[folha]
DANIELA LIMA
DE SÃO PAULO
Presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Barros Munhoz (PSDB-SP)
fez pose para o momento solene. O ano era 2009 e a ocasião merecia. Ele
acreditava estar recebendo uma bênção do papa Bento 16, trazida do
Vaticano especialmente para ele.
Talvez o deputado ainda não saiba, mas foi enganado: naquele dia, posou
para o fotógrafo oficial com uma peça falsa emoldurada. Ela não veio do
Vaticano. Segundo funcionários da Assembleia, foi impressa numa gráfica
da alameda Jaú, em São Paulo.
Em Roma, apenas um arcebispo tem permissão para assinar pergaminhos com a bênção apostólica do papa como a que o tucano recebeu.
E o arcebispo cuja assinatura aparece na bênção de Barros Munhoz, datada
de 15 de março de 2009, se aposentara e fora substituído dois anos
antes, em julho de 2007.
Mas o deputado não foi o único. Prefeitos e outras autoridades também
receberam bênçãos falsas das mãos do mesmo homem: Emanuel von
Laurenstein Massarani, um senhor de 78 anos que, com gravata borboleta e
crucifixo na lapela, circula à vontade pela Assembleia paulista há pelo
menos oito anos.
Filho de pai italiano e mãe alemã, Massarani tem sala, equipamentos e
funcionários na Casa. Dispõe também de um carro oficial para ir ao
trabalho e voltar para casa. Foi nomeado chefe da Superintendência do
Patrimônio Cultural da Assembleia em 2005.
Apesar do cargo, ele não tem vínculo empregatício nem figura na lista de
servidores da Casa. Seu posto é "honorífico" --lhe dá direito a
regalias, mas não a salário.
Oficialmente, a função de Massarani é promover exposições e organizar o
acervo de arte da Assembleia. Extraoficialmente, ele usa a estrutura do
Legislativo para tocar os negócios de uma organização particular que
preside, o IPH (Instituto de Recuperação do Patrimônio Histórico).
O instituto classifica projetos culturais como de "interesse nacional",
ajudando a captar verbas de patrocínio que depois podem servir para
abater Imposto de Renda.
Emanuel Massarani (à esq.) entrega bênção papal a Barros Munhoz, em 2009 |
Foi por meio de seu instituto, por exemplo, que a pintora Denise
Chiaradia Christofari participou das bienais de Florença, em 2009, e
Roma, em 2010. Ela viajou graças a uma verba de R$ 46,5 mil da Cesp
(Companhia Energética de São Paulo).
Quem viabilizou o patrocínio da estatal com o IPH foi o pai de Denise, o
engenheiro Vilson Christofari, que na época era diretor de geração da
Cesp e, meses após a filha voltar de Roma, assumiu a presidência da
companhia. (Leia mais no texto abaixo)
Massarani aparece em documentos oficiais como "ex-embaixador", mas nunca
ocupou a posição. Segundo o Mistério das Relações Exteriores, ele se
aposentou no Itamaraty como assistente de chancelaria, antiga carreira
de nível médio já extinta.
Massarani afirma que há uma "confusão" em torno desse assunto. Ele
esclarece que trabalhou no passado como "adido cultural" em Genebra, mas
recebeu há alguns anos o título de "embaixador de Itápolis", cidade do
interior paulista que ajudou a promover ações de intercâmbio cultural
com a Itália.
As boas relações com os políticos são uma marca na carreira de
Massarani, que trabalhou para o ex-presidente Jânio Quadros no período
em que ele foi prefeito de São Paulo e depois foi secretário de
Patrimônio Cultural do Estado, no governo Mário Covas.
Em 2001, o governador Geraldo Alckmin acabou com a pasta e Massarani foi
para a Assembleia. "Católico fervoroso", ele diz não entender como as
bênçãos que distribui podem ser falsas. "Tenho um contato em Roma. Vou
falar com ele. Para mim, eram todas verdadeiras", garante.
Procurada pela Folha, a Assembleia informou que abriu uma apuração
preliminar para verificar a situação de Massarani. No dia em que ele
concedeu entrevista à Folha, uma de suas funcionárias interrompeu a
conversa na hora de ir embora. "Sua bênção, doutor", ela pediu, dando um
beijo na mão dele. Massarani respondeu: "Deus te abençoe, minha filha".
OUTRO LADO
O engenheiro Vilson Christofari, ex-presidente da Cesp (Companhia
Energética de São Paulo) admite ter atuado na estatal para ajudar a
financiar a participação da filha em duas exposições internacionais na
Itália, mas diz não haver conflito ético no caso.
Christofari afirma que a filha, que é pintora, não viajou a passeio e
teve trabalhos premiados tanto na mostra de Florença quanto na de Roma.
"Minha filha recebeu o convite para representar o Brasil, por uma
entidade credenciada, o IPH. Comentei com colegas sobre o assunto, sim, e
não vejo nada de errado nisso", diz o engenheiro.
"A empresa patrocina esses eventos. Havia isenção fiscal. Melhor pedir à
Cesp do que a qualquer um dos fornecedores da companhia, que certamente
não iriam se negar a ajudar", diz Christofari.
A Cesp afirmou por meio de sua assessoria que deu "apoio financeiro a
uma entidade legalmente estabelecida", o IPH (Instituto de Recuperação
do Patrimônio Histórico de São Paulo), a quem cabia "aplicar os recursos
nos termos da lei".
O presidente do instituto, Emanuel von Laurenstein Massarani, diz que
não sabia que a pintora Denise Chiaradia era filha do presidente da
Cesp. "Só fui saber depois do fato consumado", afirma.
Depois de promover a viagem da filha de Christofari à Itália, Massarani
conseguiu ajuda da Cesp para tocar um segundo projeto, um livro sobre as
barragens do rio Tietê.
A Cesp cedeu um de seus funcionários a Massarani. Ele passou a trabalhar
para o IPH, com a missão de fotografar as paisagens para o livro.
Christofari diz ter sido chantageado por esse funcionário, que teria
ameaçado revelar o caso do patrocínio da sua filha. O ex-funcionário,
Augusto Cezar, negou ter feito chantagem, mas confirmou ter trabalhado
para Massarani na Assembleia.
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