IHU - Na tarde de ontem, 22-08-2013, faleceu, em Fortaleza, CE, Armando Marocco, padre jesuíta, aos 91 anos de idade.
Armando Marocco, doutor em Psicologia de Orientação Vocacional pela Universidade de Montreal, Canadá, trabalhou de 1956 a 1971 no Colégio Anchieta, Porto Alegre.
Por mais de duas décadas foi professor na Unisinos.
Padre Marocco, de 1967 a 1971, foi um dos fundadores e primeiro presidente da antiga Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor (FEBEM), a atual Fundação de Atendimento Socioeducativo (FASE).
Segundo ele mesmo narrava, na presidência da FEBEM, não fez "um
trabalho meramente administrativo, mas manteve um contato pessoal com os
adolescentes e jovens (geralmente pobres, drogados), visitava-os para
conhecer sua realidade e atendê-los na medida do possível. A preocupação
primeira era humanizar o ambiente; em vez de guardas da Brigada
Militar, criou monitores sem armas. Sua estratégia era incutir valores,
um novo jeito de viver que dispensa o uso de drogas. Como resultado da
gestão na FEBEM, não houve motins”.
Na semana passada, no dia 15 de agosto, celebrou os 60 anos de ordenação presbiteral.
Ele faleceu em Fortaleza onde prestava um serviço de orientação vocacional.
“Verificação de propriedades psicométricas do Inventário de Cristalização das Preferências Profissionais” é um dos trabalhos acadêmicos, publicado pela Revista Brasileira de Orientação Profissional, que pode ser consultado clicando aqui.
O corpo será sepultado em São Leopoldo em dia e horário a ser oportunamente informado.
Na edição no. 158, da revista IHU On-Line, de 03-10-2005, Padre Marocco concedeu uma entrevista narrando algo da sua trajetória de vida.
Eis o relato.
“Sou alguém preocupado com a consciência de meus atos, de minhas
palavras, com o que faço e com o que prego, sem me preocupar com
prescrições e normas externas”. Para alguns, irreverente, para outros,
coerente. Independentemente de adjetivos, temos aqui alguém comprometido
e empenhado em conhecer a pessoa humana. Sua preocupação primeira
sempre foi priorizar os valores e entender o motivo pelo qual a
sociedade está produzindo, em número significativo, contravalores. Sua
trajetória é permeada por trabalhos sociais que se preocupam em resgatar
a dignidade de pessoas à margem de qualquer possibilidade positiva. Seu
objetivo é promover uma consciência da libertação das dependências,
inclusive químicas, construindo um ser humano mais autônomo, maduro e
com sua identidade preservada. Este é o padre Armando Marocco, até 2004 coordenador do Núcleo de Orientação Vocacional, na Unisinos.
Ele relata, a seguir, parte de sua trajetória ao longo de seus 83 anos de vida.
Origens – Nasci em Guaíba, em 1922. Meu pai, Luiz e
minha mãe, Antônia, vieram da Itália como imigrantes e receberam terras,
tinham uma granja de arroz lá. Sou o sétimo filho e quando nasci, meu
pai, preocupado com a educação de todos nós, mudou-se para Porto Alegre.
Moramos no bairro Teresópolis. Cursei o ginásio no Colégio Anchieta e
depois fiz um ano de pré-universitário em Direito. Já estava decidido a
entrar na ordem dos jesuítas. Anteriormente, nunca quis ser padre.
Quando era criança ou adolescente nunca havia pensado nessa
possibilidade. Quando comuniquei à família que seria padre meu pai
sentiu muito. Ele estava feliz porque eu iria cursar Medicina. Nenhum
dos meus irmãos cursou o ensino superior. Terminaram o primeiro grau –
alguns, o segundo – e seguiram plantando arroz. Papai disse que se eles
não quisessem estudar teriam de trabalhar. E eles abaixaram a cabeça e
foram. Depois, meu pai e minha mãe foram compreendendo, e quando me
ordenei padre, na Bélgica, em 1953, eles foram e ficaram muito honrados e
satisfeitos.
Lembrança da infância – Lembro-me que quando
morávamos na Avenida Teresópolis, 383, eu era um guri de seis ou sete
anos que gostava muito de música. Dona Glorinha tocava órgão na igreja e
eu fazia parte de um coral de meninos. Um dia me senti tão feliz que
cheguei para ela, timidamente, e perguntei se gostaria de me ensinar a
tocar piano. Aquele foi um momento de reestruturação da minha vida.
Aprendi música e isso movimentou meus sentimentos. Hoje toco no piano
peças de Beethoven, Chopin, Schumann, Tchaikovsky. Se hoje, depois de
mais de 70 anos, for para o piano, tocarei a mesma coisa. Preciso
treinar um pouquinho, mas toco.
Vocação – Queria ser médico, porém, sempre me
dediquei a causas sociais. Na escola, sempre organizava jogos, passeios e
excursões e isso me envolveu com a juventude. Sabia que poderia fazer
mais. Quando tinha uns 17 anos, fui assistir a um filme sobre a vida de
Dom Bosco e fiquei empolgado com a obra que ele fez com menores de rua,
abandonados e pobres. Decidi que era isso o que queria fazer e pensei:
será que vou ter de ser padre como Dom Bosco? Jamais! Trabalhei essa
idéia por algum tempo. Tinha uma namorada, queria me formar em Medicina,
mas a idéia de trabalhar com essa juventude perdida me dominou.
Lembro-me do dia em que tomei essa decisão. Estava em cima do viaduto da
Rua Duque com a Borges de Medeiros, e aquela idéia não saia de minha
cabeça, tinha de dar um jeito de desenvolver projetos sociais. Dei-me
conta de que teria de seguir o sacerdócio. “Paciência! Vou ser padre!”
Embora minha vocação tenha sido fortemente marcada por motivações
sociais, e não sobrenaturais, já tenho 64 anos de vida religiosa e estou
muito feliz.
Trajetória – Durante minha vida nunca deixei meu
propósito de lado. Fui diretor da Fundação do Bem Estar do Menor, antiga
Febem, hoje Fase, durante o final da década de 1960 e início de 1970.
Neste período não houve nenhuma rebelião, nenhum ato de delinqüência,
não queimaram nenhum colchão. Não ficava no gabinete isolado e protegido
por seguranças para não ser agredido. Passava horas, durante a noite,
conversando com eles, porque esta é a minha vocação. Hoje, trabalho com
jovens – os piores, rejeitados pela sociedade, delinqüentes e drogados –
e com um grupo de gays. Eles têm muito a ensinar. Estou aprendendo a
ser mais humano e menos materialista, mais dedicado e menos interessado
em minha honra e em meu poder. É comum que as pessoas pensem: “Diga-me
com quem andas e te direi quem és”. Não dou importância a isso, digam o
que quiserem. Não me denomino uma pessoa que trabalha com dependentes
químicos. Trabalho com a pessoa em geral, com a qual a dependência das
drogas existe. Estamos trabalhando na consciência da libertação das
dependências, no sentido de ser um ser humano mais autônomo. Também
trabalho em escolas com orientação profissional, empregando um método
que descobri no Canadá quando fiz mestrado em Psicologia, entre 1975 e
1977, com dissertação sobre os valores educacionais e de trabalho, e o
doutorado (Ph.D) em 1991, com tese sobre os interesses profissionais.
Trouxe para o Brasil um método de orientação vocacional com caráter
educativo. É um instrumento para desenvolver com maior clareza, com
maior certeza o auto-conceito profissional.
Música – Toda a minha vida se estruturou num clima
de arte musical. Quando trabalhei como estudante jesuíta, em
Florianópolis, a primeira coisa que fiz foi montar um coral de alunos.
Era um coral a quatro vozes. Também criei uma pequena orquestra. Eu
tocava piano e tinha violino, violoncelo, contrabaixo, acordeon, flauta,
bateria, clarinete. Tocávamos nas festas do colégio. Depois disso,
deveria fazer meus estudos de Teologia, e nosso padre provincial me
disse que eu faria Teologia na Bélgica. Perguntei o motivo e ele disse
que era para eu estudar Música. Aperfeiçoei-me em direção coral em
Regensburg, com os mestres dos Regensburger Domspatzen (pequenos
cantores de Regensburg) – em minha opinião, os melhores. Lá, participei
de apresentações e fiz estágios. Quando vim da Europa, em 1955, comecei
como professor no Anchieta, e lá fundei um coral clássico. Cantávamos na
Catedral, em diversas igrejas e em casamentos.
Horas livres – Se eu tivesse aqui um bom piano
tocaria todos os dias. Toco órgão, mas nas horas de lazer, saio com meus
jovens para nos sentarmos em um barzinho e tomarmos uma cerveja bem
gelada, esquecendo-nos do tempo e das horas e rememorando alegrias...
Filme – Ao mestre com carinho, dirigido por James Clavell.
Autor e livro – Identidade, juventude e crise, de Erik Erikson.
Trabalhei muito com esse autor e seus estudos sobre o desenvolvimento
humano, que me ajudaram a criar uma base científica para a psicologia do
desenvolvimento humano.
Metas – Quero ver montada uma organização
não-governamental especializada em orientação de escolha de uma carreira
para a vida como realização de uma personalidade. As escolas e
universidades estão preocupadíssimas em ter os alunos bem aprovados nos
exames que o MEC faz. Isso é uma inversão de valores. A escola ou a
universidade tem de ser reconhecida pelo que desenvolve na pessoa do
aluno através dos conhecimentos científicos. Não estou indo contra os
conhecimentos científicos, mas, em primeiro lugar, a direção de uma
escola ou universidade deveria investir na pessoa dos seus alunos, em
sua dignidade, independentemente de qualquer objetivo financeiro.
Unisinos – Temos de oferecer coisas bonitas, claro. O
pessoal aqui adora este campus porque tem um lago, tem verdura, tem
patos, gansos, bancos para se sentar. Toda a atração externa é muito
bacana, mas ainda não é o essencial de uma instituição educacional, que
deve se dedicar prioritariamente ao desenvolvimento da pessoa humana. Em
todas as aulas e matérias, todos os professores, tudo o que é ensinado
aqui deveria ser transmitido de modo a desenvolver a auto-estima nos
alunos e não o sentimento de rebaixamento diante da sabedoria do
professor. Desenvolver a auto-realização, e não a realização do
professor; desenvolver um clima afetivo de diálogo e não de imposições
de cima para baixo; desenvolver a coragem nos alunos para que sintam
vontade de crescer e não ter medo de enfrentar dificuldades. Digo isto
como admirador das parábolas do Evangelho. A parábola do filho pródigo é
um monumento de humanismo. Da mulher adúltera. Da ovelha perdida. Do
festim de banquetes, que Ele sempre ensinava com uma parábola.
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