Conversa entre Pe. Paulo Ricardo e o Dr. Paulo Fernando sobre a PLC 03/2013
Por Thácio Lincon Soares de Siqueira
BRASíLIA, 17 de Julho de 2013 (Zenit.org)
- Na última semana o Senado Federal aprovou um projeto de lei que, de
acordo com a grande maioria dos movimentos pró-vidas do Brasil, abre
brecha para a legalização do aborto no país.
Trata-se da PLC 03/2013 - cujo texto integral pode ser lido aqui
- que garante uma série de tratamentos médicos para vítimas de estupro,
incluindo a “profilaxia” da gravidez, que é “no mínimo um termo
infeliz”. – disse Pe. Paulo Ricardo a ZENIT – “Porque profilaxia se faz
para evitar uma doença. Gravidez não é doença”.
A linguagem desse projeto é propositadamente imprecisa, afirmou o
sacerdote, advertindo que a união entre esse projeto de lei com a norma técnica do aborto legal
já existente no Brasil, será como juntar fogo com pólvora. Tal junção
obrigará todos os hospitais do Brasil, católicos incluídos, a realizar o
aborto.
Na noite de ontem, ZENIT organizou uma conversa informal entre o
advogado Paulo Fernando, vice-presidente do movimento Pró-vida de
Brasília, e o Pe. Paulo Ricardo, sacerdote da diocese de Cuiabá.
Acompanhe a conversa na íntegra:
***
Paulo Fernando: Pe. Paulo Ricardo, como o senhor viu a histórica tramitação do PLC 03/2013?
Pe. Paulo Ricardo: Em primeiro lugar a tramitação foi quase que
escandalosa, ou seja, tratou-se de um desarquivar de um processo que já
estava há muito tempo lá. Mas de repente, da noite pro dia, num prazo
curtíssimo, essa lei – e sabemos que as leis demoram muito para tramitar
no congresso – num prazo curtíssimo essa lei foi aprovada quatro vezes
unanimemente. Então hoje, o que que nós vemos? Que no congresso, os
próprios deputados e senadores, pelo menos todos aqueles que nós tivemos
contato nesses dias, todos dizem unanimemente: “Ah, nós votamos mas não
sabíamos exatamente qual era o conteúdo daquilo que estava sendo
votado”. Então, isso é a primeira coisa, que estamos diante de uma
democracia onde se faz valer com o pretexto de contentar as mulheres, no
dia internacional da mulher, mas não se pensa no conteúdo da lei e o
que vai ser de consequência para o país.
Paulo Fernando: Levando em consideração o aspecto da democracia plena, que é a discussão das proposições, o senhor acha que a democracia foi ferida, já que não houve debate, não houve análise nem discussão desse projeto que foi colocado “goela abaixo”.
Pe. Paulo Ricardo: Sem dúvida alguma que, se o projeto tivesse sido
realmente debatido e não simplesmente aprovado como um ato político para
agradar um grupo de bancada feminista, etc, então as coisas teriam
certamente sido diferentes.
Paulo Fernando: Agora, em relação ao PLC 3/2013, de autoria da deputada Iara Bernardi (PT-SP), realmente de que trata esse projeto no seu cerne?
Pe. Paulo Ricardo: Veja, o projeto originalmente é um projeto que
visa defender pessoas vítimas de violência sexual. O problema é que a
linguagem é propositadamente imprecisa e não somente imprecisa, como
carrega no seu pojo uma série de chavões que quem conhece a agenda
daqueles que promovem o aborto, sabe perfeitamente o que é que está por
trás de cada um desses chavões.
Por exemplo, no artigo primeiro, ele fala de um atendimento que tem que ser emergencial.
Ora, o projeto original falava que a pessoa devia estar numa emergência
médica para ser atendida emergencialmente. Agora não se fala mais de
emergência médica, fala-se de atendimento emergencial. Então, é evidente
que isso pode significar para uma pessoa bem intencionada, que uma
pessoa acaba de ser estuprada e precisa de um atendimento emergencial.
Mas, para os mal-intencionados pode significar também uma pessoa que já
está grávida há meses e agora vai ter um atendimento emergencial
simplesmente porque está alegando que foi estuprada.
E por que esse nosso medo? Não é um medo delirante. Por quê? Porque
realmente já existe no Brasil uma norma técnica que data do governo
Fernando Henrique Cardoso, na época em que o ministro José Serra era o
ministro da saúde, em que essa norma técnica diz que qualquer mulher que
se apresente ao hospital alegando simplesmente que foi estuprada o
médico deve crer naquilo que ela está dizendo e, caso o médico duvide,
cabe ao médico o ônus da prova de que isso não é verdadeiro.
Então vejam só, quando a gente pega, junta, essa norma técnica com
esta lei, nós temos aqui o quê? O fogo que junta com a pólvora. As
pessoas que não estão por dentro dessa luta nossa pró-vida, acham que
não tem nada de mais que se dê o atendimento emergencial. Mas, para quem
está no pró-vida sabe muito bem o que significa. E não somente. O
artigo 1º termina dizendo que deve ser encaminhado para a assistente
social e as assistentes sociais são exatamente as agentes que têm
encaminhado inúmeras pessoas para o serviço de aborto legal.
