A importância da
expulsão dos demônios é muito grande: para demonstrar que Cristo é o
mais forte; tem autoridade de destruir o reino de Satanás e para
instaurar o Reino de Deus; pode levar definitivamente a vida dos homens
para Deus, através da Sua pregação. Para continuar essa obra de redenção
da humanidade, destruindo as obras de Satanás e libertando o homem da
escravidão do demônio, esse “sinal” deveria continuar. Jesus, então,
transmitiu esse poder aos doze apóstolos, depois aos setenta e dois
discípulos e, finalmente, a todos os que acreditam nEle.
Marcos
fala dele em primeiro lugar, como o primeiro dos poderes conferidos aos
apóstolos. “Designou doze dentre eles para ficar em sua companhia. Ele
os enviaria a pregar, com o poder de expulsar os demônios” (Mc 3,14-15);
“Chamou os doze e começou a enviá-los, dois a dois; e deu-lhes poder
sobre os espíritos imundos. Expeliam numerosos demônios, ungiam com óleo
a muitos enfermos e os curavam” (Mc 6,7.13).
A
linguagem dos outros evagelistas – Mateus e Lucas – é bastante
semelhante. “Jesus reuniu seus doze discípulos. Conferiu-lhes o poder de
expulsar os espíritos imundos e de curar todo mal e toda enfermidade”
(Mt 10,1); “Por onde andardes, anunciai que o Reino dos céus está
próximo. Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos,
expulsai os demônios. Recebestes de graça, de graça daí!” (MT 10,7-8); “
Reunindo Jesus os doze apóstolos, deu-lhes poder e autoridade sobre
todos os demônios, e para curar enfermidades” (Lc 9,1).
Como se
vê nestes testemunhos em comum, trata-se de um poder de autoridade a que
o Mestre dá uma importância particular. Em um segundo tempo,
o mesmo poder é estendido aos setenta e dois discípulos. Veja que,
embora o poder de expulsar os demônios e de curar os doentes apareçam
juntos muitas vezes, o primeiro é destacado com relevância especial em
relação ao segundo. Aliás, quando os setenta e dois discípulos regressam
da sua missão e relatam o seu êxito ao Divino Mestre, demonstram que
tinham ficado impressionados, sobretudo, pelo domínio exercido sobre os
demônios: “Senhor, até os demônios se nos submetem em Teu nome! (Lc
10,17).
Jesus
aproveita este entusiasmo para realçar a derrota do demônio, dizendo:
“Vi Satanás cair do céu como um raio” (Lc 10,18). Mas ao mesmo tempo, dá
uma lição importante: “Eis que vos dei poder para pisar serpentes,
escorpiões e todo o poder do inimigo. Contudo, não vos alegreis porque
os espíritos vos estão sujeitos, mas alegrai-vos de que os vossos nomes
estejam escritos nos céus” (Lc 10,19-20). É claro que Jesus tem muita
responsabilidade na derrota de Satanás.
A
primeira carta de João tem algumas expressões muito fortes: “Nisto é que
se distinguem os filhos de Deus dos filhos do diabo” (1Jo 3,10); “Quem
comete pecado é do diabo porque o diabo peca desde a origem. Para isto
se manifestou o Filho de Deus para destruir as obras do diabo” (1Jo
3,8); e ainda: “Nós bem sabemos que todo aquele que nasceu de Deus não
peca, mas o Filho de Deus o guarda e o maligno não o apanha” (1Jo 5,18)
É um
grande poder o de expulsar os demônios, mas é um poder maior o de não se
deixar seduzir por ele. Sobre este fim, Mateus relata um juízo
tremendo: haverá quem tenha poder de mandar os espíritos imundos, mas
isto não bastará para salvar a alma: “Muitos me dirão naquele dia:
“Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos, em teu nome que
expulsamos os demônios e em teu nome que fizemos muitos milagres?. E,
então dir-lhes-ei: “nuca vos conheci ! Afastai-vos de mim, vós que
praticais iniqüidade! (Mt 7,22-23). É de supor que até Judas tenha feito
milagres e expulsado os demônios; e, no entanto, “Satanás entrou nele”.
Eis por que não devemos gloriar-vos dos poderes que o Senhor nos quiser
dar, mas sim do fato dos nossos nomes estarem escritos no céu.
Marcos conclui o seu Evangelho com as Palavras de Jesus, que se estendem a todos os que acreditam nEle que tem o poder de expulsar os demônios: “Estes sinais acompanharão aqueles que acreditam: em meu nome expulsarão demônios” (Mc 16,17)
Em Atos
dos Apóstolos vemos que, rapidamente, os discípulos de Jesus continuaram
a exercer os poderes que o Mestre lhes tinha conferido. Em relação aos
apóstolos: “ A multidão vinha também das cidades próximas de Jerusalém,
transportando enfermos e atormentados por espíritos malignos e todos
eram curados” (Mc 5,16). Em relação ao diácono Filipe: “Ao ouvi-lo falar
e ao vê-lo realizar milagres, as multidões aderiram unanimemente à
pregação de Filipe. De fato, de muitos possessos saíam malignos,
soltando grandes gritos” (Mc 8,6-7).
São mais
numerosos os episódios relativos a São Paulo. Basta-nos recordar estes
dois: “Encontramos uma escrava que tinha um espírito pitônico e que dava
muito lucro aos seus donos exercendo a adivinhação. [...] Por fim, já
agastado, Paulo disse ao espírito: “Ordeno-te, em nome de Jesus Cristo,
que saiais desta mulher”. E o espírito saiu imediatamente” (At
16,16-17). “Deus faz milagres extraordinários por intermédio de Paulo, a
tal ponto que bastava aplicar aos doentes os lenços e as roupas que
tinham estado em contato com seu corpo para que as doenças e os
espíritos malignos os deixassem” (At 19,11-12).
Terminada
a formulação fundamenta do tema, solidamente baseada na Escritura,
passemos a algumas breves considerações sobre a prática dos exorcismos
na história da Igreja primitiva; devemos nos contentar com algumas
indicações, nos dirigindo às obras especializadas para quem quiser se
aprofundar no assunto.
As
primeiras grandes linhas gerais são estas. No início da Igreja, todos
podiam expulsar os demônios, tendo como base o mandamento de Cristo. Foi
um fato de grande alcance apologético, porque colocou os cristãos em
confronto com os exorcistas pagãos; veremos adiante o seu valor.
Rapidamente, os exorcismos começaram a ser reservados a classes
particulares de pessoas: no Oriente, prevaleceu o reconhecimento de um
carisma especial; no Ocidente, afirmaram-se os exorcistas, de nomeação
eclesiástica. Em ambos os casos, o exorcismo foi se desenvolvendo, ao
longo do tempo, em duas formas distintas: como oração autônoma, voltada
para a libertação dos obsessos; como oração fazendo parte do Sacramento
do Batismo.
Uma
premissa indispensável a levar em consideração é que todos os povos,
antigos e modernos, conservaram a sensibilidade com relação à existência
dos espíritos maléficos descritos e combatidos segundo a sua cultura.
Encontramos práticas exorcistas ente os antigos povos da Assíria, da
Babilônia e do Egito. O povo hebreu não estava isento a elas: no Livro
de Tobias é o Arcanjo Rafael que liberta Sara; Jesus fala claramente de
exorcistas hebreus (Lc 11,19); encontramos notícias deles em Flávio
Josefo, historiador judeu-romano. Desde sempre, em todos os povos, magos
e bruxos pretenderam poder controlar os espíritos maléficos, uma vez
que encontramos a sua atividade em todos os tempos e lugares.
Eis, um
primeiro motivo de caráter apologético, realçado pelos primeiríssimos
autores cristãos: confrontando os exorcistas pagãos com os exorcistas
cristãos, evidencia-se o poder de Cristo. Diz Justino, em primeiro
lugar, quando escreve: “Cristo nasceu por vontade do Pai para Salvação
dos que crêem e para ruína dos demônios. Podeis criar a vossa convicção
por aquilo que vedes com os vossos olhos. Em todo o universo e na vossa
cidade (Roma) há numerosos endemoninhados que os outros exorcistas,
encantadores e magos não puderam curar; pelo contrário, muitos de nós,
cristãos, ordenando- lhes em nome de Jesus Cristo, crucificado sob
Pôncio Pilatos, temos curado estas pessoas, reduzindo à impotência, os
demônios que possuíam os homens” (II Apologia, VI, 5-6). É um texto
precioso pela sua antiguidade (meados do século II) e pela fórmula de
exorcismo que transcreve.
O mesmo
Justino apresenta-nos um texto ainda mais completo no Diálogo com
Trifão: “Qualquer demônio que receba uma ordem em nome do Filho de Deus –
gerado antes de toda a criatura, que nasceu de uma Virgem, se fez
sujeito à dor, foi crucificado pelo vosso povo sob Pôncio Pilatos,
morreu e ressuscitou dos mortos e subiu ao céu – , qualquer demônio,
afirmo, que receba uma ordem por força deste nome, é vencido e
subjugado. Mas experimentai vós esconjurar por todos os nomes dos reis,
dos justos, dos profetas ou patriarcas que estiverem entre nós, e vereis
que um só demônio fugirá vencido”
Também
Irineu testemunha: “ Com a invocação do nome de Jesus Cristo, que foi
crucificado sob Pôncio Pilatos, Satanás é expulso dos homens”. É
interessante notar que as fórmulas de exorcismo partem das palavras
usadas por Jesus ou por Paulo, mas, depois, enriquecem-se com os
principais episódios da vida de Cristo, de modo a também influenciar na
formação das primeiras profissões de fé.
Tertuliano
confirma a eficácia com a qual os cristãos libertam os demônios, tanto
os próprios cristãos quanto os pagãos. É também o primeiro a indicar
alguns dos gestos usados, como a imposição das mãos e o sopro da boca; e
confirma que a força do exorcismo é dada pelo ato de pronunciar o nome
de Cristo. São elementos que entrarão no Rito Batismal.
A igreja
antiga, obediente ao poder recebido de Cristo, não só exerceu o poder
exorcístico sobre os obsessos e sobre aqueles que eram escravos de
instintos maus, mas também fazia exorcismos sobre a vida social,
impregnada de idolatria e de influência maléficas. Tertuliando afirma-o
explicitamente: “Se não fôssemos nós, quem poderia subtrai-vos ao
influxo maléfico daqueles espíritos que se insinuam ocultamente e
corrompem os vossos corpos e as vossas mentes? Quem poderia libertar-vos
dos assaltos poderosos das forças demoníacas?”.
O demônio
sempre exerceu esta influência nefasta na sociedade, além de usá-la nos
indivíduos. Para o nosso tempo, limito-me a citar um trecho tirado de
um dos três discursos do Papa Paulo vI sobre o diabo (23 de fevereiro de
1977): “Então, não será de admirar que a nossa sociedade se degrade do
seu nível de autêntica humanidade à medida que progride nesta
pseudomaturidade moral, nesta indiferença, nesta insensibilidade à
diferença entre o bem e o mal, e que a Escritura cuidadosamente nos
advirta que todo o mundo (no sentido pior que estamos a observar) jaz
sob o poder do maligno”.
É
caloroso o testemunho de São Cipriano a respeito do poder dos
exorcismos: “Vem ouvir com os teus próprios olhos nos momentos em que,
cedendo aos nossos esconjuros, aos nossos flagelos espirituais e à
tortura das nossas palavras, abandonam os corpos de que se tinham
apoderado… Veras como estão dominados sob a nossa mão e como tremem em
nosso poder aqueles que tu colocas tão alto, honrando-os como senhores”
(Contra Demétrio, C, 15). Na verdade, vemos, em todas as vezes, que as
palavras de exorcismo são para o demônio uma tortura cada vez mais
insuportável, superior às suas penas infernais, segundo a sua própria
confissão.
Orígenes,
escrevendo contra Celso, fala da força do nome de Jesus para expulsar
os demônios: “A força do exorcismo assenta no nome de Jesus, que é
pronunciado enquanto, ao mesmo tempo, se anunciam os fatos relativos à
Sua vida. “Orígenes acrescenta também novos elementos em relação ao
predecessores. Diz-nos que, no nome de Jesus, se podem expulsar os
demônios, não só das pessoas, mas também das coisas, dos lugares e dos
animais. E insiste, contra o uso dos magos, que os cristãos não fazem
nenhum sortilégio, nem usam fórmulas secretas; mas exprimem a sua fé na
força do nome de Jesus.
Escreve
Righetti no seu manual de história litúrgica: “Toda a literatura cristã
dos três primeiros séculos se reporta freqüentemente à obra daqueles
irmãos na fé que, dotados de um carisma particular, exorcizavam segundo
uma advertência de Jesus, com a oração e com o jejum. Cada comunidade
devia possuir um bom número deles, pouco a pouco, formaram uma
corporação à parte, com o Nemo de exorcistas, e bem depressa tiveram o
reconhecimento oficial nas categorias do clero menor. Com isso, a Igreja
providencia no sentido de privilegiar claramente os seus exorcistas que
operavam com clara intenção e em nome de Cristo, dos charlatões e
bruxos pagãos. Os Cânones de Hipólito alertam contra eles e proíbem,
absolutamente, o seu acesso à fé” (Righetti, Manuale di Storia
litúrgica, Ancora, 1959, p 406).
É algo
que a Igreja de hoje teria tudo a aprender, quer no que se refere à
seleção de um número suficiente de exorcistas que satisfizesse os
pedidos dos fiéis, mas também para alertar contra os charlatões, bruxos e
magos que hoje tanto falam as publicidades dos jornais e algumas
transmissões televisivas. Nunca se fala deles nas igrejas.
Em Roma o
exorcista já era uma ordem menor em meados do século IV. Temos um
primeiro testemunho dele numa carta que nos é transmitida por Eusébio,
em que o Papa Cornélio nomeia os exorcistas, depois os acólitos,
seguidos dos leitores e dos ministros da Eucaristia.
Outra
preocupação de que rapidamente a igreja cuidou foi a de fazer a
distinção entre os verdadeiros endemoninhados e os indivíduos apenas
doentes, ou seja, a preocupação de dar um diagnóstico correto. Com esta
finalidade, bem cedo os bispos foram encarregados de se pronunciar a
respeito deste assunto. No ano de 416, o Papa Inocêncio I, declarava que
os diáconos ou sacerdotes só podiam fazer exorcismos com autorização
episcopal.
Se
quisermos examinar os vários elementos que compunham o exorcismo desde
os tempos mais antigos, além da oração dirigida ao Senhor para que
viesse em auxílio do possesso e da ordem dada ao demônio em nome de
Cristo, de que já falamos, podemos acrescentar alguma coisa sobre os
gestos. Começaram logo, pó se afirmar: a imposição das mãos, usada pelo
próprio Jesus sobre os endemoninhados de Cafarnaum; o sinal-da-cruz, de
que Lactâncio (†317) nos afirma a eficácia; o sopro da boca, que é
testemunhado por Tertuliano e por Dionísio de Alexandria; o jejum,
sugerido pelo próprio Senhor, juntamente com a oração (Mt 17,21); a
unção com óleo, que sabemos de uso corrente em todos os doentes e que se
mostrava também eficaz com os possessos. Por exemplo, os Santos Monges
Macário e Teodósio livraram os energúmenos por meio das unções.
Acrescentamos, agora, o suo da cinza e do cilício que, em grande medida,
faziam parte da disciplina penitencial.
Alguns
séculos mais tarde acrescentaram-se outros dois usos, que se tornaram de
importância primordial e persistiram até hoje: a água-benta que era
desconhecida do ritual antigo e a imposição da estola sobre os ombros do
exorcizado, introduzida depois do século X. Foi aconselhada também,cada
vez mais, a comunhão Eucarística que era administrada geralmente no fim
da Missa, celebrada propositadamente para que o exorcismo tivesse êxito
feliz.
As
fórmulas de exorcismo, como já vimos inicialmente eram bastantes
simples. As fórmulas agora em uso e que entraram no Ritual publicado em
1614 são, na realidade, dos finais do século VIII, compiladas por
Alcuíno († 804), exceto algumas poucas preces acrescentadas
posteriormente. Atualmente estão difundidas nove fórmulas, emanadas
provisoriamente, ad experimentum, pela comissão encarregada
expressamente de atualizar esta parte do Ritual; as novas fórmulas
definitivas foram estabelecidas em 1999 (data da publicação do Ritual)
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