IHU - O jesuíta José Aldunate, professor de Moral, de Santiago do Chile, escreve sobre as diferenças visíveis no estilo de João XXIII e João Paulo II, ambos prestes a serem canonizados pela Igreja. De forma ponderada e crítica, Aldunate vai elucidando as questões que estão por trás das críticas recentes ao processo de canonização de João Paulo II. O artigo é publicado no sítio Reflexión e Liberación, 06-08-2013. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Anuncia-se a próxima canonização de dois papas, João XXIII e João Paulo II. Os dois milagres exigidos para a canonização de João Paulo II foram aprovados. Este anúncio é uma boa notícia, contudo, provocou críticas que é bom elucidar.
Por enquanto, chama a atenção certos contrastes entre as figuras dos dois papas. João XXIII iniciou o Concílio Vaticano II. Este foi a sua grande obra. João Paulo II, ao contrário, participou como bispo no Concílio e permaneceu mais na linha da minoria conciliar e como Papa, embora sempre tenha se referido ao Concílio Vaticano II, advogou por uma interpretação mais tradicional dele.
O papa João queria um Concílio que levasse a Igreja até os pobres. Os teólogos latino-americanos derivaram do Concílio a conclusão de uma Teologia da Libertação, mas o papa João Paulo
desconfiou desta teologia, acusou-a de ser influenciada pelo marxismo
e, de fato, combateu-a. Esta atitude papal teve efeitos decisivos em
toda a América Latina.
A índole dos dois papas era muito diferente. O papa João era a simplicidade perfeita, João Paulo, como embaixador da Igreja
em todo o mundo, revestia-se de solenidade e luzes, tinha a ver com os
grandes da terra. No conflito da guerra fria, assumiu notoriamente uma
posição e celebrou o triunfo quando a muralha do império soviético caiu.
Este contraste entre os dois pontífices, que serão canonizados, poderia demonstrar a amplitude da Igreja
que abraça diferentes posições políticas, sociais e até teológicas. No
entanto, foi criticado como sinal de ambiguidade ou de oportunidade e
cálculo. Com a canonização de João Paulo, viu-se um giro da Igreja para a direita, para os lefebvristas, para o Opus Dei e os Legionários de Cristo e até para uma direita política no âmbito mundial.
Estas críticas tendem a mexer com a pessoa do novo papa Francisco. É ele que, em última instância, irá realizar a canonização dos dois papas, mas, neste caso, a crítica se esquece de que a Igreja
é um grande corpo que tem uma dinâmica que não pode ser interrompida
abruptamente. É um grande navio que não muda de curso facilmente, nem
repentinamente. A canonização de ambos já estava praticamente
determinada. As vinculações com as respectivas instituições já haviam
sido assumidas. A invasão do povo polaco a Roma já estava planejada. A
canonização estava praticamente assegurada, e o novo papa não poderia
entrar em sua missão pisoteando tudo o que foi feito. Não é o estilo do
novo papa Francisco.
Entretanto, os questionamentos vão mais a fundo e conta com dificuldade para admitir a santidade de João Paulo II, que a Igreja propõe proclamar solenemente. Criticam as reticências, para dizer assim, de João Paulo diante do próprio Concílio Vaticano II, um concílio da Igreja
universal. Criticam a inflexibilidade doutrinária e as duras sanções
com as quais manteve posições teológicas e de valores. Isto em
combinação, muitas vezes, com o cardeal Ratzinger, da Doutrina da Fé. Aqui, está incluída a sua luta contra a Teologia da Libertação. Criticam a confiança dada ao cardeal Angelo Sodano, que o levou a apoiar e proteger Marcial Maciel
quando já eram conhecidos seus abusos de pedofilia. Há, finalmente,
aqueles que criticam a oportunidade de suas opções políticas e o estilo
de suas viagens e visitas.
Frente a estes questionamentos, recordemos que o tema para uma
canonização é a santidade. Perfeitamente, a santidade pode ser
conciliada com os erros e limitações pessoais. Algumas vezes, a partir
da esquerda, são criticadas posições de direita que, perfeitamente,
podem ser conciliadas com a santidade.
Em segundo lugar, saibamos que a Sagrada Congregação
para os Santos faz um sério questionamento sobre a santidade daqueles
que são candidatos. O assunto é sério e é feita uma avaliação em forma
com seu “advogado do diabo”. Deveria constituir um precedente favorável.
O papa Wojtyla tinha uma natureza forte. A graça constrói sobre a
natureza. A santidade está no amor, na entrega de uma vida pelo reinado
de Deus na humanidade. A Igreja saberá avaliar de tudo isto o melhor.
Outro aspecto que a Igreja deve avaliar, antes de canonizar um servo de Deus,
é a oportunidade de declará-lo santo, de inclui-lo na lista de seus
santos. Não basta que o indivíduo seja santo, é necessário que sua
canonização seja realmente para o bem de toda a Igreja. Aqui, poderia se questionar se é realmente oportuno canonizar um Papa.
Poderia se alegar que os tempos não pedem uma exaltação de membros da
hierarquia, mas muito mais de membros humildes do povo de Deus.
Também tem a ver com a oportunidade o fato de não bastar que o
canonizado seja santo. A esta oportunidade parece responder a
insistência em que haja dois milagres referentes ao santo. Este
requisito é dispensável e na minha avaliação deveria ser abolido
completamente. Eu o considero uma relíquia de outros tempos, que não se
justifica, nem em teoria, nem em sua prática.
Em relação à oportunidade, há um esclarecimento que se deve à Igreja e que certamente será feito, oxalá, da forma mais clara e explicitamente possível. É a relação ou falta de relação do papa João Paulo II com o caso de Marcial Maciel.
Há versões que circulam e que apresentam, na ambiguidade e na dúvida,
vinculações comprometedoras. É preciso que se torne conhecida uma
história verídica das relações no caso de Marcial Maciel,
do início até sua destituição e morte. E, conjuntamente, uma referência
a esta história em relação com o que significa a canonização de João Paulo II.
Pensamos que a congregação que se ocupa destas canonizações precisa ter
feito este trabalho. Pois bem, estimo que o povo cristão tem o direito
de conhecer estas verdades.
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