Paulo Fernando: Dentro do sistema de saúde brasileiro ¼ dos leitos hospitalares pertencem à casa de saúde de misericórdia. Um dos aspectos desse projeto é querer obrigar os hospitais católicos a procedimentos da prática do aborto. Como é que o senhor viu isso no projeto?
Pe. Paulo Ricardo: Veja, o projeto não fala explícitamente de aborto,
mas fala que todos os hospitais que estão na rede SUS deverão dar um
atendimento integral. Agora, esse atendimento integral, embora não se
fale de aborto, significa na prática a possibilidade de aborto porque é o
que nós temos no mundo real dos hospitais brasileiros. Então, o que é
que esta lei está fazendo na prática? Está estendendo a rede de abortos
legais para toda a rede hospitalar brasileira.
Hoje, se uma pessoa está grávida e alega um estúpro, se ela for a um
dos 64 centros hospitalares que realizam o procedimento do aborto
chamado legal, indevidamente chamado legal, essa pessoa irá conseguir o
aborto. Ora, isso daí é uma realidade que só existe em 64 centros
hospitalares. Mas hoje, com essa lei, se ela for sancionada pela
presidente da república, toda a rede hospitalar brasileira, inclusive as
Santas Casas, os hospitais católicos, deverão providenciar esse
atendimento integral porque a lei contempla a palavra integral. E se é
integral tem que ser tudo aquilo que os outros fazem.
Paulo Fernando: Como é que o senhor vê a questão da objeção de consciência dos profissionais da saúde – médicos, enfermeiros, anestesistas, auxiliares?
Padre Paulo Ricardo: Veja, aqui no Brasil, infelizmente a questão da
objeção de consciência não está devidamente regulamentada. O que nós
temos de fato é o seguinte, que se contempla a possibilidade da objeção
de consciência de uma pessoa. Uma pessoa poderia, ao menos em teoria,
objetar e dizer “eu não aceito fazer aborto, portanto não farei”. Isso
em teoria, porque depois não há regulamentos que garantam o exercício
desse direito.
Mas, o problema maior é que não existe objeção de consciência para
instituições. Então, se toda rede hospitalária é obrigada, imaginemos um
pequeno hospital católico, onde só haja um médico de plantão. Aquele 1
médico deverá fazer o aborto, embora ele objete. Por quê? Porque não há
objeção da instituição. Se a instituição é obrigada e ele é o único
médico de plantão, ou ele faz ou ele será demitido. E se ele não fizer a
instituição será punida. Então, aqui cria-se uma série de dificuldades
que estão ali, dentro da própria lei.
Paulo Fernando: Já são conhecidos os chavões, a cantilena, os eufemismos utilizados pelas feministas nessas questões. Como o senhor viu a expressão “profilaxia da gravidez” que as mulheres terão direito por este projeto?
Padre Paulo Ricardo: Veja, a profilaxia da gravidez, é no mínimo um termo
infeliz. Por quê? Porque profilaxia se faz para evitar uma doença.
Gravidez não é doença. Uma criança não é uma doença. Então, já é algo
moralmente inadequado usar esse termo.
Em segundo lugar, as pessoas tem que entender que o ser humano existe
desde o momento da concepção. Os papas têm dito com toda clareza que
temos que lutar pela defesa da vida desde a concepção até a sua morte
natural. A concepção é o momento em que inicia a vida humana, portanto,
se uma mulher estuprada concebe, ela tem um filho desde o momento em que
o espermatozoide se uniu com o óvulo. E se eu der o medicamento para
que aquele embrião, ao descer da tuba uterina não tenha a possibilidade
de nidação, ou seja, de se fixar no útero da mulher, eu estou matando a
criança. Então, profilaxia da gravidez é sim uma possibilidade de
aborto. Porque você está dando um remédio, você não sabe se houve a
concepção, você está dando um remédio para impedir que o embrião se fixe
no útero da mãe. E isso é sim tirar uma vida humana.
Paulo Fernando: Nessa segunda feira, 16, na praça dos três poderes, tivemos uma linda manifestação da juventude católica de Brasília, acompanhado de alguns evangélicos. E nós estivemos em audiência junto ao Sr. Ministro Gilberto Carvalho, secretário geral da presidência da república. Que reivindicações e que argumentos o senhor utilizou junto ao senhor ministro?
Padre Paulo Ricardo: Eu apresentei para o ministro Gilberto Carvalho o
fato concreto de que nós já temos uma norma técnica muito infeliz no
país, que possibilita com muita facilidade que qualquer mulher que
alegue ter sido vítima de estupro e estar grávida, pode então praticar o
aborto. E que isso só existe na prática em 64 centros hospitalares.
O nosso pedido ao ministro Gilberto Carvalho é que ele considere que
essa lei está estendendo esse serviço hediondo a toda rede hospitalar e
que, portanto, isso irá sim desgastar a presidenta da república porque
ela prometeu que não iria realizar nenhum ato na direção da promoção do
aborto no nosso país.
Portanto, embora o entendimento de algumas instituições católicas,
evangélicas, espíritas seja de que a lei não é tão ruim assim e estão
defendendo um veto parcial, na prática, quem vive no dia a dia, na luta
pró-vida, vai encontar nos hospitais as consequências dessa lei nefasta e
portanto isso será sim, na prática, para todo esse grupo de pessoas que
militam na defesa da vida, no dia a dia, no corpo a corpo, nos
hospitais, essas pessoas vão sim ver essa lei com olhos muito críticos e
muito severos com relação à presidenta da república. E portanto, é
importante compreender isto: quando algumas autoridades da Igreja
católica ou de outras igrejas se manifestam pelo veto parcial, nós temos
um profundo respeito pela posição dessas pessoas porque eles estão
fazendo uma análise jurídica da materialidade da lei, mas o que está
faltando para estas pessoas, que nós respeitamos, é a análise da
materialidade da lei junto com a realidade da luta pró-vida por causa
dessa norma técnica.
Nós poderíamos dizer assim, para que você entenda o que estou
querendo explicar. Essa lei é como se fosse o fogo, a norma técnica é
como se fosse a pólvora. Ou seja, o fogo em si é uma coisa boa. Com o
fogo eu posso cozinhar feijão, arroz, fazer tanta coisa gostosa e boa.
Mas, se você juntar com a pólvora vai dar desastre.
Essa lei, que quer defender pessoas violentadas, vítimas de abusos
sexuais, essa lei, talvez em algum outro lugar, na Birmânia, na Escócia,
em Bangladesh, ela seja inócua, seja uma lei maravilhosa, mas aqui no
Brasil, com aquela norma técnica ela será certamente uma lei que irá
estender o morticínio do chamado “aborto legal” para toda a rede
hospitalar.
Paulo Fernando: Em várias discussões com os parlamentares da bancada religiosa foi colocado a questão da distribuição da pílula do dia seguinte. O senhor acha que com a sanção desse projeto, a distribuição da pílula do dia seguinte vai ser uma coisa corriqueira?
Padre Paulo Ricardo: Infelizmente, a pílula do dia seguinte já se
tornou uma realidade corriqueira no nosso país. Só que com esse projeto
ela não será somente uma coisa corriqueira, ela será algo obrigatório
nos hospitais católicos. Se não for vetado nenhuma parte desse projeto,
dessa lei, isso será uma realidade. Os hospitais católicos serão
obrigados a fornecer a pílula do dia seguinte porque faz parte do
atendimento integral que é defendido por esta lei.
Paulo Fernando: Lembrando que na hipótese do veto parcial ou total a discussão da matéria não se encerra, já que neste caso a matéria retorna para o Congresso Nacional para que seja apreciado o veto, ou seja, mantido ou derrubado, que passos então, a comunidade católica, o movimento pró-vida deve fazer em relação a isso, se a matéria voltar para o Congresso Nacional?
Padre Paulo Ricardo: Bom, se a matéria voltar para o Congresso
Nacional nós precisamos concretamente ser uma presença lá, estando
atentos a tudo aquilo que está tramitando no nosso congresso.
Infelizmente a presença nossa, de pró-vidas no Congresso existe, mas, de
forma geral, os que estão militando no Pró-vida estão quase que sendo
levados por uma enxurrada de projetos malucos de todo tipo de coisa, do
qual nós temos que continuamente nos defender.
É importante o católico se dar conta de que a militância política faz
parte de uma missão real e concreta do leigo e que nós não podemos
lavar as mãos. É que alguns católicos confundem as normas jurídicas da
Igreja com relação aos padres e aplicam a si mesmos. Um padre não pode
fazer política partidária. Não pode ser candidato, não pode entrar no
campo político partidário, então, se um padre não pode, muitos leigos
dizem “Ah, então deve haver algo de muito ruim nisso, então eu não vou
me candidatar”. Bom, o que eu sempre digo para os leigos é isso “Olha,
você deixa de ser padreco porque isso é uma lei para os padres. Não é
pra você”. Você que é leigo tem o dever. Esse é o seu sacerdócio. Você
tem o dever de se engajar politicamente. Ou se candidatando ou
defendendo e fazendo propaganda para candidatos. O católico ainda se
sente extremamente incomodado de fazer propaganda política, como se
aquilo fosse um crime. Não! Nós precisamos levar os nossos candidatos de
casa em casa, no sentido de levar o seu nome pra pessoas e dizer “esse é
o nosso candidato”, “vote”, “é um homem bom”, “é uma mulher boa”. Não
é? Fazer essa propaganda. O católico tem que parar de ter esse medo de
se envolver em política
Nenhum comentário:
Postar um comentário