Olhar a história através dos olhos da fé é realmente algo único
Roma,
(Zenit.org)
Por Carmine Tabarro
Quando há dois anos foi convocada a Jornada (Semana) Mundial
da Juventude por Bento XVI, somente o Espírito Santo poderia ter
imaginado que isso coincidiria com o primeiro vôo intercontinental de um
Papa latino-americano em seu continente de origem, que este novo Papa
seria o primeiro Papa jesuíta da História, e que pela primeira vez na
História da Igreja um Papa seria chamado pelo nome de Francisco (um
“santo que incomoda”).
Da mesma forma, totalmente inesperado, embora o local fosse o
coração (numericamente falando) do mundo católico, foi o fato deste
Papa, que veio "do fim do mundo", ter atraído mais de 3 milhões de
jovens de 178 países, ter visitado uma favela, ser aquele que se deixa
abraçar pelo povo, que demonstra ternura pelos ex-viciados em drogas,
que contou com a presença de 1.500 bispos e 60 cardeais, etc.
Dessas maravilhas o Senhor fez-nos testemunhas e espectadores, graças aos antigos e novos meios de comunicação.
Entre os muitos encontros maravilhosos, um que recebeu pouca atenção
da mídia foi o encontro com os Bispos responsáveis pelo Conselho
Episcopal Latino-Americano (CELAM), por ocasião da reunião geral de
coordenação, realizada no Centro de Estudo do Sumaré, no Rio de Janeiro
em 28 de julho de 2013, que eu pude acompanhar ao vivo, graças aos novos
meios de comunicação.
A reunião contou com a presença de 45 bispos da Comissão de
Coordenação do CELAM, mas o assunto tratado diz respeito à Igreja
universal.
Antes de falar sobre o discurso do Papa (que na minha opinião contêm
as prioridades do Papa Francisco seja para assegurar a renovação da
Igreja, seja para melhorar o diálogo com o mundo – sendo assim, é uma
"encíclica"), eu gostaria de destacar apenas um aspecto pouco comentado
nos dias sucessivos.
Papa Francesco quer uma Igreja sinodal.
Nós tivemos evidências a esse respeito quando da sua saudação após a
eleição, e quando chegou ao Brasil em 22 de julho, acenando para os
bispos das "Igrejas particulares", como bispo de Roma, enviado às
dioceses de outros bispos, e não como chefe da Igreja universal.
Da mesma forma, quando, no sábado 27 e domingo 28 de julho ao
dirigir-se aos seus "irmãos" Bispos do Brasil, ele não o fez de maneira ex cathedra,
mas de modo sinodal, com um convite ao diálogo, lançando uma série de
questões e propostas e, ouvindo os testemunhos dos bispos seus "irmãos".
Esta "forma" de Igreja o Papa Francisco retoma do Concílio Vaticano II, da Lumen Gentium, onde o Papa é o primeiro (primus), entre outros (inter pares).
Nesta visão, o Papa tem o primeiro lugar em um colegiado de bispos,
de quem se espera a responsabilidade conjunta na tarefa do governo da
Igreja. Ele não decide sozinho de maneira arbitrária ou monárquica.
Esta descoberta é a chave fundamental da eclesiologia do Papa Francisco.
O discursos do Papa coloca no centro a conferência de Aparecida
(2007), após fazer memória de Medellín, Puebla e Santo Domingo. Ele
lembrou a forma original com a qual a América Latina encarnou o Concílio
Vaticano II.
Dito em estilo sinodal e retomando a metodologia do Concílio,
reiterado na V Conferência de Aparecida, Para Francisco falou do "ver",
"julgar", "agir” (Gaudium et Spes, n. 19). Para o Papa Francesco "ver",
no entanto, "nunca é algo estéril, mas é influenciado pelo olhar”.
A questão era, então, a mesma que se faz hoje: "Com que olhar veremos
a realidade? Aparecida nos respondeu: “com o olhar de discípulo."
O Papa ao falar sobre a missão continental, que foi o grande
compromisso que a Igreja da América Latina e do Caribe assumiu em 2007,
retorna à importância da mudança de estruturas "uma mudança de
estruturas (de caduca à nova) que não é fruto de um estudo sobre "a
organização do sistema funcional eclesiástico”.
O que faz cair por terra as estruturas caducas, o que leva o corações dos cristãos à mudança, é precisamente a misionariedade"
A missão continental, tanto programática quanto paradigmática, requer
a consciência de uma Igreja que se organiza para atender a todos os
batizados e os homens de boa vontade, começando pelos mais pobres ("Ah,
como eu queria uma Igreja pobre para os pobres").
