ihu - "Até os padres poderão se casar, mas apenas a uma certa idade...", escrevia em versos o cantor e compositor italiano Lucio Dalla na sua inesquecível L'anno che verrà.
E o tema dos "padres casados" volta ciclicamente aos holofotes
midiáticos, muitas vezes de forma confusa, misturado com temas de
natureza e porte completamente diferentes, como o da ordenação
sacerdotal das mulheres. Fala-se disso por causa do abaixo-assinado de
alguns grupos de padres, ou das "aberturas" contidas nas entrevistas de
alguns prelados importantes.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 14-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O último em ordem de tempo foi o novo secretário de Estado, o arcebispo Pietro Parolin, ainda por alguns poucos dias núncio apostólico na Venezuela, que, respondendo a uma pergunta do jornal El Universal,
declarou: o celibato sacerdotal "não é um dogma da Igreja, e pode-se
discuti-lo, porque é uma tradição da Igreja", mas "não se pode dizer,
simplesmente, que ela pertence ao passado".
"É possível falar, refletir e aprofundar esses temas que não são artigos de fé – acrescentou Parolin
– e pensar em algumas modificações, mas sempre a serviço da unidade e
segundo a vontade de Deus. (...) Deus fala de muitas maneiras. Devemos
estar atentos a essa voz que nos orienta sobre as causas e as soluções,
por exemplo, da escassez do clero. Então, é preciso levar em conta, na
hora de tomar decisões, esses critérios (a vontade de Deus, a história
da Igreja), assim como a abertura aos sinais dos tempos".
Com as suas afirmações, o novo secretário de Estado reiterou o que foi estabelecido em 1179 pelo Conselho de Latrão. Naquela ocasião, há mais de 800 anos, a Igreja – como lembra Filippo Di Giacomo
– estabeleceu que o celibato eclesiástico não era de natureza divina,
mas apenas canônica, uma tradição que pertence à disciplina da Igreja
latina e que pode, portanto, ser regulada de modo diferente.
"O terceiro Concílio de Latrão, em síntese, deixava
intacta a chamada 'disciplina apostólica', que foi instituída pela
Igreja indivisa pelos sete primeiros concílios ecumênicos (os únicos
depois reconhecidos também pela Igreja Ortodoxa), que
confere a ordenação presbiteral também aos homens casados (se chegarem à
ordenação sacerdotal célibes, nem mesmo os padres ortodoxos podem se
casar depois da ordenação, nem se ficarem viúvos), escolhendo, porém,
que se ordenassem apenas os célibes na Igreja latina".
E aqui talvez valha a pena lembrar que nem mesmo nas Igrejas
orientais – ortodoxas ou em comunhão com Roma – foi levantado o problema
de casar os padres. Sempre se tratou da possibilidade simplesmente de
admitir ao sacerdócio (nunca ao episcopado) homens já casados. Sempre
impedindo, no entanto, que homens já ordenados pudessem contrair
matrimônio. Na Igreja Católica, já existem padres casados. De fato,
existem padres casados no clero das Igrejas orientais católicas (em
2001, chegando em Kiev, João Paulo II foi saudado diante de uma paróquia de um padre católico de rito oriental na companhia de sua esposa e filhos).
O discurso é diferente para a Igreja latina. Até 2009, havia exceções
referentes às passagens individuais de padres ou bispos anglicanos
casados que pediam para entrar em comunhão com Roma e
eram novamente ordenados padres segundo o rito católico. Mas a posição
reiterada pelo magistério dos últimos pontífices, assim como as
conclusões dos Sínodos, sempre foi a de manter a regra do celibato para o
clero latino: não é um dogma, mas é um valor e tem razões profundas –
escreveram os papas – não apenas ligadas a razões práticas ou
administrativos.
Por isso, sempre se excluiu a possibilidade de abrir, por causa da carência de vocações, a ordenação dos chamados "viri probati", homens casados de fé comprovada, capazes de garantir a celebração dos sacramentos nas comunidades já sem clero.
"No catolicismo ocidental, o tema é discutido impulsionado por algumas organizações", disse o então cardeal Jorge Mario Bergoglio, no diálogo com o rabino Abraham Skorka, publicado no livro Sobre o céu e terra.
"Por enquanto, mantém-se firme a disciplina do celibato. Há quem diga,
com um certo pragmatismo, que estamos perdendo mão de obra. Se,
hipoteticamente, o catolicismo ocidental revisasse o tema do celibato,
eu acredito que faria isso por razões culturais (como no Oriente), não
tanto como opção universal".
"Por enquanto – continuava Bergoglio – sou a favor
de que o celibato se mantenha, com todos os prós e os contras que isso
implica, porque são dez séculos de boas experiências, mais do que de
falhas. (...) A tradição tem peso e validade. Os ministros católicos
foram escolhendo o celibato pouco a pouco. Até o ano 1100, havia quem
optasse por ele e quem não. (...) É uma questão de disciplina, não de
fé. Pode mudar. Pessoalmente, nunca me passou pela cabeça a ideia de me
casar".
Mesmo sem mudar a posição tradicional, reiterada pelos antecessores e pelos Sínodos dos Bispos, Bento XVI,
em novembro de 2009, abriu uma nova e inequívoca fresta, embora
circunscrita às comunidades anglicanas decididas a entrar na comunhão
católica.
Com a constituição apostólica Anglicanorum coetibus, o Papa Ratzinger instituiu os ordinariatos anglocatólicos.
No segundo parágrafo do artigo 6º da constituição, depois de já ter
reafirmado a regra do celibato para o futuro, o pontífice alemão
estabelecia a possibilidade de "admitir caso por caso à Ordem Sagrada do
presbiterado também homens casados, segundo os critérios objetivos
aprovados pela Santa Sé".
Nas normas complementares anexas ao documento pontifício e preparadas pela Congregação para a Doutrina da Fé,
com a aprovação papal, reafirma-se que o ordinário "pode apresentar ao
Santo Padre o pedido de admissão de homens casados à ordenação
presbiteral no Ordinariato, após um processo de discernimento baseado em
critérios objetivos e nas necessidades do Ordinariato".
É claro que se trata de uma possibilidade prevista também para o
futuro, uma exceção relacionada com as necessidades do ordinariato
anglocatólico.
A medida do Papa Ratzinger em 2009 foi a primeira
abertura e de maior autoridade para a possibilidade do "clero uxorado"
em um rito da Igreja latina, colocado claramente em uma constituição
apostólica. A primeira dispensa desse tipo oficializada para uma
comunidade latina desde os tempos do Concílio de Trento.
O documento de Bento XVI também continha outra
novidade inegável. Os "ordinários pessoais" anglocatólicos também podem
ser padres casados e são equiparados aos bispos (mesmo sem sê-lo, mas
podendo usar as suas insígnias) e, portanto, fazem parte de pleno
direito das conferências episcopais.
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