O “caso” dos Franciscanos da Imaculada (chiesa), apresenta-se como um episódio de extrema gravidade, destinado a ter
consequências no seio da Igreja talvez não previstas por aqueles que o
transformaram imprudentemente em ato.
A Congregação para os Institutos de Vida Consagrada (conhecida
como Congregação para os Religiosos) com seu decreto de 11 de julho de
2013, assinado pelo cardeal prefeito João Braz de Aviz e o arcebispo
secretário José Rodriguez Carballo, OFM, desautorou os superiores dos
Franciscanos da Imaculada, confiando o governo do Instituto a um
“comissário apostólico”, o padre Fidenzio Volpi, capuchinho.
Para “blindar” o decreto, o cardeal João Braz de Aviz se muniu de uma aprovação “ex auditur” do Papa Francisco,
que tira dos frades qualquer possibilidade de recurso à Signatura
Apostólica. As razões dessa condenação, que tem sua origem em uma
reclamação feita à Congregação para os Religiosos por um grupo de frades
dissidentes, permanecem misteriosas. Desde o decreto da Congregação e
da carta enviada aos franciscanos em 22 de julho pelo novo Comissário,
as únicas acusações parecem ser as de um escasso “pensar com a Igreja” e
de um apego excessivo ao Rito Romano antigo.
Na realidade, estamos diante de uma injustiça manifesta contra os Franciscanos da Imaculada.
Este instituto religioso fundado pelos padres Stefano Maria Manelli e
Gabriele Maria Pellettieri é um dos mais florescentes de que se ufana a
Igreja, pelo número de vocações, a autenticidade da vida espiritual, a
fidelidade à ortodoxia e às autoridades romanas. Na situação de anarquia
litúrgica, teológica e moral em que nos encontramos hoje, os
Franciscanos da Imaculada deveriam ser tomados como modelo de vida
religiosa. O Papa se refere muitas vezes à necessidade de uma vida
religiosa mais simples e sóbria.
Os Franciscanos da Imaculada se destacam por sua austeridade e
pobreza evangélica, com as quais vivem, desde a sua fundação, seu
carisma franciscano. Acontece, porém, que em nome do Papa, a
Congregação para os Religiosos retira o governo do Instituto para
transmiti-lo a uma minoria de frades rebeldes de orientação
progressista, nos quais o novo Comissário se apoiará para “normalizar” o
Instituto, ou para conduzi-lo ao desastre do qual até agora tinha
escapado graças à sua fidelidade às leis eclesiásticas e ao Magistério.
Mas hoje o mal é recompensado e o bem castigado. Não
surpreende que a empregar o punho de ferro no confronto com os
Franciscanos da Imaculada esteja o mesmo Cardeal que auspicia
compreensão e diálogo com as irmãs heréticas e cismáticas americanas.
Aquelas religiosas pregam e praticam a teoria do gênero, e, portanto,
deve-se dialogar com elas. Os Franciscanos da Imaculada pregam e
praticam a castidade e a penitência e por isso não há possibilidade de
entendimento com eles. Esta é a triste conclusão a que inevitavelmente
chega um observador desapaixonado.
Uma das acusações é de serem muito apegados à Missa tradicional,
mas a acusação é um pretexto, porque os Franciscanos da Imaculada são,
como se costuma dizer, “bi-ritualistas”, ou seja, celebram a nova Missa e
a antiga, conforme lhes é concedido pelas leis eclesiásticas em vigor.
Colocados diante de uma ordem injusta, é de se supor que alguns dentre
eles não desistirão de celebrar a Missa tradicional; e farão bem em
resistir neste ponto, porque não será um gesto de rebeldia, mas de
obediência. Os indultos e privilégios em favor da missa tradicional não
foram revogados e possuem uma força legal superior ao decreto de uma
congregação, e até mesmo das intenções do Papa, se não expressas num ato
legal claro.
O cardeal Braz de Aviz parece ignorar a existência do motu proprio Summorum Pontificum, de 7 de julho de 2007, de seu decreto de aplicação, a Instrução Universae Ecclesiae de 30 de Abril de 2011, e da Comissão Ecclesia Dei, ligada à Congregação para a Doutrina da Fé, das quais a Congregação para os Religiosos invade hoje o campo.
Qual é a intenção da suprema autoridade da Igreja? Suprimir a Ecclesia Dei e revogar o motu proprio de Bento XVI? Se for, que o diga explicitamente, para que possamos tirar as consequências.
