ihu - Seguir Jesus é uma escolha cheia de
consequências e de compromissos; é uma escolha crucial e, antes de
escolher, precisamos sentar e calcular.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 23º Domingo do Tempo Comum – Ciclo C do Ano Litúrgico (08 de setembro de 2013). A tradução é de André Langer.
Referências bíblicas:
Primeira leitura: Sb 9,13-18
Segunda leitura: Fm 9b-10.12-17
Evangelho: Lc 14,25-33
Primeira leitura: Sb 9,13-18
Segunda leitura: Fm 9b-10.12-17
Evangelho: Lc 14,25-33
Eis o texto.
Há muitas semanas nós nos encontramos a caminho para Jerusalém, e, há três semanas, no caminho, o Jesus do Evangelho de Lucas
dá conselhos sobre a maneira de viver na Igreja: estar aberto a todos,
acolher os pobres e os necessitados e estar pronto para rupturas, para
escolhas dolorosas, para carregar a sua cruz! No fundo, o Evangelho nos
coloca a seguinte questão: como fazer caminho com Jesus?
Como querer ser seu discípulo sem preferi-lo a tudo, inclusive mais que
à sua própria vida? É uma escolha cheia de consequências e de
compromissos; é uma escolha crucial e, antes de escolher, precisamos
sentar e calcular... De acordo com Lucas, quais são as condições para seguir o Jesus do Evangelho? Há três:
1. Um amor total
Para seguir Jesus, é preciso estar animado por um
amor superior a todas as afeições familiares ou quaisquer outras: “Se
alguém vem a mim e não dá preferência mais a mim que ao seu pai, à sua
mãe, à mulher, aos filhos, aos irmãos, às irmãs, e até mesmo à sua
própria vida, esse não pode ser meu discípulo” (Lc 14,26). Enquanto Mateus se contenta em escrever: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais que a mim não é digno de mim” (Mt 10,37), Lucas utiliza o verbo grego misein, que é traduzido por odiar. O que isto quer dizer? Isto quer dizer que para seguir Jesus
é preciso amar verdadeiramente, e isso de uma maneira livre e total. O
amor que sentimos pelos parentes, pelos outros e por nós mesmos nunca
deve nos impedir de nos conduzir ao Cristo, porque os nossos próximos, os outros e nós mesmos somos imagens do Cristo e mesmo o próprio Cristo.
Mas, nesse caso, por que Lucas utiliza o verbo
odiar, traduzido em nossas Bíblias por preferir? Simplesmente para nos
recordar a radicalidade e a urgência do nosso compromisso de amar
totalmente, livremente e gratuitamente. Recordemos os três graus do
Amor, segundo Santo Agostinho:
1) Amar ser amado: isso diz respeito a todos... Quem não gosta de ser
amado? 2) Amar amar: é generoso e virtuoso, mas isso também é ser
egoísta; ao querer amar os outros isso nos faz bem, é gratificante e
podemos fazer isso exclusivamente por nós mesmos. 3) Amar
(simplesmente): gratuitamente, não para se comprazer, mas amar sem
esperar nada em troca. É o Amor total, o Amor do Cristo da Páscoa.
2. Carregar sua cruz
Para seguir Jesus é preciso carregar a sua cruz,
isto é, renunciar à sua própria vida esperando, às vezes, o pior.
Novamente, é um compromisso radical que pode nos levar à rejeição, à
condenação e à exclusão, como Jesus em sua ação e sua revolução (sua luta por justiça e liberdade). Ser discípulo de Jesus, comprometer-se a segui-lo, não é agir de maneira politicaly correct,
para não desagradar as autoridades e determinadas pessoas.
Comprometer-se a seguir Jesus é trabalhar pela justiça e pela liberdade,
é partilhar com os mais necessitados, é recuperar a dignidade daquelas e
daqueles que a perderam, por causa da sociedade ou da Igreja. Isso
requer muita coragem, renúncia e determinação... E é por isso que, antes
de fazer essa escolha, antes de assumir tal compromisso, é preciso
sentar para calcular se somos capazes de construir uma torre ou apenas
assentar os fundamentos (Lc 14,28-30) ou, saindo para guerrear, se temos
condições de vencer o adversário (Lc 14,31-32). Uma coisa é certa: não
devemos nos esconder atrás dos medos ou das incapacidades; devemos
assumir riscos calculados...