Este (o segundo ponto tocado), é o que o Papa pede à Igreja: para
converter em ação missionária as atividades habituais das igrejas e pede
que cada "reforma das estruturas eclesiais não seja o resultado de um
estudo sobre "organismos eclesiais, mas seja conseqüência da dinâmica da
missão".
Por esta razão o Papa interroga aos seus irmãos, sublinhando
novamente o seu papel como bispo, e pede que eles se perguntem: "Nos
organizamos de um jeito que o nosso trabalho e dos nossos sacerdotes
seja mais pastoral que administrativo? Quem é mais beneficiado pelo
trabalho da Igreja, a Igreja como organização ou o povo de Deus em sua
totalidade?
E ainda: "Participamos da missão dos fiéis leigos? É um critério
habitual o discernimento pastoral, servindo-se dos Conselhos Diocesanos?
Tais conselhos, e aqueles dos assuntos pastorais e econômicos das
paróquias são espaços reais para a participação dos leigos na consulta,
no planejamento e na organização pastoral? ".
Nessa ótica de renovação da Igreja, o Papa faz perguntas precisas
sobre os leigos e como eles são valorizados: "Na prática, fazemos
participar da missão os fiéis leigos?" Nós, como bispos e padres damos
aos leigos “a liberdade para que sigam discernindo, conforme o caminho
próprio de discipulado, a missão que o Senhor confia a eles? Os
acompanhamos e apoiamos, superando qualquer tentação de manipulação
indevida ou submissão? ".
Ele faz isso colocando o dedo na ferida do que ainda está atrasando a
implementação, a plena participação dos leigos nos conselhos pastorais
diocesanos, sobre uma certa tendência clerical que levou tantos a
privilegiarem os dogmas e as diretrizes em vez da proximidade com as
pessoas e a compreensão dos trabalhos.
O que o Papa Francisco faz é uma lista com itens sobre os quais
trabalhar para que a Igreja possa dar resposta "às questões existenciais
de hoje, especialmente à geração mais jovem, prestando atenção à sua
linguagem", para que não ceda à tentação.
São palavras que captam a realidade da Igreja em diversos países do mundo, até mesmo no velho continente.
O próximo tema tocado pelo Papa diz respeito ao relacionamento com o
mundo, e Francisco cita o Concílio Vaticano II (cf. n.1) para explicar
que o fundamento do diálogo com a sociedade contemporânea: "As alegrias e
as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo,
sobretudo dos pobres e daqueles que sofrem são, por sua vez, as alegrias
e esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo".
É preciso prestar atenção – explica o Papa – às novas linguagens, aos
“cenários e areópagos mais variados". "Se nós permanecermos dentro dos
parâmetros da ‘cultura de sempre’, o resultado será a anulação da força
do Espírito Santo. Deus está em todas as partes: é preciso saber
descobri-Lo para poder anuncia-Lo no idioma de cada cultura. Cada
realidade, cada língua tem um ritmo diverso”.
Aqui, também, Papa Francisco chama os homens e as mulheres da Igreja a
não serem auto-referência, mas a refletirem sobre essas palavras.
Outro ponto tocado por Bergoglio, de importância crucial para toda a
Igreja diz respeito a algumas "tentações" que cercam os missionários.
A primeira é a "ideologização da mensagem do Evangelho", que se
apresenta de quatro modos diferentes. O "reducionismo socializante”, uma
"pretensão interpretativa" com base nas ciências sociais, que abarca os
campos mais diversos: "do liberalismo de mercado às categorizações
marxistas."
A ideologização "psicológica", uma tentação da elite, baseada
principalmente na espiritualidade e nos retiros espirituais, que "gera
uma atitude imanente e de auto-referencial."
Depois, há a “proposta agnóstica”: grupos ou elites com “uma proposta
de espiritualidade superior, desencarnada da História. Normalmente são
chamados de "católicos esclarecidos". Por fim, existe a “proposta
pelagiana” que aparece disfarçada como "restauração."
Diante dos desafios difíceis e dolorosas que a Igreja é chamada a
viver no seu interior, “se procura uma solução apenas disciplinar, na
restauração das condutas e formas superadas, que nem mesmo
culturalmente, têm ainda capacidade de serem significativas."
Na América Latina, "se verifica em pequenos grupos, em algumas novas
congregações religiosas, a tendências à segurança doutrinária ou
disciplinar."