E se não for, por que fazer um decreto desnecessariamente provocativo
contra o mundo católico ligado à Tradição da Igreja? Este mundo está
numa fase de grande expansão, especialmente entre os jovens, e esta
talvez seja a principal razão da hostilidade de que ele é hoje objeto.
Por fim, o decreto constitui um abuso de poder não apenas em
relação aos Franciscanos da Imaculada e àqueles impropriamente definidos
de tradicionalistas, mas a todos os católicos. Na verdade, é um
sintoma alarmante da perda da segurança jurídica que está ocorrendo hoje
no seio da Igreja. De fato, a Igreja é uma sociedade visível na qual há
o “poder do direito e da lei” (Pio XII, Discurso Dans notre souhait, de 15 de Julho 1950). A lei é o que define o certo e o errado, e, como explicam os canonistas, “o
poder da Igreja deve ser justo, para o que é necessário que parta da
própria Igreja, que determina as finalidades e os limites da atividade
da Hierarquia. Nem todo ato dos Pastores sagrados, pelo fato de provirem
deles, é justo” (Carlos J. Errazuriz, Direito e justiça na Igreja, Giuffre, Milão 2008, p. 157).
Quando diminui a segurança jurídica, prevalece o arbítrio e a vontade do mais forte.
Muitas vezes isso acontece na sociedade, e pode ocorrer na Igreja
quando nesta a dimensão humana prevalece sobre a sobrenatural. Mas se
não há segurança jurídica, não há nenhuma regra de comportamento segura.
Tudo é deixado ao arbítrio do indivíduo ou de grupos de poder, e à
força com a qual esses lobbies são capazes de impor a sua vontade. A
força, separada da lei, torna-se prepotência e arrogância.
A Igreja, Corpo Místico de Cristo, é uma instituição legal baseada
numa lei divina, da qual os homens da Igreja são os depositários, e não
os criadores ou proprietários. A Igreja não é um “soviet”,
mas uma construção fundada por Jesus Cristo, na qual o poder do Papa e
dos bispos deve ser exercido de acordo com as leis e as formas
tradicionais, todas enraizadas na Revelação divina. Hoje se fala de uma
Igreja mais democrática e igualitária, mas o poder vem sendo exercido
muitas vezes de modo personalista, em desprezo a leis e costumes
milenares. Quando existem as leis universais da Igreja, como a bula de
São Pio V Quo primum (1570) e o motu proprio de Bento XVI Summorum Pontificum,
para mudá-los é necessário um ato legal equivalente. Uma lei anterior
não pode ser revogada senão com um ato explicitamente abrogatório de
igual porte.
Para defender a justiça e a verdade no interior da Igreja,
confiamos na voz dos juristas, entre os quais estão alguns eminentes
cardeais que ordenaram de acordo com o rito “extraordinário” os
Frades Franciscanos da Imaculada, cuja vida exemplar e zelo apostólico
eles conhecem. Apelamos especialmente ao Papa Francisco, para que queira
retirar as medidas contra os Franciscanos da Imaculada e contra seu uso
legítimo do Rito Romano antigo.
Qualquer decisão que seja tomada, não podemos esconder o fato de que a hora em que vive hoje a Igreja é dramática.
Novas tempestades se adensam no horizonte e essas tempestades
certamente não são suscitadas nem pelos Frades, nem pelas Irmãs
Franciscanas da Imaculada. O amor à Igreja Católica Apostólica Romana
sempre nos moveu e nos move a tomar sua defesa. Nossa Senhora, Virgo Fidelis, sugerirá à consciência de todos nesta difícil conjuntura, o caminho certo a seguir.
Transcrito da Agência de Informações Corrispondenza Romana, 30/7/2013.
(*) Prof. Roberto de Mattei
(Roma, 1948). Professor de História Moderna e História do Cristianismo
na Universidade Européia de Roma, onde é coordenador de mestrado de
Ciências Históricas. É presidente da Fundação Cultural Lepanto e membro
do Conselho de Administração do Instituto Histórico Italiano para a
Idade Moderna e Contemporânea e do Conselho de Administração da
Sociedade Italiana Geográfica. Foi durante vários anos vice-presidente
do Conselho Nacional de Pesquisas da Itália e é autor de vários livros
com repercussão internacional, entre os quais destaca-se O Concílio Vaticano II – Uma história nunca escrita (Petrus Editora, São Paulo).
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