3. Renunciar a todos os bens
Para seguir Jesus é preciso ser livre em relação a
tudo o que possuímos. Renunciar a todos os bens não quer dizer não ter
nada, mas que aquilo que possuímos não nos deve impedir de nos
comprometer livremente com o seguimento de Jesus. O teólogo francês Marcel Metzger
escreveu em 1992: “No Evangelho deste domingo, não se trata
propriamente de renúncias e de medos, porque Jesus se dirige a nós de
maneira categórica e radical: ele nos pede para preferi-lo a qualquer
outra pessoa e ainda de renunciar a todos os nossos bens, caso quisermos
ser seus discípulos. Tais renúncias podem nos parecer muito grandes,
até mesmo impossíveis. E, no entanto, se nós não tomarmos a iniciativa
espontaneamente e de bom grado, a existência se encarregará disso, no
nosso lugar, porque à medida que avançamos na idade, nós nos tornamos
progressivamente despojados, senão de riquezas, mas ao menos de saúde,
dos parentes, e um dia, da vida. Podemos protestar, nos revoltar, mas
nada podemos fazer. Podemos também, ao contrário, fazer desse
despojamento irreversível uma caminhada para o Reino, colocar a nossa
mão na mão de Jesus, esse companheiro fiel e seguro do qual nada pode nos privar, nem separar (Rm 8,35)”.
Podemos pensar que é impossível nos tornar discípulos de Jesus, podemos pensar que as condições para segui-lo são irrealistas e mesmo utópicas; e, no entanto, já no livro da Sabedoria, que temos na primeira leitura, esse livro escrito 50 anos antes da era cristã, cujo autor, um judeu de Alexandria,
influenciado pelo pensamento grego, onde há dualidade entre corpo e
alma, nos diz que o homem em sua materialidade é reduzido à impotência;
seus sentidos limitam sua percepção ao horizonte terrestre e a Sabedoria
que se encontra em Deus está fora do seu alcance: “porque o corpo
corruptível torna pesada a alma e a morada terrena oprime a mente que
pensa em tantas coisas. Mal podemos conhecer o que há na terra, e a
muito custo compreendemos o que está ao alcance de nossas mãos; quem,
portanto, rastreará o que há nos céus?” (Sb 9,15-16). Por outro lado, o
Sábio reconhece que Deus mesmo nos deu sua Sabedoria, que é o Espírito
Santo, e que nós somos mais que materiais, somos também espirituais;
assim, somos salvos e capazes de alcançar a Deus: “Só assim se tornaram
retos os caminhos dos que estão sobre a terra, os homens aprenderam o
que te agrada e, pela Sabedoria, foram salvos” (Sb 9,18.
Nosso compromisso cristão, hoje, se ele é verdadeiro e autêntico,
poderia transformar o nosso mundo, como foi capaz de transformar o mundo
ou a sociedade no começo do cristianismo. Na segunda leitura de hoje,
temos um dos escritos mais curtos do Novo Testamento, onde Paulo, na sua prisão, acolheu um escravo, Onésimo, que fugiu da casa de seu senhor, Filemon. No contato com Paulo, esse escravo pagão se converteu; ele foi batizado por Paulo e eis que Paulo o reenvia a Filemon,
seu senhor, dizendo-lhe para acolhê-lo não mais como escravo, mas como
um irmão querido. Imaginem a situação real da época em que o escravo era
totalmente desprezado. No tempo de Aristóteles,
colocava-se a seguinte questão: “Qual é a diferença entre um escravo e
um utensílio? A única diferença é que o escravo se move. O escravo é um
instrumento vivo”. Além disso, quando um escravo fugia ou roubava seu
senhor, o senhor tinha o direito de vida ou de morte sobre ele. É, pois,
uma revolução que o pensamento cristão impõe à sociedade da época: “Se
ele te foi retirado por algum tempo, talvez seja para que o tenhas de
volta para sempre, já não como escravo, mas, muito mais do que isso,
como um irmão querido, muitíssimo querido para mim quanto mais ele o for
para ti, tanto como pessoa humana quanto como irmão no Senhor” (Fm
15-16).
Imaginem a grande revolução trazida por Jesus: sempre no sentido da
justiça, da igualdade, da dignidade e da liberdade! Hoje, 2013, o que Paulo pediria ao seu amigo Filemon
para melhor seguir o Jesus do Evangelho? Ele lhe pediria, sem dúvida,
para acolher o drogado, a prostituta, o homossexual, a divorciada, como
um irmão, uma irmã, porque em Cristo temos todos e todas a mesma
dignidade e somos todas e todos irmãos e irmãs.
Eu termino com esta bela oração do francês Michel Hubaut, que se intitula “Sentar para ousar arriscar”:
“Senhor Jesus, para revelar o mistério do Reino de Deus, tu assumiste
muitos riscos! Tu arriscaste a eternidade no tempo, tu arriscaste o
invisível num rosto de homem, tu arriscaste o divino num corpo humano.
Tu arriscaste a Palavra na fragilidade das nossas palavras, tu
arriscaste a Bondade de Deus na banalidade dos gestos cotidianos. Tu
inclusive te arriscaste a ser mal interpretado e desfigurado. Senhor,
desde a tua Encarnação, como te seguir sem assumir riscos? Dá-me o gosto
pelo risco e a coragem de tomá-lo com toda a lucidez. Dá-me a coragem
de arriscar o meu coração, minha inteligência e minha razão, arriscar
meus bens, meu futuro e minha reputação, arriscar a hostilidade, a
indiferença e inclusive a cruz. Mas, tantos riscos, tu o compreendes
bem, pedem reflexão, tantos riscos merecem que eu tome o tempo para me
sentar para acolher, no silêncio da oração, teu Espírito, fonte e força
das minhas escolhas, para verificar os fundamentos! Concede-me a graça
de construir a minha vida sobre a Rocha da tua Palavra, de permanecer na
tua Presença, de começar e terminar a obra da minha vida Contigo”.
[ihu]
Continuando com a reflexão do 23º Domingo do Tempo Comum (8 de setembro de 2013), agora com Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, e tradução de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Eis o texto.
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Continuando com a reflexão do 23º Domingo do Tempo Comum (8 de setembro de 2013), agora com Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, e tradução de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Eis o texto.
Uma proposta difícil para se ouvir
Onde a tradução litúrgica nos fala em “não desapegar-se de" ou em
preferir (seu pai, sua mãe, etc.), o texto grego usa o verbo “odiar". E
isto não foi para atenuar em nós o sentimento de revolta que estas
palavras provocam. Revolta que logo se torna uma espécie de ceticismo: o
Cristo não poderia nos ter dito para odiar os nossos próximos. A prova
disto? Em Mateus 15,6, ele declarou ser vontade divina honrar pai e mãe;
em 19,5-6, citando o Gênesis, ele fala da união do homem e da mulher
como de um ato do próprio Deus. Então, o que exatamente significa este
"odiar", tão contrário ao conjunto dos ensinamentos de Jesus? Seria uma
hipérbole ao estilo dos escritos proféticos, como quando, em Mateus
5,29-30, ele fala em arrancar um olho ou em cortar a mão direita? Sim,
sem dúvida. Mas a tradução litúrgica não deixa de ter razão quando
atenua este "odiar" pelo desapegar-se, ou "preferir", palavra que
significa "fazer passar à frente". Mesmo sendo um pouco menos
escandaloso, ainda assim é duro de se ouvir: como em Mateus 10,37, onde o
Cristo fala em "amar mais". Para começar a compreender, é preciso que
nos lembremos de que esta passagem se situa no relato da caminhada para
Jerusalém, para a crucifixão. Jesus vai ter aí de renunciar a tudo, vai
aceitar perder tudo. Irá "preferir"-nos a tudo o que a criação poderia
lhe oferecer; irá fazer com que nós passemos à frente de sua própria
vida. O "vir a ele" do início da leitura não nos encaminha para um ponto
de chegada: no versículo 27, este "vir a ele" torna-se "caminhar no seu
seguimento".
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