[estadao]
05/07/2013
Por JOSÉ MARIA MAYRINK E LUCIANO BOTTINI FILHO - Agência Estado
O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Felix
Fischer, homologou sentença do Tribunal de Assinatura Apostólica, do
Vaticano, sobre declaração de nulidade de matrimônio de um casal
brasileiro, com base no Acordo Brasil-Santa Sé, relativo ao Estatuto
Jurídico na Igreja Católica no País, promulgado em 2010.
"É a primeira vez que isso ocorre e a grande novidade é que, como o
casamento foi considerado nulo pela Igreja, marido e mulher passaram a
ser solteiros, e não divorciados, como seria se tivessem conseguido a
anulação pela lei civil", disse o canonista Edson Luiz Sampel, doutor em
direito canônico e ex-juiz do Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de
São Paulo.
Como o processo correu sob sigilo judicial, o STJ não revelou a
identidade das partes. Afirmou que o marido acusou a mulher de
pedofilia, ao pedir a declaração de nulidade no Tribunal Eclesiástico
Interdiocesano de Vitória, cuja sentença foi confirmada em segunda
instância pelo Tribunal da Arquidiocese de Aparecida (SP).
Ao homologar a decisão do órgão superior da Santa Sé, que é considerada
sentença estrangeira e tem valor legal no país, Fischer afirmou que o
pedido não ofende a soberania nacional, a ordem pública e os bons
costumes. De acordo com o artigo 12 do Acordo Brasil-Santa Sé, o
casamento celebrado em conformidade com a lei canônica atende às
exigências do Direito brasileiro e produzirá efeitos civis.
O Código de Direito Canônico, promulgado em 1983, exige que, para ser
válida e permitir novo casamento, a declaração de nulidade deve ser dada
por, pelo menos, dois tribunais. O primeiro tribunal que aprovar a
declaração de nulidade é obrigado a encaminhar o processo a um segundo
tribunal no prazo de 20 dias. Cabe ao Vaticano confirmar a sentença.
Nulidade
A Igreja não anula o casamento, para ela indissolúvel, mas reconhece a
nulidade de um matrimônio que nunca existiu. As causas são muitas e
quase nunca se alega apenas uma no processo. Uma hipótese comum nos
tribunais eclesiásticos, diz Sampel, é "a exclusão do bem da fidelidade,
quando um dos nubentes foi sempre infiel, tendo tido outros parceiros
sexuais desde o namoro".
Algumas causas de nulidade podem ser exclusivamente canônicas, mas
outras são relevantes também para o Direito Civil. Um exemplo, segundo o
canonista, é a coação irresistível, como uma ameaça de morte, que torna
o casamento nulo tanto pelo Direito Civil como pelo Eclesiástico. Outro
exemplo seria no caso de o noivo não ter a idade mínima de 16 anos.
"Resta saber se a Justiça brasileira homologará somente as sentenças em
que a nulidade provier de causas concomitantemente relevantes para o
Direito Civil e para o Direito Canônico ou de causas de nulidade
exclusivamente canônicas", diz Sampel. Conforme ele, a tendência será o
STJ homologar todas as decisões do Vaticano, contanto que não firam a
soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Esta é também a
opinião do advogado Hugo Sarubbi Cysneiros, de Brasília, que já atuou em
mais de 30 processos de homologação de sentença estrangeira.
Na análise de Cysneiros, o STJ dá a aprovação sem entrar no mérito da
separação e sem examinar casos como direito de pensão para o ex-cônjuge
ou de visita para os filhos. É o que ocorre na homologação de sentenças
de outros países, quando um casal que se uniu no Brasil se divorcia no
exterior e, em seguida, pede a averbação na justiça brasileira.
Demanda
A homologação da declaração de nulidade pelo STJ deverá valer tanto
para o casamento realizado no cartório e em igreja como para o religioso
celebrado no templo com efeito civil. Sampel prevê que, após a decisão
de Fischer, haverá na Justiça civil um grande afluxo de pedidos de
homologação para declarações de nulidade proferidas pela Igreja.
"O atrativo será o retorno ao estado de solteiro, só possível pelo
processo canônico", diz Sampel. Na previsão do canonista, "interessará a
bastante gente voltar ao status de solteiro, embora tenham passado os
tempos tão preconceituosos em que ser divorciado ou divorciada era uma
nódoa pesadíssima imposta pela sociedade".

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