Termos como "profilaxia da gravidez" nos casos de "relação sexuais não consentidas" abrem enormes brechas jurídicas para a realização do aborto na nação
Brasília,
(Zenit.org)
Por Paulo Vasconcelos Jacobina
Dentro do contexto do pós-guerra, quando o mundo ainda se
chocava com a eliminação de etnias inteiras, ou mesmo de classes sociais
inteiras, pelos governos totalitários, através das práticas eugênicas,
esterilizações forçadas ou simples assassinato em massa campos de
concentração, pareceria insano que o Estado pudesse promover a
destruição de qualquer ser humano, sob qualquer pretexto, em qualquer
fase da vida.
É por isso que a Declaração dos Direitos Humanos da ONU proclamava, já em 1948 – ainda sob os horrores da guerra – que “todo ser humano tem
direito, em todas as partes, a ter reconhecida a sua personalidade
jurídica” (artigo 6º). De forma ainda mais ampla, este mesmo documento
determinava que os direitos humanos que reconhecia aplicavam-se a
qualquer indivíduo humano, “sem distinção alguma de raça, cor, sexo,
idioma, religião, opinião política ou de qualquer outra índole, origem
nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição” (artigo 2º).
Esta condição em especial, a de que os direitos humanos aplicam-se a
qualquer indivíduo, independentemente do nascimento, está sendo
violentamente atacada, hoje, no mundo inteiro, especialmente após a
liberação do aborto nos Estados Unidos no célebre caso “Roe vs. Wade”,
em 1973. Seguiu-se daí a adoção da bandeira do aborto como uma bandeira
liberal e progressista, “avançada” e “feminista”, inclusive por órgãos
da própria ONU (contrariando, assim, a literalidade da sua própria
declaração de 1948), e a construção de um discurso transverso e perverso
que relativizou, ou mesmo excluiu, quaisquer direitos ao ser humano já
gerado mas ainda não nascido, sob o pretexto de que a fase de vida
humana que transcorre dentro do útero não se beneficia das garantias da
citada Declaração dos Direitos Humanos de 1948.
Isto em nome de uma categoria de direitos, designada como “direitos
sexuais e reprodutivos”, que não estava na referida declaração de 1948
(surgiu na década de 70), mas que vem sendo reafirmada, inclusive, como
paradigma para a própria reinterpretação dos demais direitos humanos, um
"superdireito" que condiciona a interpretação dos limites do próprio
direito à vida de certas categorias de seres humanos. Estes “direitos
reprodutivos”, portanto, vêm sendo compreendidos como essencialmente
oponíveis, pelos genitores, aos próprios filhos, as crianças dentro dos
úteros, pelo menos metade delas pertencentes ao próprio sexo feminino
("gênero" que alegadamente estaria sendo protegido contra os “machos
dominantes”). E oponíveis também aos Estados, que são classificados em
"mais" ou "menos" livres conforme permitam ou mesmo atuem positivamente
para eliminar estas vidas. Os nascituros seriam, portanto, nesta
mentalidade, seres humanos que, em nome dos “direitos reprodutivos” dos
respectivos genitores, têm o seu direito à vida desprotegido durante a
fase em que ainda não estão nascidas. Viola-se, assim, a literalidade do
art. 2º da mesma Declaração de 1948, que veda a utilização do discrímen
“nascimento” como condição excludente da proteção à dignidade humana.
Reafirme-se que esta Declaração de 1948 foi expedida no rescaldo do
choque do mundo com os horrores a que foram expostas, inclusive, as
mulheres grávidas e seus respectivos filhos, nascidos ou não, no quadro,
por exemplo, da ideologia nazista - para citar apenas um dos
totalitarismos abortistas. Assim, como visto acima,
a Declaração universal, no seu artigo 2º, expressamente considerou que a
condição "nascimento" não pode servir de pretexto para excluir o ser
humano dos respectivos direitos humanos universais. Ao contrário, estava
expressamente vedada na própria Declaração a possibilidade de
considerar o nascimento como condição de aquisição ou exclusão de
direitos humanos.
Esta discussão se põe agora com mais agudeza, em nosso país, por
causa da recente promulgação da lei n.º 12.845/2013, que promove aquilo
que chama de “profilaxia da gravidez” nos casos de “relação sexuais não
consentidas”. Este documento, lido no contexto da "ideologia de
gênero", amplia, de modo quase incondicional, por meio de um jogo de
palavras, a descriminalização do aborto no caso de violência sexual,
muito além da causa de exclusão de pena que existe atualmente no art.
128 do código penal brasileiro.
Isto se dá quando se define que a gravidez, de acordo com a citada
lei n.º 12.845/2013, passa a ser uma condição potencialmente
indesejável, patológica mesmo, nos casos em que a lei enxerga violência
sexual. A gravidez passa a ser uma condição sujeita à “profilaxia” - ou
seja, a medidas sanitárias capazes de preveni-la, equiparando-se a uma
doença ou deficiência, no caso daqueles que esta lei reconhece como
tendo sido submetidos a uma “relação sexual não consentida”. Note-se que
a “profilaxia da gravidez” está elencada ao lado da “profilaxia da
AIDS” e das “demais doenças sexualmente transmissíveis”, nos itens IV, V
e VI do art. 3º desta lei.
Ora, uma vez que, na cultura que se está construindo a partir das
novas noções de “direitos reprodutivos”, o consentimento para uma
relação sexual não envolve necessariamente o consentimento à reprodução
(já que a noção de “direitos reprodutivos” adotada pela própria ONU
envolve a dissociação entre o consentimento para a relação sexual e o
consentimento para a reprodução), decorre daí que o texto da nova lei
será interpretado, com a melhor das consciências, pelos agentes estatais
brasileiros, no sentido de que o simples consentimento da mulher para a
relação sexual não se estende necessariamente até o consentimento com a
eventual procriação que dela decorrer. Por consequência, a geração de
uma nova vida humana, em cada caso concreto, sendo uma condição que
admite “profilaxia”, representa, pelo texto desta nova lei, sempre uma
violência sexual presumida contra a mulher, mesmo quando ela
eventualmente consente com o próprio ato sexual que a desencadeou.
A vida do novo ser humano está sempre sujeita, portanto, a esta
instância de controle prévio meramente potestativa por parte da mulher,
que pode declarar-se “violentada” pelo simples fato de ter engravidado
sem desejar, ou sem “consentir” na própria gravidez. A gravidez em si,
quando indesejada, é a própria “violência” que a lei considera
pressuposto para a atuação do Sistema Público de Saúde, e basta para
desencadear o “direito legal” (sic) desta mulher a “todos os serviços
sanitários disponíveis”, inclusive a “profilaxia da gravidez”, ou seja, à
eliminação de seu filho – na semântica da nova língua que acompanha
alguns “novos direitos”.
Com isto, o combate à violência sexual passa a envolver, como
consequência necessária e como única medida direta prevista por esta lei
para combatê-la, a eliminação da vida deste ser humano que ela
eventualmente passa a carregar em seu útero, mediante mera declaração
unilateral e potestativa da genitora. Isto independentemente mesmo da
eventual existência de um eventual “violentador” a ser punido ou
responsabilizado, ou até de um “ato sexual violento” em sentido estrito,
já que a violência pode consistir, para esta mentalidade, na mera
ocorrência de uma gravidez indesejada, mesmo quando o ato sexual em si
foi não somente consentido como positivamente buscado pela mulher.Isto
se dará, conforme esta lei, através de atuação prioritária, emergencial e
multidisciplinar do Sistema Único de Saúde estatal, como dever
funcional dos respectivos agentes de saúde. E a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948 fica um pouco menos universal.
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