqui entendido em sentido rigidamente biológico e fixista – totalmente inaceitável.
A complexidade das situações existenciais (algumas das quais, como foi recordado, dramáticas) e a presença (não infrequente) de conflitos de valores (ou de deveres) tornou evidente a impraticabilidade, em diversos casos, da norma da encíclica. É conhecido, a esse respeito, o debate teológico, que se desenvolveu logo depois da sua promulgação e que marcou um dos momentos de maior conflito (ainda não totalmente sanado) entre teologia moral e magistério eclesial.
Também é conhecido que a primeira tentativa de temperar a rigidez do conteúdo da encíclica ocorreu por obra de inúmeras Conferências episcopais nacionais (incluindo a italiana), que, movidas por uma intenção eminentemente pastoral, desenvolveram, imediatamente depois do seu aparecimento, uma série de mediações, algumas das quais – pense-se apenas na interpretação da norma na perspectiva do ideal de perfeição, por isso em uma ótica aberta de caráter escatológico-profético (e não, ao invés, de preceito fechado que não admite nenhuma exceção) – destinadas a prejudicar o próprio pressuposto de fundo que está na base da encíclica.
Por isso, devem ser inseridas nesse contexto também as tomadas de posição acima referidas e, por último, a dos bispos alemães: o caso do estupro e o da possível infecção por Aids solicitaram com justiça, nas últimas décadas, uma reconsideração do ditado da encíclica, ao menos – como sugere o cardeal Martini – em direção da aceitação do princípio do "mal menor".
A exigência de um novo modelo e de uma nova perspectiva
Não podemos, portanto, talvez pergunta se não chegou o momento de rever o caráter absoluto do dado normativo da encíclica, colocando novamente em discussão o modelo no qual ela se apoia? A delicadeza da questão está fora de discussão: trata-se de um documento do magistério ordinário, que se move no âmbito de uma consolidada tradição anterior e com relação a qual, por isso, deve ser exercido um "religioso obséquio", embora não estando em jogo a infalibilidade e a irreformabilidade (durante a apresentação oficial da Humanae Vitae, respondendo a uma pergunta específica sobre o significado doutrinal do documento, Mons. Lambruschini, renomado teólogo moralista que fizera parte da Comissão preparatória, afirmava se tratar justamente de magistério ordinário não infalível nem irreformável).
Por outro lado, não se pode esquecer que o caráter pastoral do magistério ordinário implica que ele seja exercido em meio a situações concretas e que sofra, portanto, inevitavelmente, condicionamentos do contexto cultural em que nasceu, a tal ponto que – muitos pensam nisto – a possibilidade de salvaguardar a sua autoridade está ligada à sua historicização e, portanto, à disponibilidade de modificar os seus conteúdos quando mudam as condições do contexto em que os documentos foram elaborados.
Além disso, isso já ocorreu repetidamente ao longo da história e também se verificou recentemente: pense-se na rejeição da tradicional doutrina da "guerra justa" por parte da Pacem in Terris, de João XXIII (da qual há pouco celebramos os 50 anos da promulgação) ou no claro contraste existente entre o Sílabo, de Pio IX, e o decreto Dignitatis Humanae, do Vaticano II, a propósito da liberdade religiosa.
O que deve ser submetido a crítica, no caso da Humanae Vitae, é o modelo ao qual ela apela para argumentar, no campo normativo, o "não" absoluto à contracepção. Trata-se de um modelo "deontológico", para o qual conta o respeito dos princípios (ou dos valores), "aconteça o que acontecer": um modelo, portanto, nada flexível, que se apoia em uma concepção – como já se disse – "naturalista" da natureza humana, com a incapacidade de acolher instâncias que venham de níveis diversos e superiores do humano – do psíquico ao espiritual – e, portanto, de abordar seriamente situações em que se dão conflitos de valores (ou de deveres ) e é preciso, por isso, fazer escolhas de mediação.
A busca do "bem possível"
O ditado da encíclica, ao invés, deveria ser inscrito no quadro de um modelo "teleológico" (de telos, isto é, fim), onde é determinante a relação entre o fim que se busca, ao qual deve ser reconhecido o primado (nesse caso, o exercício responsável da fecundidade procriativa), e o meio adotado para buscá-lo (veja-se a contracepção), ao qual também deve ser reconhecida uma indubitável densidade moral (embora subordinada).
Isto é, tratar-se-ia de sopesar, de tempos em tempos, a entidade das consequências positivas e negativas do recurso ao meio em relação à bondade do fim ao qual se tende; ou, ainda, de verificar a proporcionalidade existente entre a bondade do fim que se pretende alcançar e a entidade dos efeitos negativos decorrentes do uso do meio adotado.
A perspectiva que é privilegiada, nesse caso, é a da busca do "bem possível", ou, se se quiser mais modestamente, do "mal menor". Uma perspectiva realista e que, portanto, não comporta renúncia ao ideal, que é constantemente levado em consideração como referência obrigatória; mas que implica, ao mesmo tempo, atenção à realidade, isto é, capacidade de tornar presente o ideal, tanto quanto possível, na concretude das situações, sem saltos estéreis, mas também sem encurvamentos involutivos.
Não é essa a característica própria da ética evangélica? A distância, nunca superável, entre aquilo ao qual somos chamados e o que, de vez em quando, se alcança é, de fato, estímulo a uma permanente conversão e convite a uma confiança incondicional na misericórdia do Senhor.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...