Papa Francisco propõe, sem hesitar em usar a palavra "sedução" ou a
"astúcia do Evangelho”, uma Igreja mais "pastoral", que saiba acolher
antes de julgar, uma Igreja de misericórdia e não de julgamento ou
regras.
Com estas palavras, mostra a visão inaciana, que consiste em caminhar
ao lado das pessoas a partir da situação em que elas vivem, e não a
partir de uma moral estabelecida a priori. (Papa Francisco e "a
revolução de ternura").
Outras duas tentações sublinhadas pelo Papa Francesco (que dizem
respeito a toda a Igreja) são representadas pelo "funcionalismo", isto
é, de uma concepção que “que não tolera o mistério" e se "guia pela
eficácia”. "Ele reduz a realidade da Igreja a de uma ONG. O que vale
são os resultados verificáveis e as estatísticas.
Daqui se parte para todas as modalidades empreendedoras e de negócios da Igreja".
Para o Papa Francisco, muitos dos fiéis deixaram a Igreja porque ela
não foi capaz de alcança-los onde eles estavam. "Lhes pareceu muito alta
a medida da Grande Igreja", e é em parte por isso que eles foram
seduzidos pelos movimentos pentecostais...
A última tentação – essa também não confinada somente aos parâmetros
da América Latina – é o "clericalismo". Trata-se, diz o Papa, "de uma
cumplicidade pecaminosa: o pároco clericaliza-se e o leigo deixa-se
clericalizar.
O fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a falta de
maturidade e liberdade cristã em grande parte do laicato
latino-americano".
"O leigo ou não cresce (a maioria), ou se encolhe sob máscaras de
ideologizações como aquelas já apontadas, ou em participação parcial ou
limitada. Existe em nossa terra uma forma de liberdade dos leigos
através da experiência de povo: o católico como povo."
O Papa pede o empenho no hoje tendo o passado como memória e o futuro
como uma promessa, mas sabendo que o convite para o discípulo é o
compromisso na realidade cotidiana.
A partir das periferias: "O discípulo vive em tensão em direção às
periferias... incluídas as de eternidade no encontro com Jesus Cristo. No
anúncio do Evangelho, falar de "periferias existenciais" descentraliza e
geralmente temos medo de sairmos do centro. O discípulo missionário é
um "descentralizado": o centro é Jesus Cristo, que chama e envia. O
discípulo é enviado às periferias existenciais"...
"O discípulo de Cristo não é uma pessoa isolada em uma
espiritualidade intimista, mas uma pessoa em comunidade que se doa aos
outros."
Francisco explica sobre a autonomia dos leigos: "Aqui se vê uma maior
autonomia, geralmente saudável, que se exprime fundamentalmente na
piedade popular. O capítulo de Aparecida sobre a piedade popular
descreve esta dimensão em profundidade. A proposta de grupos de estudo
bíblico, das comunidades eclesiais de base e dos Conselhos Pastorais
seguem a linha da superação do clericalismo e de um crescimento da
responsabilidade dos leigos".O Papa depois de ter alertado sobre a "projeção utópica" com relação
ao futuro e a projeção "restauracionista" sobre o passado, explicou que
"Deus é real e se manifesta no hoje." A Igreja, quando se “posiciona no
centro se torna funcional e se transforma em uma ONG", e ao pretender
assim, ter luz própria, torna-se mais auto-referencial e "se enfraquece
na sua necessidade de ser missionária." Acaba por tornar-se
"administradora”, de serva torna-se "controladora". Existem, acrescenta
Francisco, pastorais "distantes", pastorais disciplinantes que
privilegiam os “princípios, as condutas, os processos organizacionais...
obviamente sem proximidade, sem ternura, sem afeto. Ignora-se a
teologia da ternura, a "revolução da ternura" que gerou a encarnação do
Verbo. Para o Papa uma via para a construção de pontes, para ir ao
encontro do outro, são as homilias. "Nos aproximemos do exemplo de Nosso
Senhor, que falava como quem tem autoridade, ou o que falamos são meros
preceitos, distantes e abstratos? ".
O Papa concluiu seu discurso aos núncios em junho passado, reiterando
que os bispos devem "ser pastores próximos do povo", pacientes e
misericordiosos. Eles devem amar a pobreza, também aquela exterior, com
"simplicidade e austeridade da vida", sem ter a "mentalidade de
príncipes" e sem ambição.
Traduzido do original italiano por Elena Arreguy Sala
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