IHU - Francisco disse que é melhor ir às margens e
cometer erros do que se tornar autoabsorvido. Francisco, o primeiro
pontífice jesuíta, quer que os líderes da Igreja tenham o cheiro das suas ovelhas.
Publicamos aqui o editorial do jornal National Catholic Reporter, 02-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Um dos temas mais marcantes deste ainda jovem papado é o repetido chamado do Papa Francisco
para que a Igreja vá ao encontro das pessoas "na periferia" e "nas
margens", especialmente os pobres. Ele compara essa Igreja evangélica a
uma Igreja que é "autorreferencial", que se torna, em sua palavra,
"doente". Francisco chegou a dizer que é melhor ir às margens e cometer
erros do que se tornar autoabsorvido.
Francisco estava falando em termos gerais, mas se ele estivesse
inclinado a selecionar um exemplo específico do que ele quis dizer, ele
não poderia fazer nada melhor do que considerar a situação da Campanha Católica para o Desenvolvimento Humano nos Estados Unidos
e os seus críticos. Os bispos dos Estados Unidos iniciaram a campanha
em 1969, e ela continua servindo como o principal programa nacional da
Igreja contra a pobreza. Desde a sua criação, ela deu uma forte ênfase
ao empoderamento dos pobres através da organização comunitária – não
apenas ajudá-los, mas ajudá-los a se organizar para que eles possam
ajudar a si mesmos. A campanha é financiada por uma coleta anual feita
em quase todas as paróquias.
Os críticos, liderados pela American Life League e por uma coalizão por ela fundada chamada Reform CCHD Now,
acusaram a campanha de comprometer os ensinamentos da Igreja ao se unir
em coalizões com grupos não católicos, alguns dos quais não apoiam o
ensino católico sobre questões como o casamento entre pessoas do mesmo
sexo. Alguns bispos usaram os argumentos espúrios da coalizão para
justificar a sua retirada da campanha. A coalizão intimidou outros
bispos a restringir os requisitos para a participação na campanha.
Na última edição, o jornal NCR escreveu sobre um recente relatório do grupo Faith in Public Life,
acusando os críticos da campanha de táticas macartistas e catalogando
as formas indecentes pelas quais têm tentado minar o programa contra a
pobreza.
Ironicamente, e provando a tese do relatório, a Cardinal Newman Society, outro órgão autonomeado de controle da ortodoxia católica, desafiou o relatório do Faith in Public Life,
não confrontando as suas provas ou argumentos, mas lançando acusações
de culpa por associação. "O Faith in Public Life há muito tempo tem se
aliado a grupos católicos ou de outras religiões que se opõem à Igreja
com relação a questões-chave de política pública", declarou a Cardinal
Newman Society em seu site.
A sociedade observou que um dos membros da diretoria do Faith in Public Life trabalha em um sindicato, e que um dos apoiadores listados no relatório, Stephen Schneck, professor de ciência política da Universidade Católica dos Estados Unidos, era membro dos Católicos por Obama
– como se essas associações de alguma forma contaminassem a
organização. Se isso não bastasse, a sociedade observou que jesuítas e
acadêmicos de instituições jesuítas assinaram o relatório, o que,
aparentemente, aos olhos da Cardinal Newman Society, é o beijo da morte ou ao menos um beijo de heresia.
Em certo sentido, é difícil decifrar por que a Catholic Campaign for Human Development
gerou tanta polêmica. Para alguns, sem dúvida, é suficiente estar
envolvido na organização comunitária, que se tornou um para-raios
durante a bem sucedida campanha presidencial de 2008 pelo ex-organizador
comunitário Barack Obama. O Tea Party logo se voltou para o ACORN, outro órgão de organização comunitária, e conseguiu fechá-lo com êxito. A simples menção do nome de Saul Alinsky,
o pai intelectual da organização comunitária contemporânea, faz com que
alguns setores da classe conservadora erudita espumem de raiva.
Em outro sentido, é fácil entender por que a campanha tocou um nervo
tão poderoso. Quando você realmente entra na vida das pessoas que vivem
nas margens, você raramente encontra situações morais imaculadas. E na
sociedade pluralista norte-americana, todos os tipos de pessoas
encontram-se reunidos para trabalhar em uma causa particular, mesmo
quando eles diferem acentuadamente em outros assuntos não relacionados.
Em suma, parafraseando Francisco, se você trabalha com ovelhas, você
começa a ter o cheiro de ovelha.
Mas aqui está a diferença. Francisco, o primeiro pontífice jesuíta, quer que os líderes da Igreja tenham o cheiro das suas ovelhas. Os críticos da Catholic Campaign for Human Development
parecem querer uma Igreja menor, mais pura, higienizada e inodora. Eles
adotaram não a teologia, mas sim a disposição espiritual do grande
inimigo dos jesuítas nos séculos XVII e XVIII, os jansenistas. Eles
também queriam uma Igreja menor, mais pura. Eles também viam o pecado em
todos os lugares e queriam se retirar em um mundo imaculado, totalmente
sob o seu próprio controle, transformando a Igreja em uma seita.
Não devia ser naquela época e não deve ser agora. Francisco está certo, e nós elogiamos os bispos dos Estados Unidos por se pronunciarem a favor da campanha. Ajudar os pobres é tão essencial para a vida da Igreja quanto o seu culto. Como diz Dom Jaime Soto,
presidente da subcomissão que fiscaliza a campanha, o programa contra a
pobreza é "fazer com que a Encarnação aconteça novamente".
Se essa não é uma tarefa condizente com a Igreja de Jesus Cristo, então nós não sabemos qual é.

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