IHU - Torna-se cada vez mais difícil dizer que, entre o Papa Bento XVI e o Papa Francisco, há uma perfeita continuidade.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio HuffPost.it, 13-06-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A publicação em um site chileno das recentes palavras do Papa Francisco
que despertaram mais interesse não são as da homilia matutina (que, no
entanto, continua sendo o momento de "governo" mais importante para esse
papa), mas sim as dirigidas à CLAR (a Conferência Latino-Americana e Caribenha de Religiosa e Religiosos) no dia 6 de junho.
Nessas palavras, que mais do que um discurso eram um diálogo off the record do papa com os religiosos do seu continente, o Papa Francisco disse coisas (não desmentidas) de singular importância, mesmo que não por motivos diferentes daqueles que lhe foram atribuídos.
Em primeiro lugar, na menção ao "lobby gay" no Vaticano,
do qual se vocifera há muito tempo, o papa admitiu a sua existência,
mesmo que em termos vagos: admissão importante, que enfatiza mais a
questão do "lobby" do que o adjetivo "gay", que adquire uma particular
importância quando visto da América do Norte, em que o termo "lobby gay"
geralmente sai da boca de conservadores e reacionários dispostos a
bloquear a mudança social relativa aos direitos dos gays.
Mesmo que constrangida pela linguagem não propriamente politicamente
correta usada pelo papa nessa ocasião, a opinião pública norte-americana
não reagiu como reagiria se outros tivessem usado essa linguagem –
sinal de que a linguagem colorida do Papa Bergoglio está criando códigos próprios de interpretação para além das usuais polarizações, até porque nos Estados Unidos a questão homossexual (na Igreja e não só) está bem além de ser uma questão "liberal".
Em segundo lugar, o Papa Francisco convidou
explicitamente os religiosos a continuarem o seu trabalho nas periferias
e nas margens do que a instituição prevê e tolera, sem se preocupar
demais com o que a Congregação para a Doutrina da Fé (o ex-Santo Ofício)
poderia dizer ou fazer: nada mais distante da atitude do seu
antecessor, que, por quase 25 anos, foi prefeito da Congregação vaticana
e que inúmeras vezes lançou a instituição ao ataque contra teólogos e
religiosos provenientes exatamente da América Latina.
Um terceiro motivo de interesse nessas notas está na menção de uma
corrente "pelagiana" na Igreja e de grupos que gostariam de voltar
atrás, "há 60 anos", isto é, ao pré-Concílio Vaticano II.
Não por acaso essa é a parte do diálogo do papa com os religiosos que
fez com que as palavras do papa fossem republicadas por blogs católicos
ultraconservadores, como o Rorate Caeli, que não fazem muita coisa para esconder o seu próprio desconcerto diante daquilo que o Papa Francisco faz e diz.
De fato, a menção ao "pelagianismo" na Igreja traz à mente as mesmas palavras ditas há algumas décadas por Giuseppe Dossetti,
um dos católicos mais importantes (e, por isso, mais perseguidos) na
história do catolicismo italiano; o reconhecimento do lobby reacionário
na Igreja Católica de hoje explica, mais do que muitas análises, as
razões profundas da eleição do Papa Francisco.
O lobby reacionário tinha apostado tudo no Papa Ratzinger,
mas agora se encontra diante do dever de gerir a sua própria
sobrevivência sob um papa que está bem ciente do risco que os
reacionários envolvem para o futuro da Igreja.
Torna-se cada vez mais difícil dizer que, entre o Papa Bento XVI e o Papa Francisco, há uma perfeita continuidade